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Rischbieter: amante da literatura e da pintura, defensor da democracia em tempos de chumbo | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Rischbieter: amante da literatura e da pintura, defensor da democracia em tempos de chumbo| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Homenagens

"Rischbieter foi de uma geração que marcou muito pela vanguarda, pelo compromisso com o país, e uma das primeiras lideranças do Paraná com projeção nacional. Ele teve uma trajetória bonita e de relevância pro estado. Ele foi ousado. E isso deve ser destacado até como incentivo às novas gerações."

Gustavo Fruet, prefeito de Curitiba

"Rischbieter foi um dos homens públicos mais importantes na recente história do Paraná. Deixa um legado imensurável pela sua clareza intelectual e contribuiu de forma marcante em várias áreas de atuação. Uma perda irreparável ao Paraná e ao Brasil."

Beto Richa, governador do Paraná

"Ele fez parte do novo Paraná que a gente viveu a partir do governo Ney Braga. Um cara do mundo, que falava francês e inglês fluentemente, traduziu o [poeta alemão] Rilke, o que não é para qualquer um. De uma fidalguia explêndida, e uma simplicidade enorme, um homem que soube exercer a compaixão no poder."

Marcelo Almeida, deputado, enteado de Karlos Rischbieter

"Ele foi uma grande inspiração para a minha vida, um grande homem público. Foi um grande marido para a minha mãe, e trouxe anos de felicidade para a nossa família. É dessa leva dos homens públicos honestos, patriotas, que deixará saudades para o Brasil. Gente que faz e não fica alardeando seus feitos."

Ricardo Almeida, empresário, enteado de Karlos Rischbieter

"Ele tinha uma série de características que foram responsáveis por seu sucesso. Um homem extremamente inteligente, correto, muito leal aos que apoiavam. Era um bom ouvinte, muito paciente, o que explica porque ele foi considerado um dos melhores presidentes do Banco do Brasil mesmo sem ser um especialista em questões bancárias. Também era muito discreto, low profile, avesso à badalação. Tentaram com que ele se candidatasse a cargos públicos, e ele sempre recusou, porque era um homem de execução. Gostava de citar o [economista] Roberto Campos, dizendo que lhe faltavam qualidades cênicas."

José Pio Martins, reitor da Universidade Positivo

"Karlos Rischbieter foi um homem que honrou o Paraná, com participação importante na economia do estado e do país. Participou de toda a reformulação do planejamento do estado durante o governo do Ney Braga. Um homem coerente e competente que se dedicou ao serviço público."

Euclides Scalco, ex-presidente de Itaipu e ex-ministro

"Uma das pessoas mais extraordinárias que já conheci, como profissional e ser humano. Mantivemos uma ligação muito estreita, em especial no governo federal, quando fazíamos parte do grupo que, conforme diziam na época, dominava as finanças do Brasil. Ele era presidente do Banco do Brasil, eu, ministro da Previdência, e o Maurício Schulman, presidente do BNH [Banco Nacional da Habitação]. O Rischbieter gostava de viajar, de ler, era muito intelectualizado, refinado. Em certos aspectos, era o típico alemão, reservado. Mas com os amigos era extremamente aberto."

Reinhold Stephanes, secretário de Estado da Casa Civil

"Acompanhei bem a vida dele. Foi um dos paranaenses que mais se projetou na vida política contemporânea. Ocupou vários cargos importantes e agiu durante o regime revolucionário com absoluto respeito à democracia. Eu mesmo recebi apoio dele contra a perseguição política na época do regime militar. O melhor deles foi o depoimento sobre a minha idoneidade para o general Euclides Figueiredo. Respeito muito a sua memória. Ele foi um dos homens de maior projeção no seu tempo."

Paulo Pimentel, ex-governador do Paraná

"Éramos muito amigos e fomos contemporâneos na política. Ele assumiu a presidência do Badep durante o meu governo. Foi um grande incentivador da indústria e ajudou a atrair vários investimentos para a Cidade Industrial de Curitiba, como a fábrica da Bosch. Era um grande engenheiro, um grande técnico."

