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São Paulo enfrentou congestionamento recorde: modelo esgotado | Paulo Whitaker/Reuters
São Paulo enfrentou congestionamento recorde: modelo esgotado| Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Na manhã de sexta-feira (1º), foram divulgados dados mostrando que a economia brasileira cresceu apenas 0,2% de janeiro a março, marcando o terceiro trimestre consecutivo de estagnação -um choque para um país cuja economia recentemente vivia um boom.

Mais tarde no mesmo dia, São Paulo foi posta de joelhos pelo que autoridades municipais descreveram como o pior engarrafamento de todos os tempos, com mais de 295 quilômetros de ruas cheias de veículos na capital empresarial do país, e passageiros furiosos porque levaram mais de quatro horas para chegar em suas casas.

O simbolismo é inevitável: o Brasil tem feito um excelente trabalho na construção e venda de carros nos últimos anos, mas não em erguer infraestrutura suficiente para acomodá-los. Da mesma forma, a economia como um todo tem dependido muito de incentivos sobre a demanda de consumidores, e não o suficiente do aumento da demanda por meio de investimento, resultando em gargalos terríveis que deixaram o Brasil em um impasse.

Alguns dos principais executivos do Brasil, falando no Reuters Latin American Investment Summit na semana passada, disseram que o modelo centrado na demanda provavelmente já não é mais válido. Na visão deles, para que o Brasil supere as atuais taxas de crescimento abaixo de 3% ao ano, o governo da presidente Dilma Rousseff terá que tomar medidas mais ousadas -e mais difíceis- para melhorar a infraestrutura e criar um melhor clima para investimento.

"Aquilo que é simples já foi feito", disse o presidente-executivo da Embraer, maior fabricante mundial de aeronaves regionais, Frederico Curado.

"O crédito não vai estimular a economia como estimulou anos atrás. Não tem jeito. Tem um certo limite", disse Curado. "O Brasil tem muito espaço no mercado doméstico, mas só consumo não dá: tem que ter investimento, tem que investir mais, inclusive na indústria."

Novamente, o exemplo dos carros é instrutivo. Um boom no crédito ao consumo e a ascensão de 30 milhões de brasileiros à classe média na última década fizeram com que as vendas de veículos tenham quase dobrado nos últimos cinco anos. Em São Paulo, mais de 900 automóveis novos chegam às ruas todos os dias.

No entanto, até agora em 2012, as vendas de carros e comerciais leves caíram 4,4% em comparação igual etapa do ano passado. Isso acontece mesmo com ventos positivos, tais como baixo desemprego, elevada confiança do consumidor e vários programas de estímulo aprovados pelo governo de Dilma voltados especificamente ao estímulo de compra de automóveis.

A desaceleração das vendas sugere, então, que muitos brasileiros ou não podem se dar ao luxo de tomar mais empréstimos -ou que, por razões logísticas, incluindo a piora do trânsito em várias grandes cidades, a aquisição de um novo carro simplesmente não faz sentido.

Executivos de outras indústrias citam o mesmo padrão. "O grande desafio é entender o que está acontecendo, porque os fatores positivos para o consumo estão aí, mas a conjuntura de fatores extremamente positiva não está se refletindo no consumo", disse o vice-presidente executivo do Grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem, durante o Summit.

Ele também sinalizou que os consumidores brasileiros -e a economia brasileira- simplesmente já deram o máximo possível de si.

"Será que vamos chegar ao equilíbrio entre poupança interna e consumo? E pode ser esse o fator que estaria drenando um pouco os recursos hoje? As pessoas resolveram acertar a vida (pagar dívidas) para poder voltar a consumir?", indagou.

Um crescente corpo de evidências sugere que a resposta para todas essas perguntas seja "sim".

Motor do crescimento

Olhando para a economia de modo geral, a inadimplência dos consumidores subiu em abril para o maior nível desde novembro de 2009, no meio da crise global. O jornal O Estado de São Paulo publicou no domingo que as dívidas das famílias equivalem agora a 42% da renda, disponível ante 20% em 2005.

Executivos entrevistados durante o Summit disseram que não há motivo para pânico -eles não vêem uma bolha de crédito prestes a estourar. Mas concordaram que algo mais deve substituir o crédito para impulsionar a economia.

"A tendência de crescimento para o crédito diminuiu. É absolutamente natural, normal e saudável ", disse o ex-presidente do Banco Central entre 2003 e 2010 e agora chairman do Conselho da holding J&F, que controla o frigorífico JBS, Henrique Meirelles.

