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As últimas colunas foram dedicadas às novidades introduzidas na legislação do Imposto de Renda das pessoas físicas, com as dicas mais importantes para evitar a malha fina do Leão.

Hoje, as dicas são outras. Têm natureza artístico-cultural e emanam do coração. Afinal, estou na minha querida cidade natal, Panelas, em pleno brejo do agreste pernambucano. Cercada pelas serras da Bica, Timóteos e Boqueirão, este torrão foi palco, no século XIV, de uma das mais sangrentas batalhas da Guerra dos Cabanos.

Mas não é sobre batalhas que iremos falar. Bastam as batalhas da lida diária e aquelas enfrentadas pelo mais ilustre panelense, Gregório Bezerra, o "homem de ferro e flor. Panelas é berço de poetas, de cantorias de rua, das festas do pastoril e solo preferido das mais bonitas orquídeas do mundo, a Cattleyalabiata, batizada pela Santina de rainha nordestina.

Em verdade, para descrever minha "Labiata", as águas do mar e dos rios, além das que repousam nas nuvens, teriam que migrar para o meu árido tinteiro. Todo o meu patrimônio consiste num sitiozinho de um hectare, conhecido como "Rancho Velho" e orgulhosamente registrado nos arquivos das propriedades rurais de Pindorama sob o número 1.762.903-9. É bem pequeno, sim senhor, menor que o sítio de Raul Seixas no sertão de Piritiba, mas o meu, além de mais doce, é emendado a eterno pé-de-serra – um lajedo soberano, cheinho de coroas-de-frade, avelós, gravatás, macambiras, manofês e lagartixas traquinas.

Enfim, estou hoje na minha Pasárgada, onde nasceu e viveu meu avô Manuel Alexandre, fiscal honrado do município de Panelas, e também onde nasceu e viveu do mesmo jeito o meu inesquecível pai, Benedito Alexandre, fazedor de queijo de manteiga do bom, com leite que minha doce mãe Eliza desnatava nos braços. Aqui, igualmente, aprendi a galgar alturas vencendo os aromados obstáculos dos galhos travessos do cajueiro e ainda hoje vejo, extasiado, a sombra do umbuzeiro beijar docemente a face sagrada da terra, sob o eterno céu azul.

O rio da minha terra não é o maior rio do mundo, mas é meu. À minha Labiata, não chega nem avião nem navio e nunca, nunca irá chegar metrô. Todavia, tem um galo de campina que quando canta muda de cor e ainda posso – com a permissão de Bandeira – contar com a amizade de muitos reis cujos reinados estão contidos por insondáveis e majestosas serras. Sinceramente, acho até que, com este "lap top" debaixo de tão magnífica mangueira (com certeza, esta máquina extraordinária, de onde saem tão inusitadas "dicas" é a mais esquisita visita que por aqui andou), estou a cometer verdadeiro sacrilégio à pureza do meu pé-de-serra.

Visitem Panelas! Quem aqui chega é recebido de braços abertos pela centenária imagem do Senhor Bom Jesus dos Remédios, em tamanho natural, esculpido em cedro. No sopé da Serra da Bica, os jorros cristalinos de água mineral oferecem o mais aprazível banho da Terra.

Se você, caro leitor, vier a Panelas no dia 1.º de maio, próxima terça-feira, assistirá à sensacional corrida nacional do jerico. É a maior festa do interior. Como se sabe, cada região do Brasil homenageia o trabalhador conforme as tradições e os costumes do lugar. Aqui, o jerico é a estrela da festa, em reconhecimento ao trabalho árduo que realiza, transportando de tudo um pouco, principalmente água para populações intrincadas em lugares de difícil acesso. Por outro lado, é o único trabalhador do planeta que não faz greve reivindicando melhorias salariais – às vezes empacando tão-somente por falta de um capinzinho novo. Afinal, ele também não é de ferro! Na festa, tem de tudo: de casamento de jumentos a jornalistas do mundo inteiro com minidicionário no bolso para entender o linguajar matuto.

Visitem Panelas. Venham curtir a inexcedível prosa poética do repentista Oliveira de Panelas, ouvir histórias do papa-figo, do Zé Venâncio, do João de Dulce, contadas por seus filhos, todos descendentes daqui mesmo, dos índios caetés e dos rebeldes cabanos, cujo líder local foi Antônio Timóteo – parrudo no físico e no pensamento, resistente como pedra, de pouco discurso e de muita ação.

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