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Libertação da dupla acusada de roubar Escola Municipal Senador Enéas Faria revoltou os professores. | Google Maps/
Libertação da dupla acusada de roubar Escola Municipal Senador Enéas Faria revoltou os professores.| Foto: Google Maps/

Arrombada 12 vezes esse ano, a Escola Municipal Senador Enéas Faria é o retrato do medo no Cajuru, bairro de Curitiba que convive com uma onda de arrombamentos e furtos a escolas e creches municipais. Só em agosto, a escola foi alvo três vezes dos ladrões. E por pouco não foi mais uma vez: quarta-feira (30), por volta das 21h40, as professoras terminavam uma reunião quando foram avisadas por uma vizinha para que não saíssem porque mais uma vez ladrões haviam invadido a escola.

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Elas ficaram presas do lado de dentro e chamaram a Guarda Municipal. Segundo testemunhas, as duas mulheres que invadiram o colégio seriam as mesmas que foram soltas após uma prisão-relâmpago nessa semana. Elas fugiram antes dos guardas municipais chegarem.

Só no último final de semana, nove unidades educacionais do Cajuru foram alvos dos ladrões, que levam tudo o que encontram pela frente: computadores, merenda, equipamentos de som, botijões de gás e panelas. Até agosto, Curitiba registrou 816 ocorrências nas escolas municipais em 2017, aumento de 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 647 arrombamentos/furtos e 169 ocorrências de vandalismo.

“Eu não tenho mais respostas para dar aos pais”, afirma uma professora, que prefere não se identificar, sobre as constantes perguntas em relação à segurança dos alunos. “Todos estão revoltados”.

Além do desfalque nos equipamentos, o que prejudica o dia a dia em sala de aula, o medo faz com que vários professores não queiram mais trabalhar na escola. “Muitos estão com medo, vão pedir remoção no final do ano. E sabemos que outros professores não querem trabalhar aqui”, relata a professora.

Confira a entrevista

Como a escola lida com a violência?

A escola fecha na sexta-feira por volta das 17h, mas começamos a trabalhar antes disso para evitar que os casos se repitam. Colocamos todo o material em uma sala e fechamos tudo. Até mesmo o gás. Nessa semana não colocamos o gás porque ele tinha acabado de chegar e achamos que não iriam roubar pela terceira semana seguida. Mas dito e feito. Roubaram. Mas escondemos todos os materiais que, se furtados, vão prejudicar o pedagógico e o administrativo. Guardamos junto com a direção numa sala. Corremos até mesmo risco de acidente de trabalho por causa disso. Imagina a situação: nós, professoras, carregando um gás daquele tamanho (cilindro de 45kg) para dentro da escola.

Desespero: professores colocaram pregos nas janelas da Escola Enéas Faria para tentar barrar os ladrões.

Você tem medo?

Eu nunca tive medo, mas estou preocupada.

Como é a rotina dos professores?

Os professores estão bem revoltados. Todos na verdade estão revoltados, os pais também. Temos que tomar conta de toda essa situação em sala de aula, é um fato novo. Muitos estão com medo, vão pedir remoção no final do ano. E também sabemos que outros professores não querem trabalhar aqui.

E os familiares, o que têm falado?

Uma mãe me falou: “e se pulam e entram numa sala de aula? Se eles entram à noite por que não podem entrar de dia?” Eu não tenho essa resposta. Um pai que participa da Associação de Pais e Mestres me disse que a escola está tendo que usar dinheiro que deveria ir para a área pedagógica para repor material que foi roubado. Isso tem um reflexo no aluno, na aprendizagem. Além disso, a reposição demora muito, não tem o que fazer.

Por exemplo, um furto de 2015 ainda não foi reposto pela empresa que tem convênio com a prefeitura. A diretora já teve de comprar caixa de som, impressora, máquina fotográfica, amplificadores, ventiladores, notebooks, tudo com dinheiro do fundo rotativo. A direção sempre manda bilhete para as famílias, pede que a gente converse com os alunos. A direção pediu paciência quando a escola estava sem ventilador nesse verão, por exemplo. Eu não tenho mais respostas para dar aos pais.

Os professores já tiveram que agir por conta própria?

