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Prédio do BNDES, no Rio: Tesouro vem fazendo sucessivas capitalizações no banco | Divulgação
Prédio do BNDES, no Rio: Tesouro vem fazendo sucessivas capitalizações no banco| Foto: Divulgação

Análise

Manobra coloca em risco reputação do governo, diz economista

Para o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, há uma clara correlação entre o aumento dos créditos do Tesouro junto ao BNDES e a aceleração do fluxo de dividendos pagos à União. Ele destaca que esse movimento mostra uma política fiscal expansionista que estaria sendo disfarçada com manobras, o que coloca em risco a credibilidade do país.

A preocupação em garantir que as receitas de dividendos continuem irrigando os cofres públicos fez o governo editar, no fim do mês passado, um decreto alterando o estatuto social do BNDES para que o banco não tenha mais que compor reservas antes de repassar lucros à União. A medida foi apontada pelos analistas como mais uma das manobras fiscais que o governo vem fazendo para atingir o superávit primário de 2,3% do PIB prometido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega para 2013.

Segundo o Tesouro, o decreto não altera a previsão para o pagamento de dividendos deste ano, de R$ 24 bilhões. No entanto, os analistas afirmam que isso só está ocorrendo porque a equipe econômica do governo retirou quase toda a reserva do banco e precisa garantir que o lucro de agora em diante possa ser convertido em dividendos em momentos de urgência. "Não importa se o governo anuncia um superávit primário de 2,3% do PIB ou de zero por cento do PIB, já sabemos que qualquer número oficial terá de passar por "pente fino" antes de ser analisado", alerta Salto.

O forte impacto das desonerações e do baixo crescimento da economia na arrecadação de impostos, de um lado; e o aumento dos gastos, de outro, estão tornando o governo cada vez mais dependente de dividendos pagos por estatais para fechar suas contas. De 2007 a 2012, o montante dessas receitas quadruplicou, subindo de R$ 6,9 bilhões, ou 0,26% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) para nada menos que R$ 28 bilhões (0,64% do PIB). Com isso, a participação dos dividendos no superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do governo central (que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) saltou de 11,74% para 32,6% no período.

A estratégia da equipe econômica tem sido retirar o máximo possível das estatais, especialmente do BNDES. De 2007 a 2012, o banco elevou seu pagamento de dividendos de R$ 923,6 milhões para R$ 12,9 bilhões. O problema é que, quando quase todo o lucro de um banco público é convertido em receitas primárias, existe o risco de faltar dinheiro para outras áreas, como, por exemplo, um futuro aumento de capital.

No caso do BNDES, o Tesouro vem contornando o problema por meio de sucessivas capitalizações da instituição. De 2009 até agora, foram colocados no banco R$ 295 bilhões. No entanto, especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que essa forma de conduzir a política fiscal é arriscada. Ao emitir títulos para fazer aportes em bancos públicos em troca de mais dividendos na outa ponta, o governo pressiona a dívida bruta, um dos indicadores mais observados pelo mercado na hora de avaliar um país. A dívida brasileira está próxima de 60% do PIB, um patamar bem acima de outros emergentes.

A prática comum nos estatutos sociais de empresas, inclusive estatais como o BNDES, é destinar um mínimo de 25% do lucro líquido ajustado ao pagamento de dividendos a cada ano. No entanto, os acionistas podem decidir que o percentual será maior. É exatamente isso o que vem ocorrendo com as estatais.

No caso do BNDES, por exemplo, o lucro líquido registrado em 2012 somou R$ 8,1 bilhões. Considerando o critério de 25%, os dividendos do exercício ficariam em R$ 2,045 bilhões. No entanto, já foram desembolsados R$ 12,9 bilhões. Os técnicos responsáveis pelo trabalho explicam que os dividendos ficaram acima do lucro registrado no exercício, porque o valor pago também inclui lucros de exercícios anteriores que estavam nas reservas do banco e só foram pagos no ano passado. O objetivo é sempre engordar o caixa do governo.

Tesouro diz que repasse é correto

Procurado para comentar o aumento da participação dos dividendos na composição do superávit primário, o Ministério da Fazenda preferiu não se pronunciar oficialmente, mas designou um representante do Tesouro Nacional para dar explicações técnicas sobre o tema. O Tesouro considera que o aumento do pagamento de dividendos é resultado da expansão dos bancos públicos no mercado nos últimos anos, o que tem gerado mais lucros para essas instituições.

Além disso, o técnico lembrou que, a partir de 2007, a Lei das S/A determinou que o saldo das contas de lucros fossem distribuídos, o que também elevou os dividendos. Segundo o Tesouro, esse movimento de alta não é permanente. "Em 2012, tínhamos uma estimativa de que os dividendos somariam R$ 29 bilhões, mas eles ficaram em R$ 28 bilhões. Este ano, a estimativa inicial era de R$ 34 bilhões, mas foi revista para R$ 24 bilhões", lembrou o integrante do Tesouro.

O Tesouro também considera que não há problema em elevar a dívida bruta para fazer aportes no BNDES e recolher dividendos do banco. "A política é correta se houver um equilíbrio entre o pagamento de dividendos e os aportes", afirmou o técnico. "Quem olha para a dívida bruta tem que considerar que ela não cresce apenas por causa das emissões de títulos. Ela também sofre impacto do aumento das reservas internacionais e das operações compromissadas do Banco Central (para enxugar dinheiro em circulação). Não há descontrole, nada que possa prejudicar a imagem do país."

Sobre a mudança no estatuto do BNDES, o técnico destacou que essa é uma prática adotada no mercado por várias empresas. O Tesouro sustenta que não se trata de uma manobra para aumentar as receitas com dividendos, conforme já havia dito o secretário do Tesouro, Arno Augustin, porque o montante de dividendos previsto no Orçamento não mudou com a alteração no estatuto da instituição. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, usou recentemente o mesmo argumento ao rebater as críticas à mudança no estatuto.

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