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Superávit

Pouca ênfase na política fiscal contribui para perpetuar quadro

O poder de manobra do governo para controlar a inflação tem caído, juntamente com a performance das contas públicas. O desempenho mais recente das contas, de julho, já mostra influência nas novas expectativas de atingimento da meta de inflação. Em julho, a dívida líquida do setor alcançou quase R$ 1,8 trilhão (35,1% do PIB), um aumento de 0,1 ponto percentual do PIB em relação ao mês anterior.

Para 2014, a meta total de superávit (poupança) para as contas do setor público, o que inclui todos os governos, é de 1,9% do PIB, ou cerca de R$ 100 bilhões. Para o governo federal, é de 1,55% do PIB (R$ 83,7 bilhões). No total, está em R$ 24,7 bilhões no acumulado do ano. Em 2013, no mesmo período, era de R$ 54,4 bilhões. A Fazenda já reconheceu, no fim de agosto, que a meta do ano será difícil de alcançar sem "mudanças de rota", nas palavras do ministro Guido Mantega.

Jogou a toalha

Para Alex Agostini, economista da agência de risco Austin Ratin, o fato de o governo aparentemente ter "jogado a toalha" em relação ao superávit contribui para o paradoxo econômico que o país vive. "Creio que a dissociação entre política monetária e fiscal é o que tem mais pesado para o quadro de atividade econômica fraca e inflação em alta", diz. Os economistas Samuel Pessôa e Carlos Kawall defendem que a meta deveria ser menos ousada, desde que fosse perseguida.

Lucas Dezordi, da Universidade Positivo, destaca outro fator: o nível de salário, que se mostra incompatível com a produtividade. Ele avalia que o governo toma providências para isso – o projeto de lei orçamentária para 2015 prevê reajuste mais próximo da inflação para o salário mínimo –, mas categorias do funcionalismo vão na direção oposta. "Temos de discutir se o mínimo pode ter reajuste de 7,5% e os juízes podem subir o próprio salário em mais de 20%. Daí quebra o país".

Projeções mais e mais elásticas

À medida em que o combate à inflação fracassa, ele se torna mais difícil porque as projeções são contaminadas – e elas têm poder de influenciar a situação real. "Parece agora que o normal para o Brasil é uma inflação de 6% ao ano, e não é. Isso dificulta a convergência da meta", diz Carlos Kawall, do Safra. Isso explica o porquê de o centro da meta da inflação, fixado em 4,5% ao ano desde 2005, parecer cada vez mais distante de ser alcançado. Outro reflexo está nas expectativas do boletim Focus, do Banco Central. O relatório do último dia 19 mostra uma perspectiva de mercado fixada em inflação de 6,3% ao ano. No final de fevereiro, era de 6%.

Alta e cada vez mais resistente, a inflação brasileira parece desafiar um preceito econômico. Em tempos de baixa atividade econômica, a tendência é que o reajuste de preços recue. O primeiro semestre, porém, mostrou que, mesmo com a economia em recessão técnica e com juros mantidos altos, a inflação deve demorar a ceder.

INFOGRÁFICO: Confira como ficou a inflação comparada ao ano passado

Segundo ata do dia 11 sobre a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o atingimento da meta de 4,5% ao ano ocorrerá em 2016. Mas os economistas vão além: a inflação chegará a esse patamar em meados de 2017 e apenas se as políticas econômica e fiscal forem revistas e alinhadas. Hoje, a inflação acumulada nos últimos 12 meses está em 6,51%, segundo o IPCA de agosto.

Especialistas divergem sobre o peso dado a cada fator que contribui para a inflação persistente, mas concordam que descompassos nas políticas de governo estão no centro da questão (veja quadro). Outros aspectos influenciam: o fato de a política fiscal apresentar resultados ruins e o salto no nível dos salários, que aumenta o poder de compra da população sem representar produtividade na mesma medida. Esse último fator favorece que preços do setor de serviços continuem sendo reajustados acima da inflação.

As ações de estímulo ao crédito, que ocorrem simultaneamente a medidas para desacelerar o reajuste de preços, explicam por que a desaceleração contribuiu para baixar apenas "um pouco" a inflação, diz o economista Samuel Pessôa, do Instituto Millenium. O efeito não foi maior pois, na outra ponta, o governo alimenta o consumo, enquanto mostra dificuldade para enfrentar um problema estrutural: baixa oferta. O economista avalia que, nesse cenário, os incentivos fiscais para setores industriais – que, em tese, deveriam aumentar a capacidade produtiva – surtem efeito contrário ao alavancar o déficit público.

Direção oposta

O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, avalia que as desonerações têm sido benéficas quando visam a destravar o mercado e reduzir custos -- como em parte prevê o pacote de estímulo a financiamentos de bens lançado pela Fazenda no fim de agosto. Já as que injetam dinheiro em bancos públicos para aumentar a oferta de crédito são obstáculos na guerra contra a inflação. Isso também consta no pacote, que deve aumentar a oferta de crédito em R$ 25 bilhões. "Elas estão indo na direção contrária da [meta da] alta de juros, são conflitantes", diz Kawall, que foi secretário do Tesouro Nacional no primeiro governo Lula.

Desacelerar o consumo em 2015 será obrigatório, afirma Kawall. É o ano em que preços administrados (tabelados) que vinham sendo represados pelo governo devem continuar a subir -- como os combustíveis e a energia elétrica. E o freio baixaria preços no setor de serviços, o carro-chefe da inflação desde 2010. "Isso teve a ver com um processo saudável de inclusão social, de melhora de renda, mas que em um determinado momento alcançou um limite".

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