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Vanessa Gonçalves, usuária do transporte coletivo que sabia da cobrança irregular: reclamar custaria mais caro do que pagar | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Vanessa Gonçalves, usuária do transporte coletivo que sabia da cobrança irregular: reclamar custaria mais caro do que pagar| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Um valor que, por parecer irrisório, pode perfeitamente passar despercebido para milhares de usuários, está ajudando a engordar o caixa das empresas que administram o transporte público de Curitiba e região metropolitana todos os anos. A Urbanização de Curitiba S.A. (Urbs) – autarquia que gere transporte coletivo da capital – e a Metrocard – gestora do sistema de bilhetagem eletrônica dos ônibus não integrados que atendem os municípios da região metro­­politana de Curitiba –, embutem a cobrança de R$ 1,50 no valor pago pelos usuários a cada recarga de créditos do cartão-transporte através do sistema on-line das empresas. Só no caso da Urbs, o valor resulta em uma receita extra de R$ 900 mil por ano.

No caso da Urbs, um usuário que compra pelo site 45 passagens – no valor vigente de R$ 2,20 cada –, se depara com uma cobrança no valor de R$ 100,50 ao emitir o boleto pelo site , ao invés dos R$ 99,00 referentes à compra dos créditos.

As companhias justificam a prática como um "repasse" da tarifa cobrada pelo banco emissor do boleto de cobrança. Essa conduta, no entanto, é considerava ilegal e abusiva pelos órgãos de defesa do consumidor, já que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe que o usuário seja obrigado a arcar com o custo de um contrato celebrado entre o fornecedor e a instituição financeira. O entendimento é de que as despesas de cobrança são inerentes à própria atividade do fornecedor e já estariam embutidas no custo do serviço.

Segundo a Urbs, mensalmente, cerca de 50 mil usuários recarregam o cartão através da internet. Ao repassar o custo de emissão dos boletos aos usuários, a companhia deixa de desembolsar R$ 75 mil todos os meses, valor igual à arrecadação com a venda de 34 mil passagens no período. Em um ano, a economia aos cofres da empresa chega a R$ 900 mil, o que equivale ao preço de um ônibus biarticulado zero quilômetro. Desde que foi implementado, em junho de 2004, o sistema de recarga do cartão-transporte pela internet pode ter representado um ganho extra de cerca de R$ 5,4 milhões para a companhia.

A agente educacional Va­­nes­­sa Lucas Gonçalves, que faz uma recarga mensal de 48 créditos, diz que sabia da irregularidade da cobrança, mas, pelo valor ser baixo, nunca se preocupou em contestá-lo. "R$ 1,50 é menos do que uma passagem por mês. Se tiver que ir até a Urbs para reclamar vou gastar, no mínimo, duas passagens, o que dá R$ 4,40", argumenta.

Já o auxiliar financeiro Thiago Zanin faz um cálculo diferente. "Pagando R$ 1,50 a mais por mês, em um ano, perco o equivalente a oito passagens apenas com a emissão do boleto", afirma. Ele, no entanto, também considera que sairia mais caro se fosse atrás dos órgãos de defesa do consumidor para fazer valer seus direitos individuais.

A assessoria de imprensa da Urbs diz que entende que a cobrança é "legal e perfeitamente plausível", uma vez que o usuário teria a opção de fazer a compra dos créditos diretamente na sede da empresa, sem a incidência da cobrança pela emissão do boleto bancário. A Metrocard também foi procurada, mas nenhum representante quis comentar o assunto ou fornecer dados sobre número de usuários do seu sistema. A única informação, passada extraoficialmente, foi a confirmação de que a empresa também cobra R$ 1,50 pela emissão dos boletos e de que o custo é repassado aos usuários.

Mas, ainda que o repasse fosse legítimo – tese refutada pelo Procon-PR –, a Urbs e a Metrocard estariam incorrendo em outra prática abusiva. Isso porque a informação sobre a cobrança pela emissão do boleto não é prestada em nenhuma etapa durante a compra pela internet e também não consta no próprio boleto emitido pelas empresas, o que ficou comprovado em uma simulação feita pela reportagem da Gazeta do Povo. Pelo telefone 156, número de atendimento da prefeitura de Curitiba, a informação prestada por uma atendente que se identificou como Lucélia é de que não consta no sistema nenhuma informação sobre a cobrança de taxa extra na compra de créditos do cartão transporte da Urbs.

"O consumidor deve ter todas as informações prévias sobre o que está comprando. A questão é: não existindo a informação prévia, tudo o que for adicionado ao contrato unilateralmente é considerado cláusula abusiva e, portanto, nula de pleno direito", avalia a advogada do Procon-PR, Marta Favreto Paim. "Há uma cadeia sucessiva de práticas ilegais. A empresa não informa e ainda lança uma cobrança abusiva. O usuário está comprando os créditos das passagens e não o serviço de pagamento do banco", diz.

Segundo o Procon-PR, o usuário pode requerer individualmente o ressarcimento das quantias pagas indevidamente. Para isso é preciso registrar uma reclamação no órgão tendo em mãos os comprovantes de pagamento. "Mas, como o valor é baixo, a própria companhia acaba se valendo disso, já que sabe que poucos vão reclamar, ela acaba lucrando com os que acabam deixando a questão de lado", diz Marta. Neste caso, segundo a advogada, caberia uma ação coletiva para proteger os direitos individuais e a defesa do consumidor, o que pode resultar em multa para as empresas.

A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodec), do Ministério Público do Paraná (MP-PR), também considera a prática ilegal. "Todos os custos relativos à operação já estão inseridos no valor da tarifa do ônibus – inclusive o próprio custo da venda das passagens. Neste caso, a cobrança pela emissão do boleto configura duplicidade de pagamento, o que fere o direito do usuário", avalia a promotora Cristiana Corso Ruaro, que garante que o Prodec vai instaurar um inquérito civil para apurar a prática das empresa de transporte público de Curitiba e região metropolitana.

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