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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrentará a resistência de opositores para emplacar a reforma tributária sobre o consumo planejada pelo governo.| Foto: EFE/André Borges

A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer fazer valer o tamanho de suas bancadas na Câmara e no Senado e não facilitar a tramitação da reforma tributária nos moldes pretendidos pelo governo federal.

O Palácio do Planalto sinaliza com a proposta de uma reforma "fatiada", tendo como primeiro passo a unificação de tributos sobre o consumo, ideia que não tem unanimidade no Congresso.

O governo dá sinais de apoio a uma reforma tributária que contenha pontos consensuais entre as propostas de emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e 110/2019. As duas propõem a fusão de tributos sobre o consumo na forma de um único tributo, um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A PEC 45, que tramita na Câmara, junta em um único imposto o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. A PEC 110, que tramita no Senado, é mais abrangente e unifica IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Cide-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS.

Em 2021, uma junção entre as duas PECs chegou a ser discutida no Congresso pela relatoria do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mas foi abortada por um movimento político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que retaliou o correligionário em aceno ao governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

O objetivo do governo Lula é prestigiar a espinha dorsal da PEC 45, que tem como autor intelectual o secretário extraordinário para a reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. O autor político é o deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional do partido. A ideia do governo de aproveitar pontos consensuais das duas redações tem por objetivo prestigiar senadores, uma vez que o Planalto estima ter menos votos para aprovar uma PEC no Senado do que na Câmara.

Ocorre, contudo, que a proposta de reforma tributária sobre o consumo por unificação de impostos não tem unanimidade nem amplo consenso no Congresso. Uma parcela considerável da oposição prefere desonerar o setor produtivo sem a previsão de impostos ao longo da cadeia de produção por um IVA.

A oposição liderada pelo Partido Liberal (PL) a Lula defende, por exemplo, uma reforma tributária com o conceito do modelo norte-americano sales tax, em que o imposto sobre o consumo é cobrado apenas na etapa de venda ao consumidor final da mercadoria, em vez da incidência na cadeia produtiva proposta nos modelos de IVA.

Como oposição se propõe a enfrentar a reforma tributária do governo

Os opositores a Lula calculam ter aproximadamente 250 votos contra o governo na Câmara e 32 votos no Senado – este é o total de senadores que apoiou a candidatura do senador Rogério Marinho (PL-RN) à presidência da Casa. Com essa base no Congresso, há o entendimento de que é possível, no mínimo, não permitir que o governo aprove a reforma tributária como quer.

A oposição acha improvável barrar o ímpeto do governo em avançar com um texto que extrai consensos entre as PECs 45 e 110, mas opositores prometem disposição para tentar encaixar pontos possíveis da PEC 7/2020, de autoria do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e inspirada no modelo norte-americano de sales tax.

O intuito de opositores é tentar avançar essa proposta ou incorporar trechos dela ao anteprojeto que será elaborado pelo grupo de trabalho proposto pelo presidente da Câmara a deputados para a discussão da reforma tributária.

Lira disse a lideranças que planeja criar a comissão após o Carnaval. A coordenação do grupo deve ficar a cargo do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), ex-líder do partido, e a relatoria deve ficar a cargo do deputado Aguinaldo Ribeiro. Opositores articulam, agora, membros para compor o grupo de trabalho, incluindo nele parlamentares que participaram da comissão especial que aprovou a PEC 7 no fim do ano passado.

Relatora da PEC 7 na comissão especial, a deputada Bia Kicis diz que, se por acaso não houver condições do texto avançar no grupo de trabalho da reforma tributária, ela vai trabalhar para que a PEC 45 possa incorporar trechos de sua relatoria.

"A PEC 45 vai demandar muitas discussões porque ela tem muitos problemas. Basta ver a proposta do tempo de transição da PEC 45, que é muito complexa e continua amarrada em princípios que são totalmente defasados e obsoletos, que não estão funcionando, como a questão da oneração da cadeia produtiva [pelo sistema do IVA]. Acredito que o sistema do sales tax é o que vai resolver a questão tributária no Brasil", afirma.

Presidente da comissão especial da PEC 7, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) acredita que uma unificação entre propostas de reforma tributária é possível. "Qualquer uma que venha para o plenário possibilita a gente poder avançar. Aprendi ao longo dos oito anos [de mandatos] que não vamos conseguir uma grande mudança de uma vez só", avalia.

O deputado entende que a instituição de um grupo de trabalho ou nova comissão especial para discutir uma reforma tributária seja até positivo para avançar a discussão. "Vai chover de ideias e surgir uma nova ideia diferente das outras que estão aí", pondera.

O parlamentar defende, contudo, é preciso ser mais ousado. "Por isso entrei na PEC 7. O governo está pensando na PEC dele, mas [nela] o setor de serviços, que é quem mais emprega, padece", critica.

O que opositores acham da reforma tributária defendida pelo governo

A deputada Bia Kicis considera que existe uma "distância grande" entre as PECs 7 e 45. "A PEC 7 propõe um sistema bem simplificado, é uma mudança estrutural no nosso sistema tributário e ela não entra nas políticas de alíquotas, nada disso, isso fica para lei complementar. É um avanço imenso e deixa para trás esse sistema do IVA, que é cumulativo, e acaba com a oneração da cadeia. Nenhuma outra proposta trata dessa forma a reforma tributária", destaca.