Emílio Gomes, ex-governador do Paraná

"Tive o prazer de conhecê-lo lá pelos anos 70, quando ele era presidente do Badep, antes de ter projeção nacional como ministro. Ele era daqueles brasileiros com marcante importância na vida nacional. O período político em que foi ministro pode ser meio questionável, mas a competência dele é impressionante e ele sempre foi um exemplo de cidadão. Aliás, difícil encontrar cidadão desse porte hoje em dia. Curitiba, o Sul e todo o Brasil lamentamos essa perda."

Judas Tadeu Grassi Mendes, economista e diretor da Estação Business School

"Karlos Rischbieter foi fundamental para que a Volvo instalasse uma fábrica aqui em Curitiba. E como membro do conselho administrativo da empresa, durante muitos anos, teve uma atuação efetiva para o desenvolvimento dos negócios da companhia no país e para que a Volvo se transformasse no que é hoje. Lembramos com muito carinho a forma como ele sempre defendeu a empresa."

Carlos Morassutti, vice-presidente de RH e Assuntos Corporativos da Volvo

"A palavra-chave que o define é estrategista. Tinha um perfil único, que reunia ao mesmo tempo conhecimento minucioso da realidade local, dos problemas do estado, e conhecimento sobre o caminho das pedras no governo federal. Também tinha o traquejo, como um diplomata, para transitar e dialogar com correntes antagônicas nos meios políticos."

Gilmar Mendes Lourenço, diretor-presidente do Ipardes

Serviço

O velório ocorre a partir das 8 horas na Capela Vaticano, no bairro São Francisco, em Curitiba. O corpo será cremado no fim da tarde.

O Brasil perdeu uma figura rara, um desses homens públicos honestos e competentes que gostam de trabalhar sem fazer barulho. Morreu ontem, aos 85 anos, o engenheiro Karlos Heinz Rischbieter, ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal e figura central no desenvolvimento do Paraná dos anos 1960 e 1970.

"Karlos com K", como gostava de se apresentar, sofria de enfisema pulmonar e estava internado desde o fim da manhã na UTI do Hospital Santa Cruz, onde morreu às 16h25. O governador Beto Richa e o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, decretaram luto oficial de três dias.

Rischbieter deixa a segunda mulher, Rosita Beltrão; os filhos Monica e Luca, do primeiro casamento, com a urbanista Francisca Garfunkel; e 22 netos – os dois dele e os 20 de Rosita, que amava como se fossem seus.

Nascido em Blumenau (SC) em 1927, Rischbieter passou grande parte da vida em Curitiba. Pouco depois de entrar para o setor público, caiu nas graças do governador Ney Braga, o que lhe permitiu ser um dos idealizadores e executores do projeto paranaense de desenvolvimento das décadas de 1960 e 1970, à frente da Codepar e do Badep.

Postos-chave

"Ele participou da concepção das ideias que nortearam os investimentos em infraestrutura, em áreas como energia, transporte, comunicações e rede de armazenagem da produção agrícola", diz Gilmar Mendes Lourenço, presidente do Ipardes.

Durante o regime militar, Rischbieter ocupou postos-chave do governo federal. Foi um dos "paranaenses" que, no fim dos anos 1970, dominaram boa parte das finanças do país – presidiu bancos estatais e comandou o Ministério da Fazenda quase na mesma época em que Maurício Schulman foi presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH) e Reinhold Stephanes, ministro da Previdência Social.

Fazendo articulações no Paraná e em Brasília, Rischbieter foi um dos responsáveis pelo sucesso da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), para onde ajudou a atrair empresas como a Bosch e a Volvo, além de ter sido fundamental para levar a refinaria da Petrobras para Araucária.

Viajante

Depois que deixou a vida pública, se entregou à arte. Dedicou-se à pintura, juntando o que aprendeu com o sogro – o pintor francês Paul Garfunkel – com os anos de prática de rabiscos durante reuniões. Foi também um dos principais tradutores brasileiros da obra do poeta alemão Rainer Maria Rilke, e publicou três livros, um deles uma coleção de aquarelas.