Meirelles disse que o Brasil já espremeu todos os benefícios a partir do que ele chamou de "bônus demográfico perverso" -milhões de jovens brasileiros que encontraram empregos numa economia em expansão em que o desemprego caiu para 6% ante 13% em 2003.

"Agora, o nome do desafio é a produtividade. Estamos falando de infraestrutura, treinamento a estrutura tributária, tanto em nível global e de eficiência e educação", disse Meirelles.

No entanto, o pêndulo está balançando na direção errada. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) -uma medida de investimento- recuou 1,8% no trimestre passado, ante o quarto trimestre de 2011, segundo o IBGE, a menor variação trimestral desde o primeiro trimestre de 2009.

A taxa de investimento em relação ao PIB ficou em 18,7%, a mais baixa no grupo Brics de mercados emergentes, que inclui ainda Rússia, Índia, China e África do Sul.

Muitos economistas disseram que a tendência de baixa do investimento, mais do que qualquer outro fator isolado, levou-os a reduzir suas previsões de crescimento após os dados do primeiro trimestre terem sido revelados.

A mediana das previsões na enquete semanal colhida pelo Banco Central junto a economistas do mercado, divulgada nesta segunda-feira, aponta para alta de apenas 2,72% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2012, contra projeção de 2,99% na semana passada.

Se a nova previsão estiver correta, isso significa repetir o desempenho de crescimento do Brasil em 2011, quando o PIB se expandiu somente 2,7% -muito longe da tórrida expansão de 7,5% em 2010 que transformou o Brasil em um favorito de investidores.

Ministros falando também no Summit reconheceram que a desaceleração foi mais acentuada do que o esperado, mas disseram que estão sendo tomadas as medidas necessárias.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a desindustrialização é o maior problema do Brasil, e culpou principalmente a aversão ao risco causada pela crise da zona do euro.

Ele expressou confiança de que uma onda de incentivos fiscais recentes -inclusive para a indústria automobilística- e declínios recentes na moeda brasileira e das taxas de juros seriam suficientes para estimular o consumo e o investimento.

"Nós precisamos ter um pouco de paciência porque a economia não é um automóvel que você gira a direção, ele vira para esquerda, vira a direção, freia. É mais como um transatlântico de grande porte, você acelera e demora mais para alcançar a velocidade de cruzeiro", afirmou Mantega.

Mercado externo

No entanto, mesmo se a crise na Europa for momentânea -algo que muitos duvidam-, executivos entrevistados no Summit disseram que mudanças maiores provavelmente são necessárias para trazer o Brasil de volta para seus dias de glória.

A persistente pressão inflacionária decorrente dos graves gargalos de infraestrutura vai limitar o espaço do Banco Central para cortes adicionais nos juros, disseram. E entrevistados em geral minimizaram o efeito da depreciação do real de 16% ante o dólar desde março, afirmando que o câmbio ajuda, mas não altera radicalmente a situação.

Isso se dá em parte porque as exportações desempenham um papel surpreendentemente pequeno na economia do Brasil. Apesar de sua reputação mundial como um gigante de commodities, o comércio representa, na verdade, apenas um quarto do PIB, fazendo do Brasil a economia mais fechada no hemisfério ocidental, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Consequentemente, o impulso para o crescimento deve provavelmente vir de dentro. A ideia mais frequentemente citada por executivos no Summit foi uma abrangente reforma tributária do Brasil -cujo sistema de impostos é classificado pelo Banco Mundial como, de longe, o mais complexo do mundo-, o que abriria espaço para investimento.

Mas integrantes da equipe econômica de Dilma têm dito que uma ampla reforma tributária não é politicamente viável -uma realidade da qual executivos com conexões em Brasília estão plenamente conscientes.

"É um processo muito complexo, há uma tentativa de anos para reformar", afirmou o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa. "Aqueles que podem ser beneficiados me parecem que não acreditam no projeto e os que são prejudicados ficam contra, então fica difícil de andar."

Na ausência de mudanças ambiciosas, poucos executivos pareciam esperar muita melhoria na economia daqui em diante.

O presidente-executivo do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, disse que o Brasil tem "plenas condições de crescer 4% ao ano", mas também reconheceu que o país "não está tão atrativo como em outros momentos".

O ex-presidente do Banco Central e um dos fundadores da gestora Rio Bravo Investimentos, Gustavo Franco, citou também o crescimento de 4% como um possível novo teto.

"Há uma sensação de que talvez o modelo de crescimento não se esgotou, mas está cansado, pelo menos no sentido de um modelo de crescimento baseado em baixas taxas de investimento e de consumo elevado", disse ele.

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