O parecer de Bia manteve o cerne da proposta, que concentra a tributação em apenas três categorias de impostos – sobre consumo, renda e propriedade – mas cria uma regra de transição, preserva tributos como a CSLL e mantém a existência dos fundos de participação dos estados e dos municípios.

Orleans e Bragança, autor da PEC 7, considera que sua proposta é melhor que as PECs 45 e 110 ou mesmo que a junção proposta pelo deputado Aguinaldo Ribeiro justamente por não impor uma unificação de tributos em um único imposto. "Essas propostas acabam com a autonomia estadual e cria um problema maior do que já existe hoje", diz o deputado.

Ele discorda da ideia de concentração da arrecadação nas mãos da União e avalia que propostas como a PEC 45 não asseguram "garantia de repasse" aos entes subnacionais. "Imagina toda a arrecadação feita em estados e municípios e toda controlada pela União. Prefeitos e governadores não têm mais responsabilidade arrecadatória, mas como funciona o repasse? Os precatórios estão aí e provam que os repasses não funcionam, fora que isso é uma ingerência absoluta do pacto federativo, é uma subversão do pacto federativo e por isso não vai adiante", avalia.

A relatoria da PEC 7 assegura que todas as três esferas federativas possam tributar suas operações de consumo final, ainda que o destinatário seja uma pessoa jurídica. Orleans e Bragança considera um "atropelo" as articulações para sobrepor a reforma tributária à sua proposta. Entre as propostas que tramitam no Congresso, é a única com condições de ser votada em plenário, uma vez que teve sua admissibilidade constitucional aprovada em Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o mérito em comissão especial.

O deputado Joaquim Passarinho cita a desoneração da folha de pagamentos como principal fator de defesa à PEC 7. "Precisamos avançar nessa área da desoneração da folha. Por que as outras PECs não andaram? Aglutinam impostos, todas são boas, mas a expectativa de uma reforma tributária é sempre em arrecadar mais e distribuir esse recurso, mas nenhuma das duas [45 e 110] faz isso, porque elas partem do mesmo princípio de arrecadação que existe hoje e você deixa de fora uma movimentação financeira muito grande que nem é taxada", comenta.

O parlamentar defende que a desoneração sobre a folha possa ser ajustada e calibrada com regras específicas e pondera que a receita renunciada possa ser recomposta mediante alguma tributação análoga à extinta contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF), como defendia o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes.

"Se não aumentar o bolo não aumenta a fatia, e para aumentar o bolo preciso de arrecadação diferenciada. Mas não posso também introduzir CPMF, a menos que fosse proposta como um instrumento para pagar a seguridade social e desonerar a folha, que seria um [imposto] posterior à desoneração", diz Passarinho. "A maior dificuldade da PEC 7 é que qualquer mudança muito radical mete muito medo", acrescenta.

O que o governo Lula diz sobre a reforma e o que pensa da PEC 7

A PEC 7 defendida pelos opositores encontra resistências na equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O próprio Bernard Appy discordou da descentralização sugerida em audiência pública na comissão especial e alegou que o texto defendido pela atual oposição é prejudicial aos municípios.

"Um pequeno município do Maranhão não tem a menor possibilidade de se financiar tributando apenas renda, consumo, que é limitado porque a população é pobre, e patrimônio, que tem pouco valor. Esse é o tipo de município que vive hoje basicamente com recursos do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]", disse. "Na forma como está, é inviável politicamente o avanço dessa proposta [PEC 7]”, acrescentou.

Appy também rechaçou a ideia de que o IVA onera a cadeia produtiva e sustentou que o imposto é perfeitamente ajustável à economia digital. Ele também criticou a PEC 7 no trecho em que retira a tributação sobre o consumo entre pessoas jurídicas. "Ao desonerar a produção de empresas, muitas pessoas que são sócios de empresas vão jogar seu consumo pessoal para dentro da empresa para não pagar imposto”, afirmou.

A meta do governo é ter o texto aprovado até o fim de junho, afirmou na segunda-feira (6) o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. "Acredito que [a reforma] possa ser aprovada ainda neste primeiro semestre. Tem que aproveitar o início do governo para aprovar as PECs, aquilo que exige uma mudança da Constituição e maioria qualificada", disse em fórum sobre economia verde realizado pelo BandNews TV, em São Paulo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considera que uma aprovação no primeiro semestre é possível se o governo "for diligente e trabalhar duro". "Eu vejo muito amadurecimento das duas Casas, tanto Câmara dos Deputados, quanto Senado Federal, de buscar esse resultado. Haveria chance de votar no primeiro semestre, na minha opinião. Se nós formos diligentes, se nós trabalharmos duro, há, inclusive essa hipótese", declarou após uma reunião com líderes partidários da base do governo na Câmara.

A fim de assegurar uma aprovação rápida, o governo estuda propor uma versão reduzida da reforma tributária tendo como base as PECs 45 e 110. Segundo o site Poder 360, seriam retirados cinco temas do texto que podem criar entraves na discussão, como o Simples Nacional e áreas da saúde, educação, transporte público e incorporações imobiliárias.

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