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Paul Krugman

As bolhas e os bancos

A reforma no sistema de saúde norte-americano é quase (bata na madeira) um assunto encerrado. Próximo tópico: consertar o sistema financeiro. Escreverei muito sobre a reforma financeira nas próximas semanas. Come­çarei fazendo uma pergunta básica: o que os reformistas precisam tentar?

Houve muito debate público sobre proteger aqueles que contraíram empréstimos. De fato, uma nova Agência de Proteção Finan­ceira ao Consumidor para ajudar a acabar com as práticas enganosas de empréstimos é uma ideia muito boa. Uma maior proteção ao consumidor poderia ter limitado o tamanho total da bolha imobiliária.

Mas essa proteção, mesmo que pudesse ter bloqueado muitos empréstimos subprime, não teria evitado o aumento elevado das taxas de inadimplência nas hipotecas convencionais. Além disso, certamente não teria evitado o boom monstruoso e os problemas do segmento de imóveis comerciais.

A reforma, em outras palavras, provavelmente não conseguirá evitar empréstimos ruins nem bolhas. Mas poderá fazer muito para assegurar que as bolhas não provoquem o colapso do sistema financeiro quando estourarem.

Tenha em mente que a implosão da bolha das ações na década 90, apesar de terrível (investidores americanos receberam um golpe de US$ 5 trilhões), não provocou uma crise financeira. O que aconteceu de diferente em relação à bolha imobiliária que se seguiu?

A resposta curta é que, ao mesmo tempo em que a bolha das ações criou um grande risco, esse risco foi razoavelmente disperso por toda a economia. Já os riscos criados pela bolha imobiliária, por sua vez, ficaram fortemente concentrados no setor financeiro. Como resultado, o colapso da bolha imobiliária ameaçou quebrar os bancos dos Estados Unidos. E os bancos desempenham um papel especial na economia. Se eles não conseguem funcionar, as engrenagens do comércio inteiro acabam parando.

Por que os banqueiros assumiram tantos riscos? Porque era de seu interesse agir assim. Ao aumentar a alavancagem – ou seja, ao fazer investimentos arriscados com dinheiro emprestado –, os bancos puderam aumentar seus lucros de curto prazo. Esses lucros de curto prazo, por sua vez, resultavam em imensos bônus pessoais. Se a concentração do risco no setor bancário aumentou o perigo de uma crise financeira sistêmica, bem, esse não era um problema dos banqueiros.

Obviamente esse conflito de interesses é a razão pela qual temos uma regulamentação bancária. Porém nos anos anteriores à crise as regras foram relaxadas – e, o mais importante, os reguladores fracassaram na ampliação de regras que englobassem o crescente sistema bancário "das sombras", representado por instituições como o Lehman Brothers, que desempenhavam funções similares às dos bancos, ainda que não oferecessem depósitos bancários convencionais.

O resultado foi uma indústria financeira altamente lucrativa desde que os preços dos imóveis continuassem subindo (o setor era responsável por mais de um terço do total dos lucros nos EUA enquanto a bolha era inflada), mas que ficou à beira do colapso quando bolha explodiu. Foi necessária a intervenção do governo em enorme escala e a promessa de que ainda mais ajuda seria concedida, se preciso, para retirar o setor financeiro da beira do abismo.

Eis o que aconteceu: como a ajuda veio com poucas amarras – em especial, nenhum dos grandes bancos foi nacionalizado, nem aqueles que claramente não teriam sobrevivido sem o auxílio do governo –, existe todo um incentivo para que os banqueiros voltem a fazer o mesmo. Afinal de contas, agora está claro que vivemos em um mundo de "cara ou coroa", onde "cara" significa que eles ganham e "coroa", que os contribuintes perdem.

O teste para a reforma, portanto, é verificar se ela será capaz de reduzir o estímulo aos banqueiros e a concentração de riscos daqui para a frente.

Transparência é parte da resposta. Antes da crise, quase ninguém percebia o tamanho do risco que os bancos estavam assumindo. A revelação de mais informações, especialmente com relação aos complexos derivativos financeiros, certamente seria de grande auxílio.

Além disso, um aspecto importante da reforma seria impor novas regras para limitar a alavancagem dos bancos. Irei dar mais detalhes sobre a proposta em colunas futuras, mas aqui vai o que posso dizer sobre o projeto de reforma financeira que a Câmara aprovou – com nenhum voto republicano – no mês passado: seus limites para a alavancagem parecem bons. Não são excelentes, mas bons. Seria muito fácil, entretanto, que essas regras perdessem força a ponto de não conseguirem cumprir seu papel. Alguns ajustes nos detalhes, e os bancos estariam livres para jogar o mesmo jogo novamente.

E a reforma realmente deveria confrontar as práticas de compensação da indústria financeira. Se o Congresso não pode acabar com as recompensas financeiras provenientes da tomada excessiva de risco, pode ao menos tentar taxá-las.

Permita-me concluir com uma nota política. A principal razão para a reforma é servir ao país. Se não tivermos uma grande reforma do setor financeiro agora, estaremos construindo os alicerces para a próxima crise. Temos também razões políticas para agir. Existe uma fúria populista crescendo nos EUA, e os panos quentes do presidente Barack Obama sobre o setor bancário colocou os democratas do lado errado dessa raiva. Se os democratas do Congresso não adotarem uma linha dura com os bancos nos meses que se seguem, pagarão um alto preço em novembro.

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Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008 e professor na Universidade de Princeton, escreve neste espaço às segundas-feiras.

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