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No vão da jaula

>> Fazendo justiça à Justiça, que, no caso aqui comentado, nem tardou nem falhou, transcrevemos esta passagem do clássico "Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados", de Piero Calamandrei: "Enquanto ninguém o perturba ou o viola, o direito rodeia-nos, invisível e impalpável, como o ar que respiramos, insuspeitado como a saúde, cujo preço apenas conhecemos quando se perde. Mas quando o direito está ameaçado e oprimido, desce do mundo astral, onde descansara no estado de hipótese, e espalha-se pelo mundo dos sentidos. Encarna-se, então, no juiz e torna-se a expressão concreta de uma vontade operante por intermédio da sua palavra."

Eles aportaram pela primeira vez em 1908, via São Paulo. Ao todo, eram 781 imigrantes japoneses a bordo do navio Kasato Maru. Com direitos assegurados em acordo internacional, além da boa acolhida, em poucos anos novas levas chegariam. No início, foram trabalhar nos cafezais paulistas. Depois, no Norte do Paraná, incentivados pela expansão do plantio de café, o nosso ouro verde.

Trabalharam duro para sustentar a família e educar os filhos. Semearam, cuidaram da terra e modernizaram técnicas agrícolas e de pesca. Não havia mais motivos para o regresso aos saturados campos de onde vieram. No caminho, porém, quando já eram a maior colônia de japoneses fora do Japão, eis que surge uma pedra. Exacerbado movimento nacionalista deflagrado na década de 1930 volta-se contra eles, sob infundada alegação de concorrência com a mão de obra tupiniquim.

Uma voz

À época, o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Bento de Abreu Sampaio Vidal, em discurso na Câmara dos Deputados de São Paulo, assim se pronunciou em defesa dos nipônicos: "Conheço como ninguém o valor dos japoneses. Marília, a minha querida cidade, é o maior centro de japoneses no Brasil. É a gente mais eficiente para o trabalho, educada, culta, sóbria... Durante a noite escura, em que os fazendeiros não podiam pagar regularmente seus colonos, não se viu um colono japonês impaciente ou reclamando."

Confisco

Estas palavras tiveram eco, mas por pouco tempo. Com o advento do Estado Novo, os incansáveis japoneses, que já adquiriam pedaços de terra, foram rotulados de agentes do Eixo, ao lado de outros estrangeiros. O eldorado viraria pesadelo quando, em 1942, o Brasil declara guerra ao Japão. Propriedades foram confiscadas e até hoje não se tem notícia das indenizações.

Com o fim da Segunda Guerra, a paz lhes foi devolvida. Porém, entre aqueles que fincaram raízes no campo, semeando e colhendo o fruto da terra, alguns, por falta de orientação, ou por outros infortúnios da vida, não conseguiram formar poupança capaz de socorrê-los na velhice. Sobrevivem hoje com modesta verba assistencial do governo.

Justiça

Graças à brilhante atuação da Defensoria Pública do Paraná, por muito pouco não se repetiu na última semana mais um episódio de injustiça nessa história. Referido órgão se viu instado a socorrer judicialmente e de forma imediata um remanescente desses imigrantes japoneses sobreviventes do campo.

Aos 81 anos, morando sozinho com a esposa em Curitiba, sem nunca ter ido ao médico, de repente, internado em hospital público, ele foi submetido a uma cirurgia no cérebro. A medicação pós-operatória, caríssima, foi, como de costume, negada pelo SUS. A história terminaria aqui não fossem a presteza do defensor público, que foi procurado pelo filho do enfermo, e a pronta resposta judicial. Providenciada a documentação, no mesmo dia ele protocolou a ação e, horas depois, o juiz concedeu antecipação de tutela ao pedido, obrigando o órgão competente a fornecer o medicamento em 24 horas. À parte o histórico de vida desse imigrante, uma vez que todos são iguais perante a lei, o certo é que a decisão judicial caiu como uma luva na filosofia oriental de reconhecimento ao mérito acumulado ao longa de uma vida digna.

O caso me foi contado pelo filho do modesto agricultor, que lhe cobrava diariamente o remédio, sem saber da negativa do poder público. Disse ainda que se lhe tivesse informado o preço do medicamento teria ouvido do pai apenas estas palavras, pronunciadas resignadamente: "Então, deixa que eu vou."

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