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Em Itabirito, Minas Gerais, quase não há família que não tenha alguém que trabalha ou trabalhou na mineração. Desde o século 17, a economia da região depende daquilo que vem de debaixo da terra – então o ouro, hoje o minério de ferro.

Atualmente, a cidade de 43 mil habitantes depende economicamente da Vale: mais da metade da arrecadação do município vem da mineradora.

Por isso, quando em outubro do ano passado a empresa anunciou a redução da produção de ferro por conta da crise internacional, a cidade ficou apreensiva. E logo tiveram início as demissões em todos os setores de Itabirito: 1,1 mil só em dezembro, mais de 10% dos empregos formais do município.

"Comércio e serviços são derivados da indústria. Os serviços, principalmente em cidades pequenas, são fruto de uma renda gerada na indústria", explica Marco Crocco, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

"Essas cidades são como 'roda de bicicleta': tem uma roda central, que é a indústria, cheia de raios do lado, que não existem sem o aro central."

Com a queda brusca da demanda no mercado externo e a dificuldade em manter grandes estoques, os setores de mineração e metalurgia são alguns dos mais afetados pela crise mundial, deteriorando as condições das cidades que vivem em seu entorno.

Mas não são os únicos: vestuário, papel, madeira, calçados, alimentos e outros setores têm sofrido reflexos da crise. E, com eles, surgem as preocupações em Dois Vizinhos (PR), Telêmaco Borba (PR), Três Barras (SC), Itabira (MG), Ouro Branco (MG), Itapetinga (BA), Eunápolis (BA), Rio Verde (GO), cidades onde uma única indústria é a base da economia.

Segundo o professor Crocco, existe uma lógica positiva por trás da "especialização" das cidades.

"A vantagem é que você cria possibilidades melhores para o desenvolvimento desse setor. Você consegue economizar fretes, facilitar treinamento de pessoal, melhorar o fluxo de informação. Quando você tem uma grande indústria, você tem a firma que fornece comida para ela, a que faz a limpeza, a que confecciona o uniforme", diz ele. "O problema é que, se esse setor tem uma crise, a cidade vai para o buraco".

Protestos e carnaval

No quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, os efeitos da crise já são visíveis. Em Itabira, cidade onde 75% do orçamento é ligado à Vale, mais de 2 mil pessoas perderam o emprego em novembro e dezembro do ano passado, em um efeito dominó que já afetou o comércio e provocou protestos na cidade.

"Existe uma dependência muito grande da Vale com relação à geração de emprego, renda e receita pública. E com a instalação dessa crise a Vale diminuiu bastante as suas atividades, inclusive paralisando uma das minas. E provocando a demissão de cerca de 1,5 mil pessoas. Isso acaba gerando efeito em cascata, porque afeta o comércio, afeta outras indústrias", lamenta o prefeito de Itabira, João Izael Querino Coelho.

Segundo Coelho, o orçamento de Itabira "encolheu" cerca de 20%, ou em R$ 30 milhões, prejudicando até o carnaval da cidade. "O que estamos fazendo é reduzir despesas para equacionar a redução das receitas. Neste ano, não teremos carnaval. Vamos reduzir 50% dos gastos de tudo".

"A cidade perde muito por ser tão dependente de uma única indústria, por essa dependência quase exclusiva. Somos uma cidade de 110 mil habitantes, que precisa continuar caminhando, precisa continuar viva", lamenta o prefeito.

Na vizinha Itabirito, a festa de carnaval ainda vai acontecer, mas terá menos luxo neste ano.

"A crise infelizmente já chegou aqui, e chegou para valer. Já perdemos R$ 2 milhões de arrecadação por mês, e temos que remanejar o orçamento. Carnaval, que gera muita coisa para a cidade, vamos investir R$ 600 mil, não R$ 1 milhão este ano. Vamos diminuir os incentivos que os blocos recebem", conta o prefeito interino Alexander Salvador de Oliveira.

Na cidade, o corte de vagas já chegou à Prefeitura. Segundo Oliveira, cerca de 20% do pessoal de cada secretaria – exceto saúde e educação - será suprimido. "Não é nada absurdo, mas tem que fazer", justifica.

Segundo o prefeito, o efeito das demissões ainda não chegou ao comércio, mas não deve tardar: "quem perdeu o emprego recebeu as indenizações, então ainda não deu tempo de chegar o efeito no comércio. Mas com certeza em um mês, um mês e pouco isso deve acontecer".

Região Sul

Localizada no sul do Paraná, Dois Vizinhos tem cerca de 34 mil habitantes. Desde 1978, o município é sede de uma unidade da Sadia, responsável por 2,8 mil empregos diretos e mais de 8 mil indiretos.

"Desde que a empresa se instalou, Dois Vizinhos teve um crescimento acentuado, a cidade se modernizou. A Sadia é uma grande empresa, não só para nós, mas para toda a região. Gera muitos dividendos e muita arrecadação", diz o prefeito Zezinho Ramuski.

Mas, em dezembro, a interdependência entre cidade e a empresa responsável pela maior arrecadação municipal tornou-se motivo de preocupação. Com o agravamento da crise mundial, a Sadia anunciou que faria "paradas técnicas" em suas unidades, para reduzir os estoques destinados à exportação e os funcionários entraram em férias coletivas de 20 dias.

A Sadia diz não prever demissões, mas Dois Vizinhos se mantém alerta. "Para nós, uma crise maior na Sadia teria uma consequência desastrosa. Deus permita que isso não venha a acontecer. Nós somos a capital nacional do frango, vivemos no entorno da Sadia. Fizemos um trabalho grande para evitar problemas, mas há essa preocupação. Vamos torcer para que isso não venha a ocorrer", diz o prefeito.

Três Barras, em Santa Catarina, também observa com atenção a evolução da crise. A economia do município é dependente da fabricante de papéis Rigesa – filial da norte-americana Meadwestvaco que, lá fora, já fechou uma fábrica, demitindo quase 300 pessoas.

Na cidade, ainda não há notícias de demissões no setor. Mas o prefeito, Eloi José Kege, admite a preocupação. "A sustentação do nosso município se dá em cima da Rigesa. Não só de empregos diretos, mas principalmente os indiretos. Ainda não houve demissões, mas é uma das nossas preocupações. Se entrar em colapso, nosso município seria fatalmente afetado", diz.

Segundo o prefeito, a cidade está investindo para reduzir essa dependência. "A gente está querendo ajudar indústrias a se instalar aqui. É uma região que tem potencial bom no estado de Santa Catarina, mesmo sendo uma das mais pobres".

A preocupação é a mesma em Telêmaco Borba, no Paraná. Na cidade, o principal motor da economia é uma fábrica da Klabin, também do setor de celulose e papel, voltado à exportação.

"Tem havido uma diminuição de oportunidades em função da crise", diz o prefeito Eros Danilo Araújo. "Temos observado redução do emprego, e agora mais intensamente em 2008, com o agravamento da crise nos Estados Unidos. Isso nós sentimos fortemente".

Segundo Araújo, a situação da indústria no município é tranquila. Mas o pessimismo já contamina os demais setores da economia. "Já se percebe retração no ambiente econômico, de consumo, pelo próprio anúncio da crise", diz o prefeito.

"Mas isso não é particularidade do nosso município, é do país inteiro. Se o nosso município está em cheque, também está o Brasil e a comunidade internacional", afirma.

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