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O compositor italiano Ennio Morricone
O compositor italiano Ennio Morricone durante o Festival Mawazine em Rabat, 15 de maio de 2009.| Foto: RFM/WY/tz/RAFAEL MARCHANTE

O maestro italiano Ennio Morricone, genial criador de uma obra musical marcada pelas trilhas sonoras de filmes de faroeste, morreu na madrugada de 6 de julho em Roma. Ele estava internado em uma clínica na capital italiana por causa de uma fratura no fêmur, e de acordo com o advogado Giorgio Assuma, amigo pessoal de Morricone, o maestro “permaneceu lúcido até o fim” e morreu “consolado pela fé”. O funeral será restrito à família.

Há apenas alguns dias, Morricone foi anunciado o vencedor, ao lado do também compositor John Williams, do prêmio Princesa das Astúrias das Artes na Espanha. "Sempre nos recordaremos, e com um reconhecimento infinito do gênio artístico, do maestro Ennio Morricone. Nos fez sonhar, nos emocionou e fez pensar, escrevendo notas inesquecíveis que ficarão para sempre na história da música e do cinema", escreveu no Twitter o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte.

Morricone nasceu em 10 de dezembro de 1928 em Roma e começou a compor aos seis anos. Aos 10, foi matriculado em um curso de trompete da prestigiosa Academia Nacional Santa Cecília de Roma. Também estudou composição, orquestra e órgão. Em 1961, aos 33 anos, estreou no cinema com a música de "O Fascista", de Luciano Salce.

A história de Morricone com a sétima arte quase não aconteceu. Em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, ele contou que teve uma carreira confusa. “Fiz arranjos, toquei trompete, fiz orquestrações para teatro, depois discos, rádio, TV. Você sabe, pelo meu medo de morrer de fome”.

A parceria com o diretor de cinema Sérgio Leone começou com o clássico “Por Um Punhado de Dólares”. Morricone conta que não foi fácil trabalhar com Leone. “Quando as gravações começaram, foi um tormento. ‘Não dá para sentir o trombone’, e então eu aumentei o trombone. ‘Agora não dá para ouvir a orquestra’. Daí eu perdi a paciência e compensei com músculos”, conta. A sonorização de uma das cenas levou mais de um mês para ficar pronta. Para o maestro, “um barulho à beira de um colapso nervoso”; para o diretor, um trabalho “perfeito”.

O prolífico músico compôs quase 500 trilhas sonoras, incluindo temas inesquecíveis como o assovio de "Três Homens em Conflito (1966)". O assovio, ele contou, foi um presente para Leone -- e virou quase uma obsessão para o diretor. “Quando ele ouviu, seus olhos brilhavam. Só que então eu tive que colocá-lo em todos os filmes. Na terceira vez me recusei, ‘chega de assovio’.”

Mas foi outro diretor, Giuseppe Tornatore, que ganhou o primeiro posto na avaliação do maestro. Um de seus melhores trabalhos, “Cinema Paradiso”, é tido como um dos maiores filmes de todos os tempos. Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1989, tem em sua trilha sonora tanta ou mais carga emocional do que a própria história do menino Totó e sua paixão pelo cinema.

A inspiração deixada por Morricone extrapolou o cinema e chegou a trabalhos certamente nunca imaginados pelo maestro. Prova disso é que sua obra inspirou até mesmo a música de um dos jogos de videogame mais bem sucedidos da história, com quase 30 milhões de cópias vendidas. "Red Dead Redemption 2", produzido pela Rockstar, é ambientado no velho oeste norte americano e teve sua trilha sonora classificada como “possível maior álbum musical de 2018” pela revista especializada Rolling Stone.

Morricone foi premiado duas vezes com o Oscar, além de outras cinco indicações. A primeira em 2007, um prêmio honorário por conta da brilhante carreira. A segunda estatueta veio pelo trabalho com Quentin Tarantino em “Os Oito Odiados”. Morricone também foi premiado com Globos de Ouro e Grammys, compôs óperas e canções para artistas pop, em uma prolongada carreira que encerrou de maneira brilhante em 2018 com uma turnê mundial de despedida.

Os prêmios da academia, ele revelou, ficavam trancados à chave em um quarto na casa em que morava com a esposa, Maria. “Uma fixação”, que segundo ele surgiu há quando um dos filhos emprestou discos para uns amigos – os discos jamais voltaram.

A história de amor dos dois, Ennio e Maria, ganhou força nos anos 1950. Ela era amiga da irmã de Ennio. “Eu imediatamente gostei muito dela. Mas ela gostava menos de mim”, disse. Mas um acidente aproximou os dois. Maria estava com o pai no carro, que, como contou o maestro, bateu em um momento de distração. “Ele sofreu muito. Eu fiquei perto dela. E assim, dia após dia, gota a gota, eu a fiz se apaixonar. Porque no amor, como na arte, constância é tudo. Não sei se há amor à primeira vista, ou uma intuição sobrenatural. Eu sei que há tenacidade, consistência, seriedade, duração. E claro, lealdade. O sucesso certamente vem do talento, mas ainda mais do trabalho, da experiência e, repito, da fidelidade: à arte e à mulher”.

Tal fidelidade foi expressa até os últimos momentos. Em seu obituário, ditado ao amigo e advogado Giorgio Assuma, Morricone se lembrou de amigos, em especial do diretor Tornatore, trouxe uma mensagem especial aos filhos e netos – “espero que eles entendam o quanto eu os amava” – e deixou sua última despedida à esposa. “Renovo o extraordinário amor que nos uniu e lamento abandoná-la. Para você, a despedida mais dolorosa”. O funeral será privado à família, a pedido do próprio Morricone. O motivo, expresso na última carta: “não quero incomodar.”

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