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Desgastado pelo escândalo do roubo bilionário contra aposentados e pensionistas do INSS, e pela recusa em demitir o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta em uma nova “bondade” para reverter os baixos índices de aprovação de seu governo.
Ao saudar o Dia do Trabalho em cadeia nacional de rádio e televisão, Lula prometeu empenho para diminuir a jornada de trabalho no país. "Está na hora de dar esse passo", disse ele, sem fazer menção direta à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que estabelece uma jornada de trabalho de 4x3 – quatro dias de trabalho e três de descanso. Atualmente, a Constituição permite jornada 6x1, ou seja, até 8 horas diárias e 44 semanais, o que equivale a seis dias de trabalho e um dia de folga por semana. A maioria dos brasileiros, contudo, já trabalha no sistema 5x2.
“Nós vamos aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso. A chamada jornada 6x1. Está na hora de o Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou Lula.
"Sonho que não vai se realizar", diz Motta
A PEC que sugere a diminuição da jornada de trabalho no país está parada na Câmara dos Deputados há dois meses e enfrenta resistências. Inclusive do presidente da casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou durante o J. Safra Macro Day 2025, em São Paulo, que “não dá para ficar vendendo sonho, sabendo que esse sonho não vai se realizar”. “Eu acho que isso é uma falta de compromisso com o eleitor”, sublinhou, acrescentando que pretende tratar de assuntos polêmicos com cautela em ano pré-eleitoral.
"Eu penso que essa matéria deverá chegar para dialogarmos sobre ela nos próximos dias. E nós vamos dar o tratamento institucional que tem que ser dado a toda e qualquer matéria", afirmou Motta.
A mais recente proposta sobre a redução da jornada foi apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), mas outros projetos semelhantes já tramitavam no Congresso anteriormente. Dentro do “pacote de bondades” do governo Lula para tentar estancar a perda acentuada de popularidade, estão ainda a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e a redução do preço dos alimentos, por meio de medidas intervencionistas.
Para maioria dos trabalhadores, jornada é de 5x2
A jornada 4x3 é vista, contudo, como inviável na conjuntura atual dentro do próprio Partido dos Trabalhadores. Uma outra proposta intermediária seria apensar o texto ao projeto do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Segundo a proposta de Lopes, a escala 4x3 seria atingida somente daqui a dez anos.
"Para 89% dos trabalhadores a escala já é 5x2. Apenas para 11% dos trabalhadores, que é um contingente de dezenas de milhões de pessoas e que ganham a menor renda per capita, é que temos a escala 6x1. Não há possibilidade de crescimento econômico, de políticas sociais e políticas públicas sem colocar mais dinheiro no bolso do ‘andar de baixo’", defendeu Lopes.
Por seu lado, a autora da PEC da jornada 6x1, deputada Erika Hilton (PSOL-SP), admitiu que se houver a aprovação da jornada 5x2 para todos os brasileiros, já seria uma vitória. “A gente deixa uma gordura para que possa ser trabalhada. Se a proposta chega exatamente da maneira como a gente imagina que seria viável, a gente não tem espaço de negociação. Se conseguirmos a 5×2, para nós já vai ser um grande avanço”, disse Hilton, em entrevista à CNN Brasil.
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Sem aumento de produtividade, redução da jornada de trabalho traria prejuízos
Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia (FEA-USP) e coordenador do Salariômetro da Fipe, diz que a PEC ignora a realidade. “Ela menospreza a negociação coletiva, que leva em conta as necessidades de ambos os lados, trabalhadores e empresas”.
Zylberstajn falou à jornalista Rose Amantéa, da Gazeta do Povo, quando o projeto ainda não havia sido protocolado. Ele disse que o populismo está em ignorar o aspecto principal para a negociação, que é a produtividade. "Os trabalhadores querem trabalhar menos e as empresas resistem a aceitar menos trabalho pelo mesmo preço", afirma o economista. “Deve haver uma conciliação de interesses entre patrões e empregados", salienta.
Para isso, primeiro deve-se resolver a equação da produtividade. Se isso não acontecer, no entanto, os resultados vão penalizar o trabalhador e a sociedade. “O problema é que quando você reduz a jornada, os trabalhadores não aceitam uma redução do salário proporcional”, diz Zylberstajn. “Eles querem manter o salário e reduzir a jornada. Isso significa que a hora de trabalho ficou mais cara, embora o salário mensal fique igual”.
Na prática, significa que o empregador estará pagando mais por menos produção. “As grandes empresas poderão até compensar esta redução com modernização e tecnologia para aumentar a produtividade”, diz o economista. "Mas as pequenas e médias, que têm baixa margem de lucro, terão muita dificuldade de adaptação", explica.