Radialista Renato Gaúcho, estrela da programação da Rádio 98 FM.| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

No meio do ano, uma notícia sacudiu o mercado do rádio em Curitiba. O radialista Renato Gaúcho anunciou que passava a integrar a equipe da Rádio 98 FM após 32 anos liderando a audiência das manhãs na Caiobá FM.

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A contratação da estrela do rádio local ao mesmo tempo reforça a equipe da rádio líder do Ibope em Curitiba como abre espaço para um desafio em um das carreiras mais sólidas do segmento. “Eu tinha uma história consolidada [no antigo prefixo] e agora vou ter que começar do zero, degrau por degrau. Gosto dessa sensação”, disse Renato em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo no apartamento onde mora.

Para a nova casa, o comunicador levou as armas que o consagraram. No programa "Show da Manhã com Renato Gaúcho", que vai ao ar das 8h às 12h, o radialista interage com o público, toca os sucessos do momento e apresenta o horóscopo que ele mesmo escreve.

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O grande momento, porém, é o quadro A Música da Minha Vida em que Renato narra e interpreta histórias de amores e desamores enviadas por seus ouvintes.

Nessa hora, nas cozinhas das casas ou restaurante, carros de praça ou aplicativos, salas de aula ou no trabalho há gente sintonizada nas narrativas cheias de traições, romances impossíveis e finais surpreendentes.

O quadro foi criado por Renato Gaúcho em 1986 para trazer ao rádio seu gênero preferido. “Eu sempre gostei de rádio novela, mas não dava para pagar um cast de atores e contrarregras. Um dia concluí que ou fazia tudo sozinho no ar ou não faria”, disse.

No começo, sua ideia era que o quadro durasse cinco minutos e que a música fosse a grande atração.  “O ouvinte contaria por que aquela música tinha marcado a história dele”, conta.

As pessoas, no entanto, começaram a escrever cartas (eram os anos 1980, lembremos) cada vez maiores e mais detalhadas sobre suas desventuras de amor. Renato intuiu que o foco era outro.

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“Notei que a estrela era a necessidade das pessoas em contar suas histórias e assim, a coisa foi crescendo até o formato que tem hoje com histórias de 20 minutos. Ninguém acreditava que podia dar certo. Tive de insistir. Foi tudo meio na marra”, disse.

Desde então, Renato desenvolveu aos poucos a técnica de narrativa em que faz todos os papeis da trama. “As pessoas têm a ilusão que sua vida é muito diferente das outras, mas as histórias são quase sempre iguais: ciúmes, traição, amar sem ser amado e abandono”.

A arte de contar histórias

Renato conhece seu público que é feminino (80%) das classes C, D e E, entre os 20 e 40 anos. Renato também sabe que a arte de contar histórias é das mais antigas artes humanas. Desde que os primeiros caçadores se reuniram em volta da fogueira a exagerar façanhas, a figura do contador de histórias tem status especial nas sociedades.

Radialista Renato Gaúcho, estrela da programação da rádio 98.| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

Em qualquer cultura. Sempre foi e sempre será. Cada povo tem seu contador de histórias e cabe a ele mesmo, o povo, decidir se ele é bom ou ruim. Nos últimos 40 anos ninguém ocupou este papel tanto quanto o radialista Renato Gaúcho.

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Aos 61 anos, o porto alegrense Renato Luiz Loss chegou a Curitiba com uma pequena mala e o endereço da Radio Intercontinental, no centro. Sem conhecer ninguém.

Fez de tudo um pouco, morou em pensões e pequenos hotéis até que um lance do acaso o colocou no caminho da Caiobá FM.

“Eu estava substituindo um sujeito que faltou bem na hora em que o diretor da rádio [Caiobá] estava zapeando o dial atrás do substituto de um locutor que tinha ido embora. Quando é para ser, acontece”, disse.

Contratado pela rádio, chegou a morar como clandestino na sede da emissora até conquistar o espaço como narrador dos sortilégios românticos do povo curitibano.

Suas adaptações seguem o estilo dos contadores de histórias tradicionais árabes que segundo Malba Tahan, nas 1001 Noites: “ouviam os enredos das pessoas, alteravam os entrechos, mudavam os nomes e acrescentavam novos episódios...”.

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Renato conta que seu ofício requer um estado de “preparação permanente”. O programa exige uma produção de horas e é toda feita na véspera.

