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Lúcia Dresch, de 81 anos,  mostra a sua biografia e o filme de sua formatura na faculdade | César Machado
Lúcia Dresch, de 81 anos, mostra a sua biografia e o filme de sua formatura na faculdade| Foto: César Machado
  • Anderson Leme, dono da única lan-house de Doutor Ulysses: movimento baixo devido ao 3G

Quando o assunto é a taxa de acesso à internet nas residências, o Paraná possui uma Itá­­lia e um Malawi dentro de si. O município de Doutor Ulysses, no Vale do Ribeira, tem o menor índice do estado, semelhante ao país africano – pouco mais de 1% dos domi­­cílios são conectados. Na outra ponta, Curitiba, Maringá, Lon­­drina e a pequena Quatro Pon­­tes, no Oeste, têm taxas si­­milares à italiana, com até 60% de casas com conexão à internet.

O índice de acesso tem forte correlação com a renda mediana dos municípios – quanto mais rico, maior o número de lares com acesso à web. De acordo com um estudo inédito feito pelo analista do Ibope José Calazans, com dados do Censo 2010, cada R$ 50 de acréscimo na renda mediana das cidades se reverte em um aumento de um ponto porcentual na taxa de casas conectadas.

Para entender melhor o­­ que motiva a compra de uma conexão, Calazans buscou analisar as cidades que são consideradas desvios de padrão dentro desse cenário – tan­­to os municípios que possuem mais conexão do que sua renda faria supor, como aqueles que têm menos conexão do que o esperado para a sua renda.

Aqui no Paraná, o município de Contenda, por exemplo, na Região Metropolitana de Curitiba, têm uma diferença de 17 pontos porcentuais entre a taxa de internet real e a taxa de internet esperada (veja no gráfico). Com renda mediana de R$ 1.470, o município deveria ter pelo menos 27% de suas casa conectadas, conforme a média das cidades brasileiras com a mesma renda. O município, no entanto, possui taxa de 12%.

Uma das explicações para o fenômeno pode ser o nível de escolaridade dos chefes de domicílio nessas cidades. "Peguei esses municípios que têm taxas que fogem do padrão e separei os domícilios com a mesma renda em dois grupos. Aqueles que têm um chefe da família com formação universitária e aqueles em que o chefe da família tem baixa escolaridade. Observei que a penetração da internet separada por grupos de escolaridade apresentou resultados com diferenças enormes", diz ele.

A diferença foi especialmente alta na camada de baixo – nas famílias com baixa renda. "A princípio, isso mostra que as famílias em que a escolaridade é alta, mesmo quando a renda é baixa, a internet é um gasto prioritário."

Calazans ressalta que não é possível isolar uma única variável para explicar o que leva alguém a ter internet. Infraestrutura, distância da região metropolitana e porcentagem da população na área rural também in­­fluenciam o número de casas conectadas.

Mapa

O estudo "Mapa da In­­clu­­­­são Digital", realizado pe­­la FGV e pela Fundação Te­­le­­fô­­nica e conduzido pelo economista Marcelo Neri, mostra que existe correlação inclusive entre a taxa de conexão e o nível de felicidade. Os países nór­­dicos, líderes no ranking do nível de felicidade, também são os que mais têm acesso à internet.

"Há uma correlação forte entre estas variáveis. Entre­­tanto, ambas são relacionadas com a renda, de forma que estes dados não permitem dizer que a internet traz a percepção de felicidade, ou vice-versa", diz um trecho da pesquisa.

O "Mapa da Inclusão" tam­­­bém utilizou os dados do Censo 2010, entre outros, pa­­ra fazer um retrato digital do país. Sobre os motivos para as pessoas não acessarem a internet, a pesquisa revela que o principal fator citado pelos brasileiros como justificada é o desinteresse.

"O principal motivo para a falta de uso da internet é a falta de necessidade abarcando 33,1% dos sem internet. Aqueles que não sabiam utilizar a internet representam a segunda força de motivos, com 31,4% dos excluídos. Isto significa que quase dois terços das pessoas em idade de uso da rede não o fazem por falta de demanda intrínseca. Logo, a natureza das políticas deve ser no sentido de informar as possibilidade oferecidas pela internet e na capacitação para o seu uso."

