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Depois da surra que os democratas levaram nas eleições parlamentares dos Estados Uni­­dos, todos passaram a se perguntar qual seria a reação do presidente Barack Obama. Ele mostraria a que veio? Será que se manteria firme nas convicções, mesmo diante das adversidades políticas?

Na segunda-feira da semana passada, veio a resposta: Obama anunciou o congelamento do salário dos funcionários públicos federais. A decisão fala por si. A medida, claramente cínica, terá impacto pequeno, mas segue na direção errada. Além disso, ao fazer esse anúncio, o presidente dos EUA cedeu aos argumentos daqueles que tentam – aparentemente com sucesso – destruí-lo. Minha conclusão, portanto, é que podemos ver realmente a que Obama veio.

Sobre o congelamento dos salários: o presidente gosta de mencionar os "momentos que ensinam". Bem, nesse caso, ele quer ensinar uma mentira aos norte-americanos. A verdade é que o persistente déficit dos EUA não tem absolutamente nada a ver com o funcionalismo público. Em primeiro lugar, essa classe de trabalhadores não recebe mais do que a média. O salário pago pelo governo federal norte-americano, na verdade, é um pouco menor do que aquele recebido pelo trabalhador com a mesma qualificação da iniciativa privada. Além disso, o custo do funcionalismo representa apenas uma pequena fração dos gastos públicos. Mesmo que se cortasse a folha de pagamentos pela metade, as despesas estatais seriam reduzidas em menos de 3%.

O congelamento dos salários é um teatro cínico em que se finge combater o déficit. É um truque barato (literalmente) que só parece impressionante para pessoas que não entendem nada de orçamento. Os cerca de US$ 5 bilhões que deverão ser poupados em dois anos são fichinha dada a dimensão do rombo nas contas públicas.

Como se isso não bastasse, cortar gastos federais é o oposto do que se deve fazer num momento de economia deprimida. Pergunte às autoridades do Federal Reserve (o Banco Central dos EUA), que têm quase suplicado por ajuda nos esforços recentes para promover a criação de empregos.

Ao mesmo tempo, um problema real relacionado ao déficit começa a surgir: ele vem na forma das isenções fiscais para os mais ricos que os republicanos desejam prorrogar. Só para lembrar, em 75 anos, o custo de tornar essas isenções permanentes seria igual ao buraco nas contas da Previdência Social. A manobra de Obama sobre o salário do funcionalismo poderia, em última análise, se justificar caso ela fosse usada para adotar uma posição mais firme contra as exigências dos republicanos – a ocasião poderia ser aproveitada para declarar que, em tempos de déficit, a redução de impostos para os mais ricos é inaceitável.

Mas o presidente não fez isso. Aparentemente, o congelamento dos salários serviu como um gesto de paz voltado aos republicanos, e, por isso, foi anunciado um dia antes de uma conferência bipartidária. Nesse encontro, Obama, que enfrenta uma oposição radical há dois anos, disse que falhou ao não estender suficientemente a mão para seus inimigos implacáveis. Ao que se sabe, ele não tinha uma placa de "Me chute" pendurada nas costas, mas bem que poderia.

Não houve retribuição do outro lado. Pelo contrário. Os senadores republicanos declararam que nenhum dos projetos que estão na Casa – inclusive medidas importantes, como um tratado sobre armamentos vitais para a segurança nacional – seria votado antes que a questão das isenções fiscais estivesse resolvida, provavelmente nos termos favoráveis a eles.

A primeira impressão que se tem é que os republicanos entenderam como Obama funciona – eles blefam na certeza de que, a certa altura, o presidente irá ceder. A outra lição é que eles estão certos.

Fica a dúvida: no que Obama e seus auxiliares estão pensando? Eles realmente acreditam que, depois desse tempo todo, sinais de conciliação podem resultar em boa-fé do Partido Republicano?

Ainda mais enigmática é a indiferença da equipe de Obama em relação ao efeito que esse tipo de atitude causa entre seus apoiadores. Qualquer candidato aproveitaria o entusiasmo dos ativistas que o levaram a uma vitória retumbante nas primárias do Partido Democrata – e usaria esse entusiasmo como um grande trunfo. Ao invés disso, Obama insiste em desapontar sistematicamente seus antigos simpatizantes. É como se o presidente tentasse convencer as pessoas que o elegeram de que elas cometeram um erro.

Seja lá o que estiver se passando dentro da Casa Banca, daqui de fora parece que o governo sofre um colapso moral – uma completa falta de propósito e senso de direção.

O que os democratas devem fazer? A resposta é que eles precisam agir por conta própria. Os congressistas democratas, em especial, ainda podem jogar luz sobre os seus oponentes – como fizeram na última quinta-feira, quando forçaram a votação da redução de impostos para a classe média. Na ocasião, obrigaram os republicanos a assumir o desconfortável posicionamento de ser contra a medida para garantir cortes fiscais para os mais ricos.

Para os democratas, seria muito mais fácil marcar posição caso Obama fizesse a parte dele. Mas tudo indica que o partido terá de buscar em outro lugar a liderança de que necessita.

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