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Pátio da Renault em São José dos Pinhais: carros aos montes esperam compradores. | Valterci Santos/Gazeta do Povo
Pátio da Renault em São José dos Pinhais: carros aos montes esperam compradores.| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo

Poucos setores passarão por uma transformação tão grande quanto a indústria automotiva durante os próximos anos. Pressionadas por vendas em queda devido à recessão global e pela necessidade de apresentar soluções que coloquem um freio no aquecimento global, as montadoras terão de se reorganizar para sobreviver no longo prazo. É provável que haverá uma nova onda de fusões e aquisições, na qual as vencedoras serão as companhias com os sistemas de produção mais flexíveis e com linhas de produtos que conquistem o mundo emergente.

Desde o início da crise, as montadoras vêm encontrando dificuldades para esvaziar seus pátios. É um fenômeno mundial, visto em portos exportadores japoneses, revendedoras americanas e fábricas brasileiras – visto de cima, o pátio da Renault, em São José dos Pinhais, impressiona. No início de dezembro, havia no Brasil mais de 300 mil carros em estoque, o suficiente para 56 dias de vendas. Em janeiro, a queda na produção e o impulso dado pela redução de impostos puxaram o número para perto de 200 mil unidades, ou 36 dias de vendas.

O primeiro efeito da crise, portanto, é que o setor terá de trabalhar com uma taxa de ociosidade maior do que nos últimos anos. Segundo uma pesquisa da consultoria KPMG divulgada na semana passada, os executivos da indústria automotiva calculam que a capacidade ociosa ficará entre 10% e 20%, acima do intervalo de 5% a 10% visto nos últimos três anos. Em recessões normais, algumas fábricas ficariam vazias por certo tempo, e voltariam a funcionar quando houvesse um aquecimento da economia. Desta vez, a história tem tudo para ser diferente.

A recessão no mundo rico será longa e deve acelerar um processo de deslocamento de produção. A tendência do momento é um crescimento forte de marcas asiáticas, especialmente as novatas da Índia e China, com mais investimento no mundo emergente e fechamento de unidades nos países desenvolvidos. O movimento é uma continuação de outros dois capítulos recentes da indústria automotiva.

No início da década de 80, as montadoras dos Estados Unidos sofreram muito com a concorrência japonesa em território americano. Isso porque elas fabricavam modelos grandes e beberrões, pouco atraentes após o segundo choque do petróleo, em 1979. Com lobby das três grandes – General Motors, Ford e Chrysler –, o setor ganhou proteção comercial, mas isso não foi suficiente. Marcas como Toyota e Honda passaram a abrir fábricas em território americano e ganharam mercado.

O segundo capítulo de deslocamento começou no fim dos anos 90. Com a abertura comercial, que englobou inclusive países do antigo bloco comunista, houve uma onda pesada de investimentos em mercados emergentes. Foi o momento em que o Brasil ganhou novas fábricas. O mesmo ocorreu em países do Leste Europeu, como a Eslováquia, e da Ásia, como a China. Em paralelo, as montadoras americanas continuavam a perder terreno em casa.

Agora, Detroit parece ter entrado em uma crise terminal e todo o setor é assombrado pelas vendas em queda e pela entrada de competidores emergentes. "As montadoras americanas apostaram que o mercado de utilitários ia se expandir e é o contrário que está acontecendo. Além disso, elas têm custos altíssimos com seus fundos de pensão e de saúde", explica Olivier Girard, diretor da consultoria Trevisan, especialista na área de transportes. "As japonesas agora vão sofrer porque dependem bastante do mercado americano, enquanto algumas marcas europeias, como Peugeot e Volkswagen, estão mais bem plantadas em mercados que sofrem menos com a crise."

Não seria surpresa se começasse uma onda de fusões e aquisições, como a vista uma década atrás. "Há uma possibilidade grande de junções para as empresas resistirem melhor à crise", diz Charles Krieck, sócio-líder da KPMG para o setor automotivo. Companhias que estão perdendo participação de mercado já estão colocando subsidiárias à venda. A Ford estuda vender a Volvo Cars, enquanto a GM quer se livrar da marca Saab. Recentemente, o presidente da Fiat, Sergio Marchionne, disse que a empresa não poderia continuar a concorrer sem uma fusão.

Assim, aparece uma boa oportunidade para empresas da China e da Índia entrarem de vez no mercado global. No ano passado, a indiana Tata comprou da Ford as britânicas Jaguar e Land Rover. "O aparecimento do zero de uma nova gigante, como foi o caso da Toyota, é muito difícil. O caminho da aquisição, como fez a Tata, é mais provável", diz Marcelo Alves, professor de engenharia mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Ao comprar ou se unir a uma montadora estabelecida, as emergentes aprendem mais rapidamente a desenvolver produtos, marcas e linhas de produção. Não por acaso, as companhias chinesas são impulsionadas por parcerias com as gigantes do Ocidente, como GM e Volkswagen.

O deslocamento da produção para a Ásia fica evidente na pesquisa da KPMG. Pouco mais de 80% dos 200 executivos consultados afirmaram que esperam crescimento das vendas de marcas chinesas. As indianas vêm logo atrás, com 78%, seguidas pela Toyota, pela coreana Hyundai, Honda e Volks (aliás, uma das primeiras ocidentais a entrar na China).

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