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A expropriação dos ativos da Petrobrás na Bolívia mostra um fato óbvio, que deve sempre ser levado em conta para avaliar as "garantias" oferecidas pelos tratados internacionais que envolvem problemas políticos e econômicos altamente sensíveis. A não ser quando uma das partes disponha de meios eficazes para retaliar e impor a sua vontade à outra, eles valem tanto quanto os "acordos de cavalheiros", isto é, enquanto existirem "cavalheiros" dos dois lados...

Em 1938, Brasil e Bolívia firmaram um tratado para proporcionar a este país uma saída pelo oceano Atlântico. A Bolívia havia perdido a sua saída para o Pacífico na guerra em que, aliada ao Peru, foi fragorosamente derrotada pelo Chile, em 1883. O tratado envolvia o livre trânsito do petróleo boliviano e seus derivados pelo território brasileiro. Para isso, seria construída uma estrada de ferro entre Santa Cruz de la Sierra e Corumbá. Em contrapartida, a Bolívia reservaria um território para a exploração exclusiva do petróleo por empresas dos dois países. A estrada de ferro ficou pronta em 1955 e, na sua inauguração, a Bolívia renegou a contrapartida por motivos que permanecem até hoje sob suspeição. Isso deu origem a uma intensa movimentação diplomática e terminou no Acordo de Roboré, objeto de forte reação política no Brasil, principalmente por parte da esquerda ingênua, que o considerava "um torpedo contra a Petrobrás" e para a qual a defesa da empresa confundia-se com a defesa da pátria...

Com um território de 1,1 milhão de quilômetros quadrados, população de 9 milhões de habitantes e um PIB per capita de US$ 900 (um terço do brasileiro), a Bolívia não é, certamente, um dos países mais pobres do mundo. Seu PIB per capita é um múltiplo de grande número de países africanos e asiáticos. É pouco inferior ao da China (US$ 1.300) e uma vez e meia o da Índia (US$ 620). Por outro lado, ela tem crescido mais do que o Brasil (3,4% ao ano entre 2003 e 2005)!

O que se pode dizer é que ela talvez seja o país politicamente mais instável do mundo: a República da Bolívia foi criada em 1825 e registra eleições, golpes e contragolpes quase do mesmo número dos seus anos de vida. Isso se deve, provavelmente, à dominação até ontem vigente da população branca (10% da população) sobre a população indígena (37% de índios quechuas e 32% de aimarás) e sobre os "mestiços" (13%) e outros (10%). A eleição de Evo Morales (um aimará, depois de 180 anos) mostra o papel fundamental do "sufrágio universal" para a construção de governos que vão respondendo às aspirações da sociedade – nem sempre afinadas com a disponibilidade de recursos para atendê-las. É por isso que o caminho é longo e torturado por acertos e erros.

Morales pode, certamente, expropriar a Petrobrás, mas, certamente também, deve indenizá-la adequadamente. O problema maior que se coloca não é esse, mas, sim, quem indenizará o sistema produtivo nacional, que foi induzido a substituir sua energia por gás fornecido por um país instável e com o qual já tivemos experiência não bem-sucedida. Avulta agora a irresponsabilidade da assinatura do contrato do gasoduto em 1993 e o apressamento da substituição dos equipamentos industriais pelo programa Brasil em Ação, de 1997/98. É claro que o problema vai se resolver pelo aumento de preços – que um dia será transferido para os consumidores. Isso reduzirá a margem do setor industrial criada pela substituição do óleo combustível pelo gás – menos poluente.

dep.delfimnetto@camara.gov.br

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