Produção de veículos no país deve ter crescimento nas projeções da Anfavea, com expectativa de que o Brasil acompanhe tendência global.| Foto: Divulgação/Estado do Rio de Janeiro
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Perda de dinamismo da atividade econômica, insumos com preços elevados e preocupações com a situação financeira. Estes são os desafios de segmentos tão díspares quanto montadoras, têxteis, companhias aéreas e bares e restaurantes. São segmentos que têm pontos em comum: fortes taxas de crescimento em 2021, motivadas pela base fraca de 2020, e que ainda não se recuperaram por completo.

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Um dos setores em que é mais evidente a perda de dinamismo da atividade econômica é a indústria. A taxa de crescimento acumulada em 12 meses, que estava em 13,2% em maio, caiu para 5,7% em outubro do ano passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Um fator fundamental pesa no desaquecimento da indústria, segundo o coordenador da pesquisa industrial no IBGE, André Macedo: a demanda doméstica enfraquecida. “A massa de rendimentos pouco avança, os empregos que surgem são em níveis salariais menores e a inflação e os juros estão em alta”, diz.

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Não bastasse isso, a indústria tem de lidar com o desarranjo na cadeia produtiva, que levou ao encarecimento de insumos industriais. A alta nos preços para o produtor, nos 12 meses encerrados em outubro, foi de 28,83%. Em segmentos como fabricação de derivados do petróleo, produtos químicos e metalurgia, a alta superou os 50%.

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Os desafios das montadoras

O ano de 2021 não foi fácil, aponta o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes: “Foi o ano da crise da oferta. Nunca vimos uma limitação da oferta nesses moldes”. Fábricas chegaram a suspender a produção. Mesmo assim, puxada pela base fraca de 2020, a produção cresceu 28,2%.

Falta de insumos, como microchips, atraso nos fretes e falta de contêineres afetaram a indústria em escala global. A consultoria BCG projeta uma queda entre 10 milhões e 12 milhões de unidades na produção mundial de veículos em 2021. Isto equivale a algo correspondente a cinco ou seis vezes a produção anual brasileira.

As expectativas são de que esses gargalos continuem em 2022, porém, em menor intensidade. Segundo a seguradora de crédito Euler Hermes, as interrupções na cadeia de abastecimento global continuarão até o segundo semestre.

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Três fatores devem impulsionar a normalização do comércio a partir da metade final de 2022:

  • Um esfriamento dos gastos do consumidor com bens duráveis, dados seus ciclos de substituição mais longos e a mudança para comportamentos de consumo sustentáveis;
  • Escassez de insumos menos aguda, já que os estoques voltaram aos níveis pré-crise ou até mesmo ultrapassaram os níveis anteriores à crise na maioria dos setores e o investimento aumentou (principalmente nos EUA);
  • Congestionamentos de navegação reduzidos à medida que a capacidade aumenta.

Os sucessivos problemas levaram as montadoras a fazerem revisões em suas expectativas de crescimento. Em janeiro, elas projetavam um crescimento de 25% na produção em relação a 2021. A expectativa, agora, depois de duas revisões é de encerrar o ano com uma expansão entre 6% e 10%.

As previsões para 2022 estão sendo calculadas e devem ser divulgadas no início de janeiro pela Anfavea. Mas Moraes dá uma pista: também será um ano desafiador. Além de trabalhar com os problemas nos insumos, o setor terá de conviver com a alta nos juros para o financiamento de veículos.

A taxa básica dos juros, a Selic, sobe desde março. E a taxa média cobrada nos financiamentos de veículos passou de 1,58% ao mês em março para 1,86% ao mês em outubro, segundo o Banco Central.

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Mesmo com os desafios que tem pela frente, a indústria automobilística vê oportunidades. Uma delas é trazida pelo 5G, que começa a ser implantado no Brasil. “Ele vai possibilitar uma série de avanços, possibilitando o desenvolvimento da internet das coisas e aprofundando o conceito de indústria 4.0”, afirma Moraes.

