• Carregando...

Volta e meia atendo profissionais em meu escritório no intuito de conhecer suas histórias e aconselhá-los sobre os melhores rumos para suas carreiras, ou até mesmo ajudá-los com alguma recolocação, na medida do possível. Confesso que muitas vezes me deparo com situações deveras inusitadas, que me fazem refletir sobre o movimento do mercado, das contratações e dos profissionais de uma forma geral. Foi num desses atendimentos que conheci Joana, uma moça de 30 anos completamente insatisfeita com a forma como as coisas aconteciam em sua trajetória profissional.

Ao iniciar nossa conversa, já pude notar que havia algo de errado com a moça. Ela parecia desacorçoada e envergonhada. Ao falar, não olhava diretamente nos meus olhos, seu tom de voz era muito baixo, quase inaudível, e sua linguagem corporal denotava total desconforto na cadeira. Não sei se o incômodo era causado pela suposta timidez, ou se era por Joana estar muitos quilos acima do seu peso ideal. A verdade é que a moça sofria notavelmente de problemas com obesidade.

Joana relatou os últimos anos de sua vida profissional de uma maneira sem entusiasmo. Pela idade e pelos atributos técnicos que possuía, deveria ocupar pelo menos um cargo de coordenação. Mas, infelizmente, e ela não sabia explicar o porquê, ainda respondia como analista financeira de uma empresa sem notoriedade no mercado brasileiro. E, o que era pior, não possuía nenhuma perspectiva de crescimento nos próximos anos. Sua carreira se mostrava estagnada e sem nenhuma possibilidade de deslanchar. Ela tinha consciência, porém, de que o problema não estava em sua formação, pois sempre investira bastante em sua empregabilidade. Por outro lado, admitia não ser uma pessoa tão fácil de se conviver, já que sua baixa autoestima pela obesidade lhe causava constantes problemas de relacionamento.

Perguntei a ela, então, se alguma vez ela havia recebido algum feedback relacionado ao fato de ela estar acima do peso. Com as faces rubras, Joana contou sobre certa vez em que um chefe, tomado por um acesso de nervosismo, insinuou que, assim como ela poderia ser desleixada com sua alimentação e sua saúde, poderia, também, ser descuidada com seu trabalho e com suas responsabilidades. A moça contou que ficou dias deprimida com o que ouviu. Pensou em processá-lo por assédio moral, em pedir demissão, e até em desistir da profissão e ir em busca de um emprego autônomo, onde não precisasse mais ouvir grosserias de nenhum chefe desaforado. Porém, tomada por sua insegurança, permaneceu onde estava, sem sequer exigir que o chefe se retratasse da indelicadeza que havia cometido com a jovem.

Em seguida, Joana se lembrou de outra vez, quando estava em um evento importante na área de finanças e tentava se aproximar das pessoas desconhecidas para formar um vínculo profissional, sendo, porém, sempre rechaçada. De acordo com a moça, foi muito constrangedor tentar puxar papo com pessoas desconhecidas que simplesmente a repeliam, virando-lhe as costas e deixando-a excluída. Depois desse evento, negou-se a ir a qualquer ambiente em que não pudesse ter um acompanhante.

Perguntei a Joana o que exatamente a incomodava mais: a sua aparência física ou a maneira com que as pessoas aparentemente reagiam a isso. A moça, curiosamente, assumiu que sentia um complexo muito grande por ser como era. Explicou-me que tinha problemas com seu metabolismo muito lento, e, por mais que tentasse emagrecer, não conseguiria, já que o problema a impedia de emagrecer. Foi então que mostrei à moça que o que a deixava abandonada do meio social não eram as pessoas à sua volta, mas ela própria. Seu complexo com a própria aparência era tão evidente que ela mesma se excluía do convívio social. Sem que ela percebesse, afastava as pessoas a quilômetros de distância de si mesma. Com isso, mantinha-se fechada em seu mundo, sem permitir que suas competências comportamentais aparecessem tanto quanto suas competências técnicas, o que a deixava estacionada na carreira. Era uma bola de neve. Quanto menos ela se importava em estar bem consigo mesma, mais ela regredia profissionalmente.

Não nego que haja preconceito com os gordinhos; porém, para crescermos na carreira, vários fatores são levados em consideração, inclusive a maneira com que você se comporta diante de suas próprias condições. Ainda falarei um pouco mais sobre esse preconceito e sobre a importância de se manter bem e alheio a pormenores que, definitivamente, não compõem um bom profissional.

Mande sua história para coluna@debernt.com.br e siga www.twitter.com/bentschev

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]