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A Argentina terá um ano novo complicado, com uma das taxas de inflação mais altas do mundo, mais recessão e aumento do desemprego. Este é o cenário traçado pelo ex-ministro da Economia Domingo Cavallo, que acredita que o país tampouco conseguirá chegar a um acordo com os chamados "fundos abutres", para sair do calote.

Cavallo assegura que o governo Kirchner não quer um acordo com os credores que entraram na Justiça americana contra o país, "porque assim poderá acusá-los de serem os responsáveis pela crise". "A região vai enfrentar desafios importantes no ano que vem", disse o ex-ministro, que prevê menor crescimento em quase todos os países do continente.

O calote da dívida argentina continua. O senhor acredita que o problema será resolvido a curto prazo?

A situação da Argentina hoje não é muito diferente da que o país viveu há 12 anos. A falta de um acordo com os chamados "fundos abutres" impediu que o país pudesse emitir dívida em Nova York, mas essa é uma restrição que temos desde o calote de 2002. Parece que este governo, que se financiou com fundos do Banco Central, da Anses [o INSS local]; no passado, com apoio da Venezuela; e, agora, com alguma ajuda da China, vai utilizar esses mecanismos para tentar chegar ao fim de 2015 sem uma explosão da inflação.

Toda a ilusão que existe em Wall Street de que a partir de janeiro, com o vencimento da cláusula Rufo [que estabelece que, se o governo fechar um acordo com os holdouts, deve oferecer as mesmas condições aos credores reestruturados], seria alcançado um entendimento, está fundamentada no que seria um comportamento racional de qualquer governo. Mas, na Argentina, devemos entender que este governo não funciona com esse esquema de pensamento. Este governo considera, pelo contrário, que um eventual acordo afetaria seu relato da realidade.

Como será 2015 nesse cenário?

O ano de 2015 será muito difícil, com recessão, inflação mais alta, desemprego também em alta, e o governo precisará de algum culpado. Os "fundos abutres" e o exterior, em geral, são candidatos a serem usados como culpados. Também é equivocado pensar que, com um acordo, o governo conseguiria melhorar a situação econômica. As causas de recessão, da inflação e do desemprego têm pouco a ver com o problema da dívida. Esses problemas são frutos de desequilíbrios criados por políticas internas.

Quais políticas?

A política de subsídios e congelamento de tarifas, por exemplo, criou muitos problemas, entre eles afugentou os investimentos. Nossa infraestrutura é muito precária, caiu a produção de gás e criou-se uma rede de subsídios que tem enorme peso no gasto público.

A Argentina terá um ano complicado?

Sim, bem mais que em 2014.Toda a região está crescendo menos.A região vai enfrentar desafios importantes. O Brasil, sem dúvida. Os que dependem das exportações de commodities terão dificuldades. Alguns países estão mais bem preparados do que outros, como Chile, Peru, Colômbia e México, que têm acordos de livre comércio com os EUA. A Argentina está em situação muito pior do que o Brasil, que terá menor crescimento e será obrigado a fazer ajustes. Mas o Brasil tem inflação de 5%. A da Argentina supera 40%.

A economia será o eixo da próxima campanha eleitoral [as presidenciais serão em outubro de 2015]?

Acho que a crise econômica já é um assunto central do cenário eleitoral. Cristina [Kirchner] perdeu as legislativas de 2013 e foi obrigada a abandonar o projeto de uma nova reeleição pela situação econômica, principalmente a inflação. As novas alternativas dentro do peronismo, como [o deputado Sergio] Massa, surgiram com força, em grande medida, pela recessão. Acho que os eleitores não votarão pela continuidade do esquema kirchnerista.

Poderia ganhar um peronista?

Claro, poderia ganhar um peronista, como Massa ou Scioli [Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires]. E, dessa forma, o kirchnerismo perderia muito poder.

E se ganhasse um opositor ao peronismo, como o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri?

Nesse caso, o kirchnerismo ficaria mais fortalecido, porque continuaria sendo forte dentro do peronismo. O kirchnerismo lideraria a oposição e o peronismo. Já com um presidente peronista, ele seria líder do peronismo e do país. Na minha opinião, a estratégia do kirchnerismo é apostar na vitória de Macri e não de outro peronista.

O senhor acredita que o ministro da Economia, Axel Kicillof, fica até o fim do mandato de Cristina?

Acredito que sim, porque Kicillof é visto por Cristina como a pessoa que melhor interpretou o kirchnerismo.

No passado, o senhor era consultado pelos Kirchner...

Sim, por Néstor Kirchner, quando era governador. Ele era um homem que queria poder, em todo sentido, econômico e político. Quando ele me consultava e apoiava fervorosamente a política liberal da década de 1990, era porque ele era beneficiado. Ele ganhou sua primeira eleição graças ao plano de conversibilidade [paridade entre o dólar e o peso]. E suas sucessivas eleições foram possíveis porque havia crescimento econômico. A privatização da YPF permitiu que o governo nacional pudesse pagar a sua província [Santa Cruz] cerca de US$ 700 milhões.

Em 2012 o kirchnerismo expropriou a empresa...

A adesão de Kirchner a nossas políticas era por conveniência, não por convicção.

Qual é o verdadeiro kirchnerismo?

Um governo com ambição de poder político e econômico, sem escrúpulos para acumular esse poder.

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