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Na última quarta-feira, o presidente Barack Obama pediu aos norte-americanos que "expandam o conceito de moral, escutem uns aos outros com mais atenção, agucem os instintos de empatia e se lembrem que as esperanças e os sonhos individuais estão interligados". Foi um discurso bonito, que tocou no desejo de reconciliação existente entre os cidadãos.

Mas a verdade é que os Estados Unidos são uma nação profundamente dividida e é provável que se mantenham assim por um bom tempo. Devemos ouvir com mais cuidado o que os outros dizem, sem dúvida; o problema, eu temo, é que descobriremos como estamos distantes uns dos outros. A grande discórdia da política norte-americana, afinal de contas, não se dá em questões pragmáticas nem sobre quais medidas apresentarão os melhores resultados. A divisão existe no próprio conceito de moral que Obama pediu para expandir, ou seja, ela surge nas divergências acerca do que constitui a justiça. O grande desafio não está em como resolver essas diferenças – algo que não ocorrerá num futuro próximo –, mas em como expressá-las dentro de certos limites.

Quais são as diferenças de que estou falando? Um lado da política norte-americana considera o moderno Estado de bem-estar social – isto é, uma economia baseada na iniciativa privada, mas na qual quem ganha mais é taxado para custear uma rede de segurança social – moralmente superior ao capitalismo selvagem que existia antes do New Deal. De acordo com essa visão, é correto que os ricos ajudem os menos afortunados.

O outro lado crê que os indivíduos têm o direito de guardar o que recebem, e que cobrar impostos para amparar os mais pobres – não importa o quão necessitados – é roubo. Essa ideologia está por trás da retórica violenta dos dias de hoje. Muitos ativistas de direita realmente enxergam nos impostos e nas regulações uma restrição tirânica às suas liberdades.

Não existe um meio-termo entre essas visões. De um lado, interpretou-se a reforma do sistema de saúde dos EUA – e a cobertura subsidiada para aqueles que não tinham seguro – como o cumprimento de uma obrigação moral. Segundo essa perspectiva, os países ricos devem oferecer cuidados básicos aos seus cidadãos. Para o outro lado, a mesma reforma foi vista como um escândalo moral, um ataque ao direito dos norte-americanos de gastarem o dinheiro da maneira que bem entenderem.

A profunda divisão na moral política dos EUA é algo relativamente recente. Mesmo sem perceber, os comentaristas que lastimam o fim da civilidade e do bipartidarismo têm saudades dos tempos em que o Partido Republicano aceitava o Estado de bem-estar social como algo legítimo e até considerava expandi-lo. Como muitos analistas já indicaram, a reforma da saúde promovida por Obama – e cuja aprovação resultou em vandalismo e ameaças de morte contra congressistas – foi baseada em projetos elaborados por republicanos na década de 1990.

Mas isso é passado. Para o atual Partido Republicano, muito do que o governo faz é ilegítimo; para o Partido Democrata, não. Quando se trata das diferenças partidárias, é comum sugerir que elas são pequenas, algo que poderia ser resolvido com um pouco de boa vontade. Na realidade, entretanto, assistimos a um desacordo fundamental acerca do verdadeiro papel do Estado.

Quem acompanha minhas opiniões sabe de que lado eu me posiciono. Em futuras colunas, tenho certeza que gastarei muitas linhas para apontar a hipocrisia e a falta de lógica da turma do "ganhei, logo tenho o direito de manter". Também tenho muito a escrever sobre como os EUA estão longe de ser uma sociedade que oferece oportunidades iguais e na qual o sucesso depende apenas dos esforços individuais.

Por enquanto, a dúvida está no que se pode concordar com tamanha discórdia nacional.

De certo modo, a política como um todo se parece atualmente com a antiga disputa sobre o aborto – um assunto que gera conflitos baseados em valores fundamentais e no qual cada lado acredita que o outro está moralmente equivocado. Quase 38 anos já se passaram desde o caso Roe vs. Wade, mas essa briga está longe de ser resolvida. Mesmo assim, conseguiu-se, na maior parte das vezes, chegar a um acordo sobre algumas regras básicas em torno da controvérsia. É aceitável expressar sua opinião e criticar a dos demais, mas atos de violência ou que incitem à violência são inadmissíveis.

Os EUA precisam agora que essas regras básicas sejam estendidas ao debate nacional mais amplo. Neste momento, cada lado da discussão acredita fervorosamente que seu oponente está errado. Tudo bem nisso. O que não se pode aceitar é um tipo de retórica "eliminacionista", que alimenta a violência e que se tornou comum demais nos últimos dois anos.

Invocar o lado angelical da nossa natureza não é o suficiente. Os líderes dos dois partidos – ou, se necessário, Obama sozinho – precisam declarar que a violência ou a linguagem que denote a aceitação de violência estão completamente fora de questão. Todos desejam a reconciliação, mas a estrada que leva a esse objetivo começa com a aceitação de que as diferenças serão resolvidas dentro dos limites do Estado Democrático de Direito.

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