Ele complementa dizendo que a nova tecnologia permitirá o oferecimento de novos serviços, promovendo a redução de custos. “Vai dar uma nova dimensão no caso da produção e assegurará uma nova fase na segurança veicular”, exemplifica. Mas também vai exigir mais semicondutores. Hoje um carro tem cerca de mil e nos próximos anos deverá ter o dobro.

Comércio revê projeções

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) rebaixou a expectativa de crescimento do volume de vendas em 2021 de 3,6% para 3,1%. A atividade vem experimentando quedas em seu desempenho desde agosto, de acordo com o IBGE. E para o próximo ano, a expectativa é de um tímido crescimento de 1,2%.

Uma série de fatores ajuda a explicar o desaquecimento da atividade comercial. “Há uma ligeira queda no crédito para as famílias, a alta da Selic já impacta nas vendas e não há espaço para aumento no endividamento das famílias por causa da inflação”, diz o coordenador de pesquisas de comércio no IBGE, Cristiano Santos.

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Fábio Bentes, economista da CNC, aponta que o bônus representado pelo aumento da circulação de consumidores, que permitiu a reação do setor após as duas ondas da pandemia, se mostra próxima ao esgotamento. Em novembro, pela primeira vez desde o início da crise sanitária, a mobilidade atingiu níveis similares aos de fevereiro de 2020.

Reestruturação com pressão de preços

Um segmento que se reestruturou com a crise foi o de tecidos, vestuário e calçados, que nos 12 meses encerrados em outubro cresceu 20,4% em comparação a igual período do ano anterior, aponta o IBGE. “Ele passou por uma reformulação em sua estratégia de vendas, por mudança de canais e de comportamento do consumidor”, cita Santos.

Mas o comércio enfrenta uma pressão de custos vindos da indústria. Os preços ao produtor para a indústria têxtil aumentaram quase 26% nos 12 meses encerrados em outubro. Dois dos vilões são o algodão e a energia, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. “Mas essa alta não deverá chegar totalmente no varejo”, ressalta.

Se nos 12 meses concluídos em outubro o segmento cresceu 15,9%, segundo o IBGE, as expectativas para 2022 são bem mais tímidas. “De um lado temos o retorno do emprego formal e informal e o Auxílio Brasil, que injeta renda para o consumo. Mas, por outro lado, teremos o ruído e a volatilidade da campanha eleitoral”, diz o dirigente.

Serviços: cautela com a inflação

O volume de serviços prestados caiu 1,2% em outubro, comparativamente a setembro, apontam dados do IBGE. O coordenador da pesquisa, Rodrigo Lobo, aponta que essa queda foi disseminada, atingindo quatro dos cinco setores pesquisados, e 23 das 27 unidades da federação. Mas, no acumulado de 12 meses, há um crescimento de 8,2%, o maior em nove anos.

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Os economistas do banco MUFG Brasil apontam que a inflação alta no curto prazo pode continuar prejudicando o desempenho de diversos segmentos de serviços, uma vez que representa custos para as empresas e reduz o poder de compra das famílias.

A expectativa vem justamente do único segmento que apresentou alta em outubro: os serviços prestados às famílias, que incluem itens como alojamento e alimentação. “Eles sofreram bastante com a pandemia por causa da sua natureza e vêm gradativamente se recuperando”, diz Lobo, do IBGE. Em outubro, o nível de atividade ainda estava 13,6% abaixo do nível pré-pandemia.

A instituição financeira avalia que o segmento de serviços prestados às famílias tem mais espaço para se recuperar e tem sido favorecido pela maior mobilidade, que beneficia serviços como bares e restaurantes, cabelereiros e clínicas de saúde.

A expectativa é favorável para os segmentos dependentes do turismo. “A expectativa para essas atividades nos próximos meses segue favorável, apesar de as restrições e o cancelamento de eventos relevantes retardarem a retomada da recuperação plena do potencial de geração de receitas”, diz Bentes, da CNC.

