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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: maioria das apostas é de queda na taxa Selic nesta quarta (2); dúvida é sobre tamanho do corte.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: maioria das apostas é de queda na taxa Selic nesta quarta (2); dúvida é sobre tamanho do corte.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A bola está dividida. As apostas são de que, após meses de pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Banco Central tende a iniciar a queda da taxa básica de juros (Selic) nesta quarta (2). A dúvida é sobre o tamanho do corte.

De um lado, o mercado financeiro e o governo esperam uma queda mais significativa, de pelo menos 0,5 ponto percentual. De outro, economistas de casas de análise projetam em sua maioria uma redução mais comedida da Selic, de 0,25 ponto percentual. Apenas uma pequena minoria acredita que o Banco Central vá manter os juros em 13,75% ao ano.

“Há mais vantagens em um processo mais lento”, diz o economista-sênior do Julius Baer Family Office (JBFO), Gabriel Fongaro. “O BC não começa passando uma mensagem incerta”.

É certo que o espaço para o corte de juros está aberto. O processo de desinflação está em curso. O IPCA-15, por exemplo, recuou 0,07% em julho, baixando a 3,14% no acumulado de 12 meses.

As expectativas do mercado para a inflação, observadas de perto pelos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom), também melhoraram desde a reunião anterior, em 20 e 21 de junho. A projeção mediana para o IPCA de 2023 baixou de 5,12% para 4,84%. Para 2024, a estimativa foi de 4% para 3,89%. E, para 2025 e 2026, de 3,8% para 3,5%.

Outro fator que ajuda é o desaquecimento da atividade econômica. O monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) caiu 3% em maio frente a abril, após redução de 1,2% no mês anterior. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), por sua vez, baixou 2% em maio, após alta de 0,81% em abril.

Mercado financeiro e governo apostam mais em corte de 0,5 ponto na Selic

O mercado financeiro se mostra dividido. Em 20 de julho, os contratos de opções do Copom na B3 (a bolsa de valores brasileira) indicavam que a probabilidade de um corte de 0,25 ponto percentual na Selic era de 56,5%, contra 36% para uma redução de 0,5 ponto percentual e 5,5% para manutenção. O restante se referia a posições mais agressivas, como baixas de 0,75 ou 1 ponto percentual.

Quatro dias depois, o cenário virou. A probabilidade de um corte de 0,25 ponto caiu para 45,5% e a de 0,5 ponto passou para 47%. A possibilidade de manutenção encolheu para 3%.

Na sexta-feira (29), as expectativas de queda de 0,5 ponto percentual subiram para 53%, enquanto as de redução de 0,25 ponto tiveram nova queda, passando para 43,58%. As probabilidades restantes se referem a possibilidades de corte maior ou à manutenção da Selic no atual patamar.

Indicadores de atividade econômica mais fraca e de uma inflação mais comedida ajudaram na mudança das expectativas. “Itens importantes para o orçamento doméstico, como alimentos, energia e serviços vêm pressionando menos as contas domésticas”, diz o coordenador de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), André Braz.

Uma pressão para um corte mais acentuado vem do governo Lula. As cargas novamente se voltaram contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Além das tradicionais cobranças incisivas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse, na quinta, que o Senado pode chamar um “psiquiatra” se Roberto Campos Neto não baixar a taxa.

O secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, um dos principais auxiliares do ministro Fernando Haddad, afirmou que uma queda de 0,5 ponto percentual seria justificada por dados recentes de inflação, mercado de trabalho e atividade econômica.

Uma possibilidade é de que o tradicional consenso do Copom seja rompido. Segundo levantamento do banco Inter, em 85% das 213 reuniões realizadas desde a implementação do regime de metas de inflação, em 1999, não houve divergências entre os integrantes do grupo.

A última vez que houve um voto destoante foi em setembro do ano passado, quando um dos diretores defendeu a elevação da taxa Selic para 14% ao ano. Na ocasião, a taxa ficou mantida em 13,75%.

Uma das expectativas da ruptura desse consenso vem com a estreia dos dois nomes indicados recentemente por Lula. Gabriel Galípolo, ex-secretário-executivo (o "número dois") do Ministério da Fazenda, assumiu a estratégica pasta da política monetária. Ailton de Aquino, funcionário de carreira do BC, vai comandar a área de supervisão.

Fongaro está preocupado com uma posição mais política de Galípolo, que afirmou, na sabatina no Senado, que a política monetária precisa estar mais alinhada com a política econômica do governo eleito. “A técnica tem de prevalecer sobre a política”, diz o economista da JBFO.