A matéria-prima são as cartas que ainda chegam, mas que aos poucos viraram e-mails e hoje são, em geral, mensagens de aplicativos.

“Há uma equipe que me ajuda e recebe o material e faz uma triagem e uma adaptação prévia, às vezes entra em contato para saber detalhes”, disse.

Às vezes a história vem em quatro linhas e Renato precisa adaptar as narrativas em um exercício de imaginação sobre como cada envolvido teria reagido.  “E quando chega a hora de ler no ar eu ainda improviso um pouco em cima”, confessa.

Radialista Renato Gaúcho, estrela da programação da rádio 98.
Radialista Renato Gaúcho, estrela da programação da rádio 98.
Radialista Renato Gaúcho, estrela da programação da rádio 98.

Gaúcho “não praticante” foi político

Ainda que leve o gentílico de seu estado natal no nome de guerra, ele diz que é gaúcho, mas não é “praticante”. “Não sei andar a cavalo, não tenho mais comido carne, nunca usei bombacha”.

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Do Rio Grande do Sul, ficou o apelido por conta do sotaque (cada vez menos pronunciado) e o amor pelo internacional.

No primeiro andar de sua cobertura no bairro do Bacacheri, Renato mostra seu pequeno estúdio particular. Seu projeto pessoal mais importante atualmente é criar um canal no You Tube dedicado a proteção dos animais.

A luta pela defesa dos animais, aliás, foi sua principal bandeira durante a carreira política que incluiu um meio mandato como vereador (1996 – 1998) e outros como deputado estadual (1999 a 2006).

Ele conta que entrou na política atendendo a um pedido do ex-governador Álvaro Dias que ficou impressionado com as milhares de pessoas reunidas na rua XV de Novembro no lançamento de seu primeiro livro.

Sua principal contribuição legislativa é a lei do Código de Defesa dos Animais que estipula punição a quem pratica maus tratos aos bichinhos, entre outras providências. “A lei é boa, mas não basta uma lei para mudar a cabeça das pessoas”, disse.

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“Não me arrependo de ter entrado na política, nem de ter saído. Tudo é questão de vocação. A minha é o rádio”.

Gatos e rádios

A paixão, contudo, são os animais de quatro patas. Renato vive com quatro gatos e uma gata (Negão, Gabriel, Toninho, Barbicha e Penélope) e um cachorrinho que recolheu de um acidente na estrada e que depois de cirurgias se recupera em sua sacada.

Em um terreno na região metropolitana cuida de outros 30 todos recolhidos em situação de risco ou abandono.

Um dos hobbies de Renato Gaúcho é colecionar antiguidades. Pelos cômodos da casa se distribuem relógios carrilhão de parede, imagens, estátuas, bengalas, gramofones e alguns rádios antigos.

“Comprei alguns itens em antiquários e muita coisa nestes sites de compra. Precisei me forçar a parar, comprei coisa demais para o meu tamanho”, brinca.

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Foi num desses rádios, um Transglobe de ondas curtas que ainda adolescente, na periferia de Porto Alegre, conseguiu conhecer ícones do rádio paulista que o influenciaram no futuro como Gil Gomes (já falecido) e Eli Correia.

“Eu ouvia falar dos caras que faziam um rádio diferente, mais teatral, mas só consegui ouvir dez anos depois usando uma cordoalha de aço como antena. Naquele tempo não era fácil”, lembra.

Curso com Zé do Caixão

A vocação para ator já era reconhecida por todos e numa tarde em Porto Alegre no final dos anos 1970, Renato participou dos famosas aulas de interpretação de José Mujica Marins, o Zé do Caixão. Os métodos heterodoxos o influenciam até hoje. “Os grandes atores incorporam o personagem, a chamada fé cênica e de certa forma isso aconteceu comigo também”.

Para falar de amores difíceis, porém, Renato avalia que é preciso ter mais do que capacidade de interpretar: é preciso conhecer os “perrengues e alegrias” a que todos estamos sujeitos.

“Nas cartas eu tento traduzir o que as pessoas estão sentindo. Nem todos têm a capacidade de expressar e esse papel eu sei que faço bem. Desenvolvi a capacidade de intuir o caminho”, conta. “Ajuda também ter passados pelos maus bocados e neste sentido, pode ter certeza que eu passei por todos”, disse.

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