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“Inovar é tomar iniciativa, não é adaptar-se à corrente em vigor. A gente inova quando assume, quando toma a iniciativa.”Marc Giget, fundador do Instituto Europeu de Estratégias Criativas e de Inovação. | Gilson Abreu/Divulgação
“Inovar é tomar iniciativa, não é adaptar-se à corrente em vigor. A gente inova quando assume, quando toma a iniciativa.”Marc Giget, fundador do Instituto Europeu de Estratégias Criativas e de Inovação.| Foto: Gilson Abreu/Divulgação

Entrevista com Marc Giget - Fundador do Instituto Europeu de Estratégias Criativas e de Inovação

Inovar é integrar conhecimento em algo criativo e útil para as pessoas. A definição do francês Marc Giget parece bastante simples, mas ele logo explica que satisfazer uma pessoa é o mais difícil neste processo – mais até que ser criativo ou desenvolver um produto com tecnologia de ponta. "Ajudar as pessoas idosas a se sentirem menos sós é mais complicado que descobrir o melhor microprocessador do mundo."

Especialista do Conservatório de Artes e Ofícios de Paris, fundador do Instituto Europeu de Estratégias Criativas e de Inovação e considerado o maior especialista no assunto na Europa, Giget diz que o Brasil ainda engatinha quando o assunto é inovação, mas garante que o país tem potencial para se tornar um gigante.

Na última quarta-feira, ele abriu o 3º Simpósio Senai de Inovação Tecnológica, em Curitiba. Na palestra, ele destacou que as empresas do país precisam vencer barreiras e apostar no novo. "As grandes barreiras estão relacionadas ao medo do novo, ao medo do risco. Por outro lado, ninguém pode mudar o tempo todo. Precisamos do equilíbrio." E entrevista à Gazeta do Povo, Marc Giget falou sobre o processo de inovação em todo o mundo e sobre o caso brasileiro.

Qual é a definição mais atual de inovação?

Em uma definição compacta, inovar é integrar o melhor estado do conhecimento em um produto ou serviço criativo, que vá mais longe na satisfação dos indivíduos. Então são três partes: conhecimento, criação e satisfação. Temos que integrar os conhecimentos, e se a gente não fizer isso outros vão fazer em nosso lugar. E aí a gente vai ficar atrasado em relação a países mais avançados. Em relação ao conhecimento científico, há 4 milhões e meio de artigos científicos novos e um milhão de novas patentes. Todos esses conhecimentos não se organizam sozinhos. Inovar é dizer que integramos isso numa coisa que tem sentido: um avião, um carro, uma ópera, um serviço, um software. É a mente humana que vai fazer isso. Mas tudo isso é feito com a integração de todos esses conhecimentos, transformando isso em alguma coisa com sentido. E só tem sentido se provocar satisfação na vida das pessoas.

E como fazer com que essa integração seja possível?

Esse é o papel das empresas. O principal lugar da inovação são as empresas. O pesquisador faz com que a pesquisa e a ciência avancem, isso é indispensável. Mas a inovação não tem a ver com invenção – ela é um fenômeno de laboratório. Por exemplo, o laser. Ele foi inventado em 1958. Mas 15 anos depois, num colóquio mundial sobre o laser em Paris, todo mundo ficou decepcionado. Foi necessário esperar mais 10 anos para que a tecnologia viesse a ser inserida em novos produtos, como disco laser e a impressora. O último telefone celular da Nokia, por exemplo, tem 850 patentes, e além disso tem muita inovação que não está relacionada a patentes. Imagina-se que há neste telefone 2 mil coisas novas, que vieram de vários laboratórios e pesquisadores. Inovação é um processo de síntese criativa.

Num mundo globalizado e extremamente competitivo, como se dá essa necessidade de inovação?

Se uma empresa não fizer alguma coisa que não é o melhor que se possa fazer, não vai ser vendido. A Apple, a Samsung, a Toyota, só vão ganhar mercado porque fizeram os melhores produtos. Fabricar barato é um conceito ultrapassado. Mas, apesar de difícil, relacionar tecnologia e conhecimento é mais fácil do que ir além no desejo dos indivíduos. Em média, dois terços dos novos produtos fracassam, não são vendidos, porque os cientistas não souberam ir longe na satisfação das pessoas. E as pessoas são muito complicadas. Na inovação, a gente não trabalha com ciências exatas. É preciso saber ouvir, ter valores humanos. Ajudar as pessoas idosas a se sentirem menos sós é mais complicado que descobrir o melhor microprocessador do mundo.

O Brasil é considerado um país em desenvolvimento, assim como a China. Mas é possível comparar o desenvolvimento de inovação no Brasil com o da China?