Casas de análise esperam postura mais cautelosa do BC e corte menor da Selic

Se no mercado de opções da B3 e no governo crescem as expectativas de um corte mais profundo na Selic, economistas de casas de análise são mais cautelosos. A maioria espera redução de 0,25 ponto percentual na Selic.

Um dos que esperam uma redução mais parcimoniosa é Braz, do Ibre/FGV. Ele aponta que uma queda de menor magnitude abriria espaço para cortes maiores nas reuniões seguintes.

A economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória, também vai nessa linha. “Apesar da evolução do cenário desde a última reunião permitir um corte inicial na Selic de meio ponto percentual, o comunicado anterior do Copom indica que o início do ciclo será feito com parcimônia, ou seja, 0,25 ponto percentual", diz.

O Itaú também sinaliza para uma redução mais contida, dada a dinâmica dos núcleos e expectativas da inflação ainda acima da meta, a resiliência da atividade econômica e o mercado de trabalho apertado, apesar de a curva de juros de mercado contemplar a possibilidade de um movimento mais intenso. “Cabe ao BC guiar o mercado e não vice-versa”, frisa relatório do banco.

O Bradesco aponta que o comportamento da inflação de serviços sugere alguma cautela neste início de ciclo de corte de juros. Para o banco, o comportamento melhor da inflação ao produtor, a valorização cambial, a desinflação do IPCA e os sinais iniciais de desaceleração da atividade econômica devem levar a um corte de 0,25 ponto percentual.

O ambiente externo benigno também contribui para um cenário de corte de juros, destaca a XP Investimentos. “A economia mundial está se equilibrando após a pandemia, o que significa que as taxas de juros estão se aproximando do pico e os preços das commodities devem se estabilizar adiante. O fluxo do mercado de capitais para mercados emergentes aumentou, ajudando o real a se valorizar cerca de 10% ao ano”, afirmam os estrategistas Andrés Pardo e Marco Oviedo e o economista Francisco Nobre.

Um ponto positivo, apontam eles, está relacionada a ideias que o governo não levou adiante – e que poderiam piorar o cenário, caso executadas. “As reformas estruturais aprovadas nos últimos anos não foram revogadas. O BC continua independente. O Conselho Monetário Nacional não elevou a meta da inflação. A política parafiscal, principalmente o crédito subsidiado do BNDES, continua limitado”, destacam em relatório.

“Ao longo dos últimos meses, algumas incertezas foram dissipadas e a inflação deu sinais de arrefecimento. Atualmente, o cenário é benigno para uma mudança na política monetária”, afirma o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.

Mas há quem trabalhe com o cenário de uma postura mais agressiva do Copom, com queda de meio ponto percentual na taxa Selic. É o caso de Alexandre Mathias, CEO da Kilima Asset. Segundo ele, há uma redução de riscos inflacionários, o que facilita as reduções no juro: "A atividade segue com tendência de desaceleração, deixando para trás o forte desempenho do setor agropecuário no primeiro trimestre".

Em um levantamento feito pelo jornal "Valor" com 128 instituições financeiras e consultorias, 82 (64,6%) projetam corte de 0,25 ponto e 44 casas (34,6%) acreditam em baixa de 0,5. Apenas duas esperam decisão diferente.

Apesar de provável início da queda da Selic, sinais de alerta sobre a inflação persistem

Apesar do momento mais favorável, o cenário também inspira cuidados. Segundo o economista-chefe do Rabobank para a América do Sul, Maurício Une, há alguns ventos contrários que não ajudam tanto:

  • os preços dos combustíveis já começam a incorporar a reoneração de PIS/Cofins;
  • lá fora, o preço do barril do petróleo parou de cair e tomou rumo oposto;
  • os preços dos alimentos tendem a ficar sazonalmente mais caros até o fim do ano; e
  • altas temperaturas no Hemisfério Norte e o El Niño podem trazer riscos de maiores altas nos preços ou de energia mais cara no fim do ano.

Fongaro, da JBFO, também destaca a questão fiscal: “A trajetória da dívida pública, os gastos públicos e o aumento de arrecadação são ainda incógnitas significativas. Quanto maior for a velocidade do ajuste fiscal, menor será a taxa Selic ao final do ciclo de corte de juros”. Ele projeta que isso ocorra em agosto do ano que vem, com a taxa a 9% ao ano.

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