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De tempos em tempos, um político surge com uma ideia tão ruim, tão equivocada, que quase merece gratidão. Afinal de contas, são as péssimas ideias que ajudam a ilustrar até que ponto o discurso político saiu dos trilhos. Esse é o caso da proposta, feita pelo senador Joseph Lieberman, para elevar de 65 para 67 anos a idade mínima de ingresso no Medicare (programa de saúde pública dos Estados Unidos).

Assim como os republicanos que querem acabar com o sistema atual e substituí-lo pela distribuição de vale-seguros (de valor insuficiente), Lieberman descreve sua proposta como uma maneira de salvar o Medicare. O resultado não seria bem esse. Além do mais, o objetivo das propostas não deveria ser "salvar o Medicare", seja lá o que isso signifique, mas sim garantir que a população receba os cuidados de saúde de que precisa, a um custo que o país possa bancar.

É preciso que se saiba o seguinte: o Medicare economiza dinheiro – muito dinheiro – se comparado a um modelo que dependa de seguradoras privadas. Isso quer dizer que excluir pessoas do programa não apenas privaria muitos norte-americanos de atendimentos necessários como quase certamente aumentaria as despesas com a saúde.

Aceitar que o Medicare seja algo que poupa recursos financeiros pode ser difícil. Os gastos do sistema não subiram drasticamente com o passar do tempo? Sim, subiram. Descontada a inflação, a despesa por beneficiário elevou-se mais de 400% de 1969 a 2009. O mesmo cálculo aplicado aos planos de saúde privados, porém, mostra que eles ficaram 700% mais caros em igual período. Ou seja, embora seja verdade que o Medicare não teve um controle de gastos adequado, o setor privado saiu-se muito pior nesse quesito. Caso o acesso ao sistema público seja negado a pessoas de 65 e 66 anos de idade, elas serão forçadas a pagar – se puderem – por apólices particulares que custarão muito mais do que os mesmos serviços oferecidos por meio do Medicare.

Por falar nisso, o Medicare Advantage, que permite aos usuários do Medicare tradicional buscar cobertura no setor privado, oferece a evidência concreta de que os planos particulares são mais caros. O programa foi concebido para poupar gastos, mas, pelo contrário, o custo por beneficiário que ele repassa aos contribuintes é bem mais alto do que o serviço público convencional. E ainda há os indícios internacionais. Os EUA têm o sistema de saúde mais privatizado do mundo desenvolvido. O país também conta, de longe, com os tratamentos mais caros, mas toda essa despesa extra não resulta num ganho evidente de qualidade. A saúde é uma área em que o setor público faz um trabalho melhor do que o privado no que se diz respeito ao controle de gastos.

De fato, como aponta o economista (e ex-assessor de Reagan) Bruce Bartlett, a grande despesa individual com planos de saúde nos EUA, quando comparada aos gastos de outras nações no mesmo item, acaba anulando quaisquer benefícios que os norte-americanos obtêm por meio da relativamente pequena carga tributária do país. Então, onde é que está a vantagem de expulsar idosos de um programa reconhecidamente caro, o Medicare, e obrigá-los a aderir a seguros de saúde privados, ainda mais caros?

Não responda, porque o cenário seria ainda pior. Nem todas as pessoas de 65 e 66 anos que tivessem negado o acesso ao Medicare poderiam arcar com cobertura de saúde particular – na verdade, muitas ficariam simplesmente sem seguro. O que esses idosos fariam? Como demonstram os economistas e especialistas na área de saúde Austin Frakt e Aaron Carroll, os norte-americanos com pouco mais de 60 anos e sem cobertura frequentemente adiam exames e atendimentos necessários apenas para, a partir dos 65 anos de idade, se tornarem beneficiários que custam bem mais do que a média no sistema público. Esse padrão de comportamento seria intensificado e causaria um estrago ainda maior caso a idade mínima do Medicare fosse elevada. Frakt e Carroll sugerem que, sob a proposta de Lieberman, a despesa com o programa subiria ao invés de cair.

OK, a pergunta óbvia: Se o Medicare é tão melhor do que os planos privados, por que a última reforma da saúde simplesmente não estendeu a cobertura do sistema público para toda a população? A resposta está nos grupos de interesse político. Em termos realistas, dado o poder das seguradoras privadas, o Medicare para todos não seria aprovado, por isso os defensores da cobertura pública universal, entre os quais me incluo, se dispuseram a aceitar algo aquém do que acreditam ser o ideal. Mas a necessidade de fazer concessões políticas, e abrir mão da melhor solução para os jovens, não é motivo para desmontar um bom sistema para quem tem 65 anos ou mais.

Nada do que escrevi, no entanto, deve servir de desculpa para ser complacente em relação aos custos crescentes do sistema de saúde. Tanto o Medicare como os planos privados se tornarão insustentáveis, a menos que ocorra um esforço concentrado pelo controle das despesas – um tipo de esforço previsto na reforma aprovada no ano passado, mas que serviu para a demagogia dos "painéis da morte" inventada pelos republicanos. Porém a proposta de Lieberman – e a essência do projeto republicano para a saúde –, que na prática prevê a privatização do sistema que atende idosos, atrapalha ao invés de ajudar no controle dos gastos. Se o interesse estiver na contenção de despesas, deve-se oferecer programas similares ao Medicare para o maior número possível de norte-americanos.

Tradução: João Paulo Pimentel

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