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Controle da taxa de câmbio prejudica as exportações brasileiras: dólar está desvalorizado | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Controle da taxa de câmbio prejudica as exportações brasileiras: dólar está desvalorizado| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

Risco

Real mais forte reduz a competitividade do Brasil no exterior

A estratégia de administrar a taxa de câmbio não é inédita. Boa parte do sucesso do combate à inflação no início do Plano Real, por exemplo, se deveu à chamada âncora cambial. Mas a prática tem riscos não desprezíveis. Quando o mercado vê intervenção no câmbio, sente-se tentado a testar até que ponto o governo aguenta a pressão. Em 1999, quando a "represa" estourou, houve a maxidesvalorização do real, que poderia ter sido evitada se a moeda tivesse flutuado livremente nos anos anteriores.

Manter o real artificialmente valorizado também reduz a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, afetando as exportações. E, ao estimular as importações e os gastos internacionais, pode aprofundar o saldo negativo nas transações com o exterior. A diferença entre a quantidade de dólares que entra e sai do país está em 3,6% do PIB, um tanto acima do déficit considerado "ideal", em torno de 2,5% do PIB. Embora poucos vejam uma ameaça mais séria neste momento, o crescimento desse rombo vai deixando a economia mais vulnerável a choques externos.

Correção

Em um regime de câmbio flutuante, a própria variação da cotação ajuda a corrigir tais desequilíbrios: quando sai muito dólar do país, a cotação da moeda tende a subir, desestimulando importações e despesas internacionais, e vice-versa.

O Banco Central sabe disso, como sugeriu na semana passada Mário Mesquita, diretor de política econômica do BC durante o governo Lula. "O próprio Banco Central sempre diz que o principal mecanismo de resistência a choques externos é a taxa de câmbio, então deixe flutuar", disse, em entrevista ao Estado de S. Paulo.

Ocasião pode ser boa para comprar dólares

Embora as intervenções do Banco Central estejam conferindo alguma estabilidade às cotações do dólar, a aposta do mercado financeiro é de que a moeda deve subir nos próximos meses, chegando a R$ 2,40 no fim de dezembro. A previsão consta do boletim Focus, pesquisa semanal feita pelo BC com bancos e consultorias.

"Provavelmente o mercado entende que o governo está preocupado com a eleição e que, passado o período eleitoral, não haverá mais motivos políticos para segurar a taxa de câmbio, que então voltaria a flutuar", avalia José Kobori, professor do Ibmec.

Para Kobori, o momento é bom para comprar dólar. "Mantidas as condições atuais, nada indica que a taxa de câmbio vá cair muito abaixo de onde está. E tende a subir depois das eleições e ao longo de 2015, que deve ser um ano de ajuste econômico", diz.

Regis Augusto Ely, da Uni­versidade Federal de Pelotas, acredita que a moeda norte-americana não vai variar muito nos próximos meses. "É muito difícil afirmar qual é a melhor hora para comprar moeda. Mas, uma vez que a tendência é de estabilidade, não vejo razão para que alguém que vai precisar dólares daqui a alguns meses antecipe sua compra."

Desde o início do regime de metas de inflação, em 1999, o instrumento clássico para combater a alta de preços é elevar a taxa básica de juros. Quando isso não funciona ou não é politicamente interessante, o governo recorre a alternativas menos convencionais. De um tempo para cá, passou a represar aumentos de itens administrados, como combustíveis e transporte público. Uma vez que a pressão inflacionária persiste, o Planalto decidiu abrir uma nova frente de batalha: a administração da taxa de câmbio.

INFOGRÁFICO: Confira a comparação do real frente ao dólar se levada em conta a inflação no Brasil e nos EUA

Muitos economistas acreditam que o governo optou por abandonar o modelo de câmbio flutuante e tem trabalhado para manter a cotação do dólar relativamente baixa, pouco acima de R$ 2,20. Assim, evita o encarecimento de produtos importados ou que contenham matérias-primas produzidas no exterior e, por tabela, inibe reajustes nos produtos brasileiros.

O Banco Central renovou no fim de junho um programa de intervenções no mercado cambial que teve início em agosto do ano passado e já é o maior desde 2002. Diariamente, o BC oferece até US$ 200 milhões em contratos de swap cambial, que equivalem à venda de dólares no mercado futuro e contribuem para manter ou baixar a cotação da moeda. A justificativa para os leilões é que eles oferecem proteção e liquidez ao mercado, evitando variações muito bruscas nas cotações.

A questão é que, na teoria, a ferramenta deveria ser usada apenas em momentos de estresse e muita volatilidade, o que não parece ser o caso. "Em momentos de crise, quando há grande quantidade de divisas saindo do país, cabe ao Banco Central garantir liquidez. Mas se não há grandes problemas de liquidez e ele faz isso constantemente, é porque está tentando conter a taxa", diz José Kobori, professor de finanças do Ibmec e estrategista da JK Capital.

Desde fevereiro, quando se aproximou de R$ 2,40, a cotação média do dólar recuou cerca de 6%, o que pode ter colaborado para a deflação no atacado, captada nos últimos dois meses pelo IGP-M. Sensível à oscilação do câmbio, o índice caiu 0,13% em maio e 0,74% em junho, na maior queda mensal dos últimos 11 anos.

Mas o efeito sobre a inflação pode ser limitado, avisa Régis Augusto Ely, professor de Economia da Universidade Federal de Pelotas. "Há evidências de que o repasse da variação do câmbio para a inflação tende a ser mais forte quando o real se desvaloriza. Quando ocorre uma valorização, o repasse não ocorre na mesma magnitude", diz.

Em outras palavras: quando o dólar fica mais caro, os preços no Brasil sobem de elevador; quando a moeda norte-americana recua, descem pela escada. "Por isso, não acredito muito nesse tipo de gestão. Contra inflação, o que funciona é controlar gasto do governo e aumentar os juros."

Exportações vivem a pior fase em três anos

A tentativa de impedir uma valorização mais forte do dólar contraria um dos princípios da "nova matriz econômica" do governo Dilma Rousseff, que por algum tempo tentou conciliar expansão do gasto público com queda na taxa de juros e uma taxa de câmbio competitiva para as exportações.

Até fevereiro deste ano, o Planalto chegou a tolerar que o dólar passasse de R$ 2,40, mas agora prefere cotações mais baixas. Exportadores afirmam que, no nível em que está, o câmbio corrói a competitividade dos produtos brasileiros, em especial os industrializados.

"A participação da indústria nas exportações está no nível mais baixo desde 1977. Estamos voltando ao Brasil Colônia", diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "O governo está atuando para não deixar o dólar subir. Inflação tira votos e as exportações não são uma prioridade. O objetivo é claramente o de controlar a inflação."

No primeiro semestre, as exportações brasileiras recuaram 3%, para US$ 110,5 bilhões – o valor mais baixo para o período desde 2011. Mesmo com o dólar relativamente barato, as importações caíram 4%, para US$ 113 bilhões, em claro sintoma do desaquecimento da economia brasileira.

Valorização

A chamada "taxa de câmbio real" também sugere que o real está sobrevalorizado. Esse índice, que é calculado pelo Banco Central e considera a variação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos, indica que a moeda brasileira está mais valorizada do que há 20 anos – um sinal de que a situação dos exportadores é mais complicada hoje do que nos primeiros tempos do Plano Real.

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