Os chineses inovam de maneira nacionalista. Eles querem que a China tenha o melhor foguete, o melhor carro, a melhor ópera. É uma revanche. A China foi humilhada por muitos anos, e agora ela tem que se tornar a melhor do mundo. Foi o país mais inovador durante 1.500 anos – eles inventaram tudo, não só a bússola e a pólvora. Mas, mais tarde, conheceram a humilhação real. Os europeus avançaram tecnologicamente e, como a China é um país isolado, ela não viu esse movimento ocorrer. E depois ela foi invadida como se não existisse, por franceses, alemães, ingleses. E aprendeu muito: nunca se pode estar atrasado cientificamente e tecnologicamente. Isso ficou na cabeça deles. Eles estão numa lógica de recuperação. É como na Olimpíada, que mobiliza as pessoas nacionalmente.

E o Brasil?

O Brasil não está nessa lógica. Cada um faz o que quer, quando e como quer. O Lula não pode dizer que aqui há uma revanche. Aqui se fala de desenvolvimento sustentável, de biodiversidade, mas para a China isso não é prioridade. A única maneira de ser potente é ser desenvolvido, e o Brasil não se desenvolve para ser uma potência.

Mas esse desenvolvimento de inovação e tecnologia na China se traduz em desenvolvimento e qualidade de vida para a população?

A China tem um desenvolvimento fenomenal de sua população. São 600 milhões de telefones celulares vendidos, e ninguém tem celular quando está na miséria total. A classe média é muito grande. Na África, todo mundo sonha em ser a China. A população rural do país é de 850 milhões de pessoas – mais que a África toda –, e em 30 anos o rendimento dessas pessoas foi multiplicado por 30. Os africanos só querem isso: ter a renda 30 vezes maior. Não é muito passar de 1 dólar por dia para 30 dólares por dia. Mas é a diferença entre miséria e pobreza, mas uma pobreza em que o filho vai para a aula, tem o que comer e vive melhor que seus pais. A gente diz que a cidade, na China, se desenvolve muito mais do que o campo. É verdade, na média, mas quando você analisa, o crescimento é de 13% a 14% em Xangai e Pequim, e de 7% a 8% no campo. Não há nenhuma área de campo pobre que conheça um desenvolvimento assim.

Mas então como o Brasil pode ser um país inovador?

Inovar é tomar iniciativa, não é adaptar-se à corrente em vigor. A gente inova quando assume, quando toma a iniciativa. O teatro municipal do Rio de Janeiro foi feito com base no ópera de Paris (Palácio Garnier). Foi uma cópia. Mas a Ópera de Arame de Curitiba é uma inovação, não tem nenhuma igual no mundo, nunca ninguém fez isso antes. O sistema de ônibus de Curitiba foi concebido aqui e foi copiado por outros lugares. É uma inovação brasileira que a gente vê em outros lugares. O Brasil tem a Havaiana, com a concepção brasileira de ser usada em todos os lugares. O país tem que entrar na fase em que venha a propor coisas. A competição se dá na capacidade de propor.

Então qual é o exemplo que o Brasil deve seguir? É o chinês, o americano, o europeu...?

É o exemplo do próprio Brasil. O país tem uma cultura de inovação. Na sua formação como um país moderno, isso está marcado na sua bandeira e na constituição. Ninguém ousou fazer algo como Brasília: criar uma capital começando do nada, no meio do mato, com uma arquitetura incrível. Não foi copiado de ninguém, não tinha modelo de referência. Não dá para dizer que foi feito depois de uma missão para algum lugar. Se você trabalha com arquitetura, você diz que o Brasil inova. Ele fez algo incrível. Há outros exemplos, como a usina hidrelétrica de Itaipu. Mas o "made in Brasil" está começando pouco a pouco. A combinação que temos aqui de culturas, de natureza, níveis de desenvolvimento, valores e educação, o mix da população, não é a mesma coisa que você tem na China.

Há uma crítica que se faz no Brasil de que a maioria da pesquisa é desenvolvida na universidade, mas não transpõe seus limites e não chega às empresas. Como você vê isso?

Isso não tem muita importância. Não sei quantas patentes o Brasil tem por ano, acho que 1% das patentes mundiais. Mas não há nada mais mundial que pesquisa. Todo mundo publica em revistas mundiais, e isso não pode ser nacional. O artigo científico vai ser distribuído de graça, a ciência é gratuita. Mas não é a tecnologia que vai fazer inovação. A tecnologia do Ipod é o mp3, é uma tecnologia alemã. Mas os alemães não se preocuparam em fazer o Ipod. Foi o pessoal da música que o criou. E o design é italiano. Mas quem o fez está totalmente inserido no mundo musical, mas não o dos alemães que ouvem fanfarra ou música clássica. Mesmo que a tecnologia tenha sido feita na Alemanha, isso não quer dizer que o Ipod é alemão. O que tem de interessante no Brasil é sua cultura, sua postura em relação ao progresso, o desenvolvimento sustentável, o aspecto multicultural, a abertura religiosa. São os reais Estados Unidos, sem pensamento dominante. E isso é o interessante no caso do Brasil.

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