Nós já compramos cadeados. Cadeados cada vez mais grossos. Mas não adianta. E ainda não podemos colocar grades nas janelas e nas portas por dois motivos. Existem normas de evacuação em caso de incêndio e não podemos transformar a escola em uma prisão. A direção já tentou colocar câmera de segurança, aumentou a segurança do portão, que só abre com controle. As salas já têm ripas de madeira para prender as esquadrias, tem parafuso em diversas janelas de um corredor que eles costumavam entrar. Mas, por ser uma escola, tem a parte estética, não pode ser uma prisão.

Porta arrombada por ladrões na Escola Enéas Faria.

Nesta semana, quatro suspeitos foram presos e três foram liberados logo em seguida pela Justiça. Duas mulheres saíram debochando do 6.º Distrito Policial. Como você vê essa situação?

Eu achei incrível isso. É um absurdo. Nós até pensamos na escola que isso poderia provocar algum tipo de vingança. Falamos com a Guarda Municipal e eles garantiram que não é o perfil delas. Mas, falando por todas, o colegiado ficou possesso.

Algo foi recuperado?

O botijão de gás roubado no final de semana foi devolvido.

Os alunos falam sobre a violência?

Eles ficam sabendo antes dos professores. Eles avisam naturalmente. Claro que eles sabem de tudo o que está acontecendo o tempo todo. Mas eles falam disso mais com tristeza do que com preocupação.

O bairro dá medo?

Eu conheço alguns moradores. Eles também estão bem assustados em relação a tudo isso que está acontecendo. Lógico que tem um ou outro com envolvimento com alguma outra coisa. Mas eles perguntam se aconteceu de novo, se interessam pela escola. Os pais e os alunos são bem prestativos. Eles andam bem assustados.

No final do ano passado, a escola teve problemas bem emblemáticos com a violência. Como foi?

Tudo começou no dia 25 de dezembro, a própria Guarda Municipal entrou em contato. Invadiram a escola, mexeram nas salas, nos brinquedos, mas não chegaram a levar nada. No dia 26, entraram e roubaram ventiladores, televisores. Nesse dia entraram na sala da administração, derrubaram tudo, levaram o que tinha para ser levado. Só deixaram os papéis.

Ali por esses dias uma vizinha ligou à tarde para diretora falando que viu alguém dentro da escola passando as coisas pelo muro. A diretora chegou e o cara ainda estava dentro da escola. Ela ficou escondida até a Guarda Municipal chegar. Ele estava passando pelo portão uma televisão e um computador. Parece que nesse caso ele estava sozinho, mas o normal é que alguém fique com o celular do lado de fora informando a movimentação.

No fim do ano, eles fizeram festas, picharam as paredes e colocaram fogo nas cortinas. Eles entram muito na escola no recesso de dezembro. Mexem nos armários, nas bíblias, nos cadernos, nos jogos, bagunçam e vão embora. As primeiras vezes foram assim. Entrávamos na escola e a porta estava aberta, uma janela, salas mexidas, mas não levavam nada. Acho que viram como é fácil e depois virou esse caos.

Nos últimos meses, a Guarda Municipal aumentou a ronda na escola? Existe tocaia?

Eles reforçaram a fiscalização, mas sempre atendem quando chamamos. Mas tocaia não. Chegou a ter, em janeiro. O setor de inteligência da Guarda identificou a nossa escola como alvo fácil depois que levaram todos os computadores. Mas ficaram pouco tempo de campana dentro da escola.

A escola ainda teve um episódio triste com um guarda municipal nos últimos anos.

Foi na época em que o programa Comunidade Escola funcionava aos domingos. Hoje tem outro formato, aos sábados à tarde. Funcionava das 9h até às 17h. Naquele dia, depois do almoço, ele tirou o colete, já era um guarda idoso, ficou sentado ali na frente. Tínhamos guarda 24h por dia na escola nessa época. Uns caras tentaram tirar a arma dele, ele revidou, acabou tomando um tiro e morreu na hora. Tinha campeonato de bets nesse dia. Tivemos que tirar todos os alunos pelo portão dos fundos para não verem o corpo. Foi bem complicado.

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