Na aposentadoria, também pôs em prática o gosto pela estrada que dizia ter herdado do pai. Com Rosita, chegou a fazer 36 viagens em um período de 12 anos. Em uma entrevista à Gazeta do Povo, contou que tinha a certeza de que ninguém compraria sua autobiografia, mas que a escreveu para se divertir. "Tive uma vida muito boa", explicou.

Idealista sincero

Marleth Silva

Quando Karlos Rischbieter era ministro da Fazenda, de tempos em tempos apareciam cartas na imprensa nacional de leitores implicando com o nome dele, tão germânico. A origem da família Rischbieter teve um papel decisivo na vida do engenheiro que queria ser artista. É com o episódio da prisão do pai pela polícia de Getúlio Vargas, em 1942, que ele abriu sua autobiografia. Tinha 15 anos e acompanhou a mãe na batalha de dois meses para tirar o pai da cadeia. A acusação: suas filhas tinham se casado com alemães.

Em Fragmentos de Memória (Travessa dos Editores, 2007), Rischbieter conta sobre os tempos de estudante em Curitiba, em que morava em pensões e trabalhava para se sustentar. Em um curso de extensão em arquitetura e urbanismo conheceu Francisca Garfunkel, com quem se casou em 1959. Fanchete, como era chamada, era filha dos franceses Hélène e Paul Garfunkel, ela a professora que trouxe a Aliança Francesa para Cu­ritiba, ele um pintor impressionista.

O universo da cultura não lhe era estranho. Li­gado à música e à literatura, Rischbieter desenvolveu o gosto pelas artes ao longo da vida. Conta nas memórias que sempre leu poetas alemães. Foi natural, portanto, que se animasse a traduzir os poemas de Rainer Maria Rilke. Também foi natural o interesse pela pintura – fazia aquarelas. Em entrevista à Gazeta do Povo em 2011, quando lançou Outonal, um guia de viagem muito pessoal, ele resumiu: "Eu me interessava mesmo era pela arte".

A carreira de engenheiro de obras de Rischbieter o levou ao norte do Paraná. Das pequenas cidades da terra ro­xa partiu para Paris, com uma bolsa de estudos. A volta a Curitiba colocou-o novamente em empregos precá­rios. Ele viu a possibilidade de fazer uma atividade mais estruturada no serviço públi­co. Foi então trabalhar na Co­de­par (Companhia de De­senvolvimento do Paraná), a agência de fomento do estado. Segundo um relato das memórias, nesta época Rischbieter colocou como condição para um empréstimo pedido pelo então prefeito Ivo Arzua a elaboração de um plano que comprovasse a validade dos projetos. Teria saído daí o segundo Plano Diretor da capital.

Na sequência, Rischbieter trabalhou no Instituto Bra­sileiro do Café (IBC) e no Ba­dep. Indicado por Ney Braga, assumiu a presidência da Cai­xa Econômica Federal e, anos mais tarde, do Banco do Brasil, de onde saiu para assumir o ministério da Fazenda no Governo do general João Baptista Figueiredo. Na apresentação de Fragmentos de Me­mória, o jornalista Mino Carta relata um caso ocorrido em 1980. Rischbieter estava deixando o ministério (segundo contou, por ver o agravamento das contas externas e a dificuldade para convencer o presidente a agir). Procurou Carta para pedir que o apresentasse a Lula, então presidente do sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que emergia como liderança ao mesmo tempo que enfrentava dificuldades com o governo militar. O encontro se deu em São Paulo, na casa de Mino, que relata: "Falaram de tudo, abertamente, sem peias e com a leveza dos homens de boa vontade, despediram-se, horas após, com a cordialidade da simpatia mútua. No dia seguinte, Lula telefonou para comentar: ‘Cara muito legal este seu amigo Karlos, um idealista sincero’".

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