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calçadão de curitiba
| Foto: Albari Rosa/ Arquivo/ Gazeta do Povo

Na sexta-feira, dia 19 de maio de 1972, quando os relógios marcaram 18 horas, as correntes que já fechavam alguns trechos da Rua XV de Novembro para o tráfego foram reabertas. Em vez de automóveis, dezenas de operários deram início às obras do calçadão que traria de volta a alcunha imperial "Rua das Flores" à via mais famosa de Curitiba.

À época, o trânsito era complicado nas vias que formavam o anel central. Afinal, na capital paranaense havia um automóvel para cada dez habitantes -- cerca de 60 mil veículos -- e muitos deles tinham o Centro como destino. Era ali que se concentravam os bancos, as lojas e os cinemas: não havia shoppings, o Pinhais Expotrade seria inaugurado somente em 1979 e o Mueller, que popularizaria o conceito de compras in­door na cidade, seria aberto apenas em 1983.

Era pelas ruas que as pessoas circulavam, mas a artéria principal da capital estava congestionada. "Fiz um teste. Andei da Praça Osório até a Praça Santos Andrade na direção do fluxo e cheguei antes de um automóvel que fazia o mesmo trajeto", diz o arquiteto Abrão Anis Assad, que foi chamado pela prefeitura, por meio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), para realizar o projeto de revitalização da rua. "Era uma necessidade de afirmação: precisávamos assinalar que o homem era mais importante do que o carro", recorda o presidente do Ippuc à época, Lubomir Ficinski.

Arquiteto Abrão Assad
Arquiteto Abrão Assad| Giuliano Gomes/ Arquivo/ Gazeta do Povo

>> Assista: Entrevista com o arquiteto Abrão Anis Assad, autor do projeto da Rua XV

>>Instagram: Veja as melhores fotos do calçadão publicadas por usuários do Instagram. Confira mais na hashtag #gazetaXV

Naqueles primeiros meses de 1972, as companhias de energia e de águas faziam obras na rua, o que foi útil na hora de fechar o trânsito. "Quando elas terminavam, a via já não era mais aberta. Pusemos correntes e liberamos apenas para estacionamento, com a ideia de fechá-la por completo. Fui chamado de escravagista por ter usado esse artifício", diz Ficinski.

Mas fechar em caráter definitivo a principal rua da cidade não seria algo fácil. A escolha por iniciar as obras na véspera de um fim de semana, depois de encerrado o horário comercial, não era casual, isso evitaria recursos judiciais que poderiam impedir a obra. Foi necessária uma operação de guerra para colocar o plano em andamento, mesmo sob constrangimentos.

Assad lembra que o clima na rua, naquela sexta-feira, era o pior possível. "Um dos Tacla, dono da loja Capital das Modas, me chamou quando eu estava com um pincel e tinta laranja na mão -- para marcar o lugar das árvores que seriam plantadas ali, onde havia o asfalto -- e disse: 'seja o que você for fazer, não faça aqui', recorda o arquiteto, que reencontrou o comerciante depois de pronto o calçadão. "Ele tinha gostado das mudanças, mas me questionava o motivo de nenhuma intervenção ter sido realizada na frente da loja dele."

Intervenção

A primeira etapa da obra compreendeu o trecho entre as Ruas Marechal Floriano e Monsenhor Celso. Nas semanas seguintes, a obra avançou ainda mais. Assim, o calçadão cruzou o eixo que ia da Praça Osório à Praça Santos Andrade e espalhou-se pelas adjacências, as praças Zacarias, Tiradentes, Borges de Macedo e Generoso Marques.

"A rua não tinha que ser um local apenas de circulação, mas também de permanência", conta Assad, que desenvolveu o mobiliário urbano que marcou para sempre a feição da cidade, com floreiras, quiosques, os clássicos domos roxos, as luminárias de globos transparentes e a torre de informações culturais. Um ano e meio depois, a Rua XV ganhou a sua imagem símbolo: o bondinho.

Jaime Lerner: "Quebrar o paradigma foi tão importante quanto a revitalização"

Jaime Lerner, arquiteto e ex-prefeito de Curitiba por três vezes, a primeira delas de 1971 a 1975.

Prefeito em 1972, Jaime Lerner encabeçou a revitalização da Rua XV de Novembro, uma medida que, a priori, não agradava a maioria dos comerciantes da região:

Qual a importância da intervenção na Rua XV?

Ela ocorreu no momento em que outras cidades investiam em obras para o automóvel. Nós trabalhamos no contrafluxo disso. Porém o mais importante não foi a obra física do calçadão, mas a revitalização urbana, estimulando atividades que reuniam gente.

Qual era a situação da rua na década de 70?

Não havia condição de todo o trânsito da cidade continuar passando pelo Centro, como estava ocorrendo. Decidimos fechar e tínhamos de fazer rapidamente para evitar demandas judiciais que inviabilizariam a continuidade das obras – e para ter um trecho para efeito de demonstração. Se a obra fosse parada, nunca mais seria retomada. Quando ficou pronto, aqueles comerciantes que haviam assinado uma petição para parar a obra entregaram uma cópia desse documento para mim, como souvenir. Eles tinham aprovado as obras.

Qual foi a dinâmica das obras?

A obra começou na sexta-feira e na segunda-feira de noite um trecho estava concluído, passadas 72 horas. Anteriormente, quando perguntei ao secretário de obras quanto tempo a obra levaria, ele me disse cinco meses. Eu pedi em 48 horas. Ele falou: "Você está louco!" Após muita negociação, ele disse que poderíamos fazer algo em três dias. Fizemos, quebramos um paradigma e foi aberta uma legitimidade para as outras mudanças que vieram depois. (AJ)

Cronologia

O Plano Diretor, criado em 1965 e aprovado no ano seguinte, possibilitou que o acesso e o estacionamento de veículos em algumas ruas fossem impedidos:

19 mai 1972 – A prefeitura distribui uma carta à população, explicando os motivos da obra: "após a conclusão, a Rua XV de Novembro não será palco de intermináveis congestionamentos, será um oásis de tranquilidade". Os comerciantes vão à Justiça contra o fechamento, contratando o jurista Renê Dotti.

20 mai – Município publica anúncio na Gazeta do Povo sobre o calçadão dizendo que a Rua XV vai ficar "linda de viver". O petit pavê já recobre o primeiro trecho, entre as Ruas Muricy e Monsenhor Celso.

26 mai – Após uma semana de obras, o trecho do calçadão é entregue com floreiras e sem solenidade de inauguração.

27 mai – Prefeitura promove uma sessão de pintura ao ar livre na Rua XV de Novembro, com mais de 150 crianças. Segundo o jornal publicou na época, elas tornaram "mais colorida a bela manhã de sol" em Curitiba.

Sala de estar

Conte-nos algum momento marcante vivido no calçadão da Rua das Flores após a inauguração.

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