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Transporte aéreo: voando em busca dos níveis pré-pandemia

Quem está esperançoso com a recuperação é o transporte aéreo, que apresentou crescimento de 35,9% nos dez primeiros meses de 2021, comparativamente a igual período do ano anterior, segundo o IBGE. A forte expansão não esconde que o segmento ainda não voltou a operar nos níveis pré-pandemia.

O cenário interno é melhor que o externo. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a demanda doméstica nos 12 meses encerrados em outubro ficou 32,23% abaixo da registrada no ciclo encerrado em outubro de 2019. Os números internacionais são piores: 81,7% menores no comparativo entre esses dois períodos.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, aponta que a recuperação da malha doméstica deve se concretizar ao longo do primeiro semestre de 2022. “Os passageiros a lazer e corporativos estão voltando. Falta a retomada dos grandes eventos, como feiras e congressos.”

A entidade aponta que o marco da recuperação é visível: as empresas estão entrando em cidades antes não atendidas e já veem a retomada integral.

A recuperação internacional deve vir só entre 2023 e 2024, segundo a Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). E o Brasil tem algumas particularidades, diz o presidente da associação: pelo menos 80 países ainda fazem algum tipo de restrição à entrada de brasileiros, e a disparada do dólar comprometeu a capacidade de viajar para o exterior.

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“O país precisa reconstruir sua imagem no exterior quanto à vacinação e é necessário gerar um cenário econômico que permita investir no país.”

É justamente essa situação que mais preocupa o setor. Analistas da XP Investimentos têm uma visão positiva em relação ao cenário competitivo das companhias aéreas brasileiras, mas veem alguns entraves: o real fraco, preços de combustíveis elevados e atividade econômica frágil.

A alta do dólar também afeta negativamente o desempenho das empresas. “O querosene de aviação subiu 71,1% no ano, impulsionado pelo dólar – o combustível é cotado nessa moeda – e pela alta nos preços do petróleo. Só ele responde por um terço dos custos”, afirma Sanovicz.

Outra pressão negativa que vem com a apreciação da moeda americana é em relação ao aumento dos custos com o leasing dos aviões. Segundo a Abear, 51,1% deles estão relacionados aos combustíveis e ao arrendamento.

Bares e restaurantes: endividamento é o maior problema

Outro segmento que também registrou forte crescimento em 2021 foi o de alojamento e alimentação. Dados do IBGE mostram que a expansão nos nove primeiros meses do ano foi de 18,9% em comparação a igual período de 2020. Mas os números que realmente importam são outros.

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O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, mostra que o setor está com mais vigor do que antes da pandemia. “No segundo semestre já estamos com um crescimento de 3% em relação ao mesmo período de 2019. O consumidor voltou animado.”

Apesar da expansão, o segmento enfrenta desafios. Um dos maiores é em relação à situação financeira das empresas. Pesquisa feita pela entidade mostra que 35% delas ainda estão operando no prejuízo. “Elas não conseguem repassar a alta dos preços aos cardápios e estão com margens fracas”, diz Solmucci. A inflação da alimentação fora do domicílio foi de 6,95% nos 12 meses encerrados em novembro, segundo o IBGE.

O presidente da associação acredita que, até o fim do ano, metade do postos de trabalho fechados durante a pandemia – 1,2 milhão – sejam reabertos: “Com a crise, o segmento teve de buscar ganhos de produtividade, por meio da revisão de processos, e encontrar alternativas para absorver parte da alta nos preços”.

O endividamento é fonte de preocupação por causa da alta da Selic. Durante os piores momentos da crise, o governo ofereceu linhas de crédito por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) indexadas à taxa básica de juros. Só que esta, devido à alta da inflação, passou de 2% em março para 9,25% ao ano em dezembro. E novas altas são esperadas para o começo de 2022.

“O custo do capital mais do que triplicou e 22% das empresas estão atrasadas com o programa. O segmento está sendo estrangulado pela alta na Selic”, diz o presidente da Abrasel. A entidade já conversou sobre o assunto com o governo, que disse que a responsabilidade da mudança está nas mãos do Congresso.

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