No mercado global, todo interligado, é assim: americanos maus pagadores não pagam suas dívidas. Fundos europeus que têm em suas carteiras papéis de hipotecas de alto risco perdem valor. No fim, sofrem também as bolsas, de forma generalizada. O risco-Brasil subiu.

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O BNP Paribas, o maior banco francês, anunciou com todas as letras "a completa perda de liquidez em alguns papéis do mercado de securitização americano". Ele tinha em carteira de produtos financeiros lastreados por papéis imobiliários americanos, produtos, a propósito, avaliados como AAA (o mais baixo risco) por agências de classificação. O banco francês decidiu "congelar", no jargão do mercado, três de seus fundos, ou 1,6 bilhão. Começou aí o estresse.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga acha que, como reação, os EUA podem reduzir os juros:

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– A inflação já está baixa, em 1,8%, e os juros em 5,25% estão acima da taxa neutra, já iria cair mesmo.

Para Armínio, o evento de ontem foi a ressaca de um mercado exuberante demais e é muito difícil prever a trajetória das próximas semanas ou meses. Mas aposta em continuação da volatilidade.

Quando o Paribas anunciou o fechamento dos fundos, imediatamente houve, diz o ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, um "empoçamento de liquidez". Havia dinheiro, mas as instituições não emprestavam umas às outras, porque ninguém sabia quem estava com problemas.

Quando acontece um movimento desses no mercado, a conseqüência imediata é que aumenta muito a aversão ao risco. Os juros, então, subiram bastante. Diante disso, o Banco Central Europeu teve que entrar na jogada com 94,8 bilhões para dar liquidez ao mercado. No dia 12 de setembro de 2001, um dia depois do ataque às torres gêmeas, a ajuda foi de 69 bilhões.

Segundo o Financial Times, a operação pegou o mercado de surpresa. A única explicação do BC europeu foi que era para "garantir as condições para o mercado do euro". Por causa da "seca" no mercado, não apenas sofreu o BNP. Vários bancos estão no mesmo barco, com perdas expressivas.

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Os problemas na Europa se alastraram. O Fed também atuou no mercado um pouco acima do normal, com US$ 24 bilhões. O banco central do Canadá foi outro: já informou que está preparado para entrar se for necessário.

Mesmo com todas essas intervenções, a piora das bolsas foi generalizada, e o risco-Brasil subiu. O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, diz que um movimento forte assim contamina o mundo todo. Ele lembra que, nos últimos cinco anos, o mundo passou pelo mais longo período recente de boom econômico:

– Jamais vi um ciclo bom ser tão forte e tão duradouro. Acho este movimento de queda mais estrutural, mais permanente, mas ainda há uma força compradora grande que pode produzir recuperação nos próximos dias. Mas ainda não se sabe a dimensão da crise, onde está o problema e com quem ele está.

Há tempos que alguns economistas já alertavam para o risco de estouro da bolha, mas, em épocas de liquidez, é normal que haja um relaxamento da preocupação com o risco. Isso eleva o valor de ativos que não valem tanto. Em momentos como este, percebe-se a falta de lastro.

Os bancos europeus estão com grandes aplicações em papéis americanos, e ontem a crise de confiança chegou à Europa.

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– O mercado dos emergentes ainda foi pouco atingido – diz Ilan.

Mas a crise chegou, sim, um pouco por aqui. Ninguém fica isolado numa hora dessas. Quando aumenta a aversão a risco, muitos fundos também preferem evitar ações ou títulos da dívida dos países emergentes. Por enquanto, a crise ainda está no mercado financeiro. Com os últimos dados da economia real, a previsão de crescimento do PIB para o ano está sendo revista. O Bradesco, por exemplo, acha que o país pode crescer 5,2%. Outros também estão aumentando sua expectativa para o PIB.

– O grande defeito da economia brasileira é o gasto público. Isso não provoca crise de curto prazo, apenas reduz as chances de crescimento. Hoje o país está razoavelmente bem. Num cenário de redução do crescimento mundial, o Brasil perde demanda externa, cai o superávit, mas não há os riscos já enfrentados antes – afirma Armínio.

Ilan diz que o processo de contaminação vem pelo investidor, que pode sair de investimentos espalhando as quedas, mas também acha que nada do que acontece agora se parece com as crises que o Brasil já enfrentou.

Lamy acredita que não está descartado um cenário de recessão, além da queda já prevista dos atuais 3,5% a 5% de crescimento americano para 2% a 2,5%, que o Fed está esperando. Se houver novos eventos, como o do Bear Stearns, que também teve perdas em fundos, e Paribas, o investidor ficará com medo e correrá para ativos mais seguros. Num cenário assim, todos são afetados. A vantagem é o Brasil estar hoje mais bem preparado para tremores financeiros mundiais.

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