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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Sempre que a crise bate à porta, a inovação é praticamente jogada pela janela. Não foi diferente desta vez. Diante da recessão econômica, a geração de novas ideias e produtos despencou ao menor nível dos últimos anos – menos de 40% das empresas inovaram no primeiro trimestre de 2016. Mas essa procrastinação do Brasil em relação à inovação pode custar caro no futuro. A cada ano que passa, o país perde a chance de aproveitar as vantagens do “bônus demográfico” para dar um salto de crescimento e, cada vez mais, corre o risco de envelhecer antes de se tornar uma nação desenvolvida.

A inovação é apenas uma das frentes no caminho para o enriquecimento, mas nenhum país que chegou lá o fez sem investimentos pesados nessa área. Aqueles que entraram para o clube dos desenvolvidos priorizaram, acima de tudo, educação e inovação tecnológica, nesta ordem. O problema é que a população brasileira está envelhecendo rapidamente e a nossa força de trabalho vai encolher nas próximas décadas, pressionando um aumento de produtividade e, consequentemente, de inovação.

INFOGRÁFICO: o investimento em inovação em tempos de crise

Na crise, a inovação fica para depois e isso é um erro

Os quase três anos seguidos de recessão no Brasil impactaram fortemente a inovação e a disposição para inovar no país. Pouco mais de um terço das empresas (37,6%) inovaram em produto ou processo no primeiro trimestre de 2016, o menor nível desde o início da série histórica, em 2010, de acordo com a Sondagem de Inovação da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Com a crise à espreita, e expectativa para a inovação também veio caindo nos últimos anos, embora metade dos empresários ainda sinalizasse a intenção de investir nessa área no segundo trimestre do ano passado. A justificativa para a queda é simples. “A crise faz com que as pessoas percam o foco no longo prazo e passem a focar na sobrevivência, avalia o economista Manoel Pires, professor de Economia Aplicada da FGV/IBRE”.

Dentro de casa

É natural que as empresas acabem olhando mais para dentro de casa com o intuito de cortar custos e ser mais eficiente, mas poucas percebem que isso representa uma oportunidade extra para inovar e agregar valor ao negócio mesmo em tempos de vacas magras. A sondagem da ABDI mostra que, na crise e fora dela, a maior fatia da inovação é realizada internamente, e não para o mercado. Do total de empresas que inovaram nos três primeiros meses de 2016, por exemplo 10% o fizeram dentro de casa e apenas 2,8% para o mercado. Sei anos antes, em 2010, o porcentual era de 29,5% e 10,5%, respectivamente.

Estudos indicam, contudo, que os países tendem a ficar menos inovadores à medida que sua população envelhece – e o Brasil está passando por uma transição demográfica mais rápida entre os emergentes. Os pesquisadores Andreas Irmen e Anastasia Litina, da Universidade de Luxemburgo, realizaram um estudo com 33 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 1960 e 2012 para analisar a relação entre o envelhecimento da população e a atividade inventiva e concluíram que a criatividade e o espírito empreendedor – atributos necessários ao desenvolvimento de um país – perdem fôlego na terceira idade, quando outras prioridades se impõem. Em resumo, o estudo diz que as sociedades envelhecidas precisam de mais estratégias inovadoras para garantir o mesmo padrão de vida.

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Diante disso, o Brasil vai precisar correr para não sobrecarregar os trabalhadores das próximas décadas –nós, nossos filhos e netos. Desde a década de 1970, o país vive o seu “bônus demográfico” (o período em que a força de trabalho cresce mais que a população total), mas essa “janela de oportunidades” para poupar, investir e crescer deve se fechar em menos de uma década, em 2023, quando a população em idade ativa vai atingir, proporcionalmente, 69,8% do total. A partir daí, a curva se inverte e a população formada por inativos (jovens até 15 anos e idosos a partir de 65 anos) começa a crescer num ritmo maior.

“O aumento da razão de dependência vai crescer muito até 2050. Isso significa que até lá, cada pessoa em idade ativa de trabalho vai ter que produzir 28,6% a mais do que produz hoje para sustentar a população inativa de modo a manter o mesmo padrão de vida atual”, explica o Manoel Pires, pesquisador de Economia Aplicada da FGV/IBRE, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Esse aumento de 0,8% de produtividade por ano em 35 anos é perfeitamente possível, segundo Pires, mas a questão é que ele não vai se traduzir em ganho de renda e bem-estar. Tudo isso será para manter o mesmo padrão que temos hoje. Na prática, o país vai ter de produzir mais com menos gente para, basicamente, permanecer no mesmo padrão de vida. Essa é a dimensão do esforço que terá de ser feito”, acrescenta Pires.

Para elevar o padrão atual e não empobrecer, o país terá de dar um salto produtividade e inovação nos próximos anos aproveitando esse raro momento da pirâmide populacional em que a maioria da população está na faixa economicamente ativa. O desafio é enorme. Históricamente, o país investe pouco, menos de 1,5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. A recessão fez com que a produtividade da economia brasileira recuasse pelo terceiro ano seguido em 2016, o que não ocorria desde o início da década de 1980, de acordo com dados organização norte-americana The ConferenceBoard. Além de estar chegando ao fim, as mais de quatro décadas de bônus foram praticamente desperdiçadas – hoje, mais da metade da população em condições de trabalhar está na informalidade.

A conta é clara. Até agora, e, sobretudo, nas últimas décadas, o crescimento da economia ocorreu com um empurrão da demografia, graças à incorporação de milhões de pessoas ao mercado de trabalho, e bem menos por meio de ganhos de eficiência, mas essa fórmula está se esgotando. Na prática, o país não precisa só consertar seu sistema previdenciário e o mercado de trabalho para lidar com o envelhecimento. Vai precisar encontrar uma fórmula para acelerar a cultura inovadora antes que perca naturalmente o fôlego para inovar.

Reforma da Previdência dá sobrevida ao “bônus demográfico”

Os desafios que o rápido envelhecimento da população brasileira trará para a economia brasileira nas próximas décadas reforçam a necessidade de concretizar a reforma da Previdência o quanto antes, argumenta o economista Manoel Pires, pesquisador de Economia Aplicada da FGV/IBRE.

No entendimento dele, ao mesmo tempo em que resolve a questão financeira do rombo, a reforma vai prolongar o lado positivo do nosso bônus demográfico, ajudando a manter as pessoas no mercado de trabalho por mais tempo, e trazendo outros dois benefícios que podem ajudar a impulsionar o crescimento econômico do país. Um deles é o do ganho de produtividade. Pires acredita que deverão permanecer por mais tempo na ativa as pessoas mais produtivas, com mais experiência e qualificação para o mercado.

Na prática, isso significa pessoas com maior potencial para gerar valor e inovar dentro das organizações e companhias. Por fim, o último ponto é o do aumento do capital, por meio do padrão de acumulação de dinheiro dos trabalhadores. “Quem está ativo no mercado de trabalho tende a poupar mais do que a população inativa. Isso traz vantagens importantes para crescimento o país”, avalia Pires. Contudo, de nada adianta uma reforma que dê sobrevida ao bônus se o Brasil não fizer a sua lição de casa. O Brasil precisa aprender a inovar.

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