Mudança na trajetóriaAos 81 anos, moradora de Quatro Pontes vive conectada no MSN

Lúcia Santina Dresch (foto 1), de 81 anos, é um exemplo de como a educação é determinante para o uso da internet. Sem nunca ter tido a possibilidade determinar os estudos quando jovem, ela foi atrás de seu sonho aos 69 anos. Terminou o supletivo em 1999, prestou vestibular logo em seguida e formou-se em Pedagogia, em 2005, na Faculdade Sul Brasil (Fasul), de Toledo. Moradora de Quatro Pontes, município vizinho a Toledo e o 4º com mais domicílios com acesso à internet no estado, 51%, Lúcia só comprou o computador e a conexão à internet quando viu que isso seria essencial para realizar seu sonho. "Todos os colegas de turma usavam a internet para fazer trabalho, então tive que aprender a usar", conta. Com o uso, descobriu as maravilhas da rede mundial de computadores. Hoje o MSN fica o dia todo ligado, programa que usa para conversar com a filha, que vive no Acre. "Amigas da minha idade não usam. Mas falo muito ainda com o pessoal da faculdade. A facilidade de se comunicar é impressionante", conta ela, que vivenciou as grandes mudanças nas comunicações no último século. "Ainda me lembro quando, em 1945, um padre que foi passear na Alemanha voltou ao Brasil dizendo que existia um rádio que dava para ver as pessoas", diz, referindo-se à TV. Ela escreveu uma biografia, chamada "Memórias e Trajetórias de Uma Vida", publicada independentemente.

Com uma grande parcela da população idosa, a cidade tem a menor taxa de analfabetismo do Paraná. A taxa de acesso à internet de mais de 50% é possível graças as empresas que oferecem internet via rádio, modalidade comum no interior, onde o cabeamento muitas vezes é limitado. Na região de Toledo e Marechal Cândido Rondon, mais de cinco empresas operam esse tipo de internet. (BB)

Baixo acessoEm Doutor Ulysses, 3G é alternativa

Não é só a internet que tem dificuldade para chegar a Doutor Ulysses, município localizado no Vale do Ribeira, a região mais pobre do estado. De Curitiba, a viagem leva quase três horas, embora esteja a 129 km de distância. A primeira metade do caminho, até Cerro Azul, é feita por uma rodovia tão sinuosa que as farmácias da cidade estão acostumadas a receber os turistas com remédios para enjoo. A segunda metade, os 45 km entre Cerro Azul e Doutor Ulysses, é a mesma coisa, mas sem asfalto.

A dificuldade de acesso está por trás do título de município com a pior taxa de acesso à internet por domicílio no Paraná. Sem grandes empresas e com um comércio modesto, a economia do local depende quase que integralmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A renda baixa também significa poucos clientes em potencial para as operadoras, o que as afasta de realizarem investimentos na cidade. A Oi oferece serviço de telefonia e internet, e a Claro instalou uma antena para serviços de telefonia móvel de dados e voz.

Vanderson Silva Costa, de 14 anos, faz parte de um programa da prefeitura de Doutor Ulysses chamado Cidadão do Futuro. Apesar disso, ao contrário da maioria da garotada da mesma idade que vive numa cidade grande, ele nunca entrou no Facebook ou no MSN. Sem acesso à internet em casa, ele utiliza a web apenas nos computadores da biblioteca municipal. "Só uso para fazer pesquisa, mas não uso muito. Gosto de jogar bola."

Quando questionado o que faz da cidade a menos conectada do Paraná, o dono da única lan-house da cidade, Anderson Leme, de 33 anos, se diz desconfiado. "Acho que essa pesquisa do Censo não é muito fiel", diz. Ele próprio é um exemplo de como o perfil do acesso à internet na cidade está mudando, graças à chegada da banda larga móvel. Sua lan-house, antes localizada na praça central, há um ano funciona numa pequena construção de 6 x 5 metros em frente à sua residência. Ele explica o que está acontecendo: "Muitas pessoas estão comprando o modem 3G e usando como a principal internet. Inclusive eu ajudo as pessoas a instalar", conta.

RENDA MAIOR, MAIS INTERNET

A cada R$ 50 na renda mediana dos municípios há um acréscimo de 1 ponto porcentual na penetração de acesso à internet nos domicílios daquela cidade.Passe o mouse sobre os pontos para ver os nomes dos municípios.Os pontos vermelhos à esquerda são os municípios com menor acesso à internet do que se previa de acordo com a renda.Os pontos vermelhos à direita são os municípios que surpreenderam os pesquisadores, com porcentagens acima do esperado.

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