• Carregando...

A consultoria Deloitte divulgou, na semana passada, uma pesquisa sobre a intenção de compra dos consumidores brasileiros neste fim de ano. Os resultados são interessantes porque expõem uma situação quase contraditória: o consumidor relata que sua situação financeira melhorou em relação ao ano anterior, mas conta que pretende gastar menos. E não é um pouco menos – de acordo com o levantamento, as pessoas planejavam gastar de R$ 50 a R$ 99 por compra em 2011; neste ano, a previsão vai de R$ 10 a R$ 30.

É preciso dar um desconto para pesquisas como essa, especialmente no que se refere aos valores. Há pelo menos duas razões, uma objetiva e outra subjetiva, para que elas falhem em seu objetivo de retratar a realidade. Objetivamente, pouca gente é tão organizada para saber exatamente quantos presentes vai comprar e quanto pretende gastar, um mês antes do Natal. Pelo lado subjetivo, muita gente simplesmente exagera esses valores (ou ainda deixa-se levar pela compra de impulso e acaba por gastar bem mais). Comparando a pesquisa de um ano com a do seguinte, entretanto, esses fatores se anulam entre si e o que sobra é a constatação de que o consumidor está ressabiado. E está pensando em comprar menos.

Isso não deixa de ser surpreendente porque, em geral, a pesquisa aponta que o consumidor acha que sua vida financeira está melhor este ano do que na mesma época do ano passado. Esse otimismo não é uma característica só dos consumidores: se olhar a reportagem da página 18, o leitor verá que 62% dos empresários entrevistados pela Paraná Pesquisas contam não ter sentido diretamente os efeitos da crise. Além disso, o desemprego é o mais baixo do século. Por que, então, o consumidor está pisando no freio?

A prudência atual, diz o professor João Basílio Pereima, da Universidade Federal do Paraná (UDPF), é fruto da percepção de que o passado não se repete. "O desemprego é baixo, mas não estamos em uma fase de euforia como foi o período 2010/2011, em que um grande contingente de pessoas que estava fora do mercado de trabalho ganhou emprego com carteira assinada. Agora, todo mundo está sabendo que o Brasil não está crescendo como deveria", resume.

Pereima observa que o consumo explosivo do fim do ano passado foi consequência do "incremento líquido de mão de obra" – ou seja, de um número de contratações muito superior ao de demissões –, que não deve mais ser tão intenso. Segundo dados do Ministério do Trabalho, o saldo de 2010 foi de 2,5 milhões de postos; em 2011, foram 1,94 milhão. Para este ano, o governo espera chegar a 1,4 milhão, mas pode ser menos.

Assim, o brasileiro está se sentindo seguro com seu emprego, mas não quer ser pego de surpresa. Faz sentido.

E agora?

A aparente contradição entre um mercado de trabalho em alta e um crescimento econômico em baixa é um dos temas do boletim Análise Mensal, publicado pela UFPR (e que tem o professor Pereima como um dos editores). Contradição porque é de se esperar que, se o país não consegue aumentar a geração de riquezas, as empresas optem por dispensar trabalhadores. Isso já ocorreu no Brasil – na desaceleração de 2009, por exemplo –, mas há dois anos o país está traçando caminho inverso: o desemprego está abaixo de 5,5% da população economicamente ativa, mesmo com uma expectativa de crescimento rasinha, por volta de 1,2%.

A resposta está na forma como as empresas estão lidando com a fase de crescimento baixo. "Em vez de demitir, elas estão diminuindo a carga horária, cortando horas extras", diz. A efervescência do mercado de trabalho é quem dita as regras. "É arriscado colocar o cara na rua, porque a empresa pode ter custos muito maiores se tiver de recontratá-lo daqui a um ou dois meses", diz Pereima.

Por trás dessas análises e cálculos, há uma boa notícia: a lógica mostra que os empresários acham que a fase ruim será curta. "Se a expectativa for de que a fase de desaceleração é passageira, então uma estratégia de demissão agora para recontratação futura poderá causar sérias restrições à capacidade de produção, pois no exato momento em que a atividade econômica se recuperar e a economia voltar a crescer a taxas superiores à 3,0% a.a. [ao ano] haverá dificuldades de encontrar mão de obra no mercado para aumentar a produção. É preferível, portanto, não demitir e adequar o processo produtivo por meio de ajuste na jornada de trabalho ou na quantidade de horas trabalhadas", diz o artigo. Parece ser exatamente o que está acontecendo.

Manifeste-se

Escreva para financaspessoais@gazetadopovo.com.br.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]