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Quando suspendeu os pagamentos mensais do contrato de compra e venda de energia assegurada (Power Purchase Agreement, PPA) da UEG Araucária, em janeiro de 2003, e do suprimento de gás da Petrobrás, em abril do mesmo ano, o governo paranaense alegou que a UEG Araucária não poderia operar por problemas técnicos e de segurança. Depois disse que, se mantivesse os pagamentos, a Copel poderia até quebrar. Esses e outros argumentos foram sendo usados de maneira alternada até a solução para o impasse, três anos depois. Em todo esse período, a usina, inaugurada em setembro de 2002 pelo governador Jaime Lerner, nunca funcionou – a não ser por um período de testes de 100 horas.

Um cálculo aproximado mostra que, com as recentes negociações, anunciadas como vantajosas pelo governo, a Copel livrou-se de uma dívida que em 2009 poderia chegar a R$ 4,04 bilhões. Todo esse débito, no entanto, foi gerado por inadimplências e quebra de contratos ordenadas pelo próprio governador Roberto Requião, que assumiu o estado em 2003. No total, a usina custou US$ 315 milhões (R$ 683,6 milhões pelo câmbio de sexta-feira), sendo que a Copel arcou com 20% disso (US$ 63 milhões, ou R$ 136,7 milhões).

Em maio último, Requião anunciou um acordo pelo qual a companhia paranaense tornava-se majoritária no empreendimento, com 80% de seu capital. Por US$ 190 milhões (R$ 412,3 milhões), a Copel comprou a participação da norte-americana El Paso, que tinha 60%. Pelo acordo, o governo paranaense livrou-se de uma ação em que a El Paso pleiteava, na Corte Arbitral de Paris, uma indenização de US$ 824,7 milhões (R$ 1,79 bilhão) por falta de pagamento do PPA, que caracterizava quebra de contrato.

Conforme a própria Copel alertava, era grande a chance de Paris aceitar os argumentos da El Paso – e a estatal paranaense perderia essa ação. Consultores do setor de energia afirmam que o acordo só saiu tão "barato" porque a El Paso estava redirecionando suas operações, deixando a geração de energia e se concentrando na produção de petróleo e gás natural. Além disso, a matriz norte-americana passava por dificuldades e precisava de dinheiro no curto prazo.

O PPA funcionava sob a forma "take or pay" ("pegue ou pague"), extremamente comum em acordos de compra e venda do setor de energia e de gás natural. Ele obrigava a Copel a comprar toda a energia que a UEG era capaz de operar – mesmo que não operasse. No início, o valor mensal era de R$ 25 milhões. Entre setembro e dezembro de 2002, a companhia desembolsou R$ 84,9 milhões, incluindo gastos com equipamentos, pessoal e manutenção. A Copel diz que, de janeiro de 2003 até dezembro de 2009, teria gasto R$ 1,5 bilhão com esses pagamentos, "sem ter um único centavo de retorno", uma vez que o sistema elétrico brasileiro nunca precisou – ao menos até a atual estiagem – da energia da UEG, que é mais cara que a energia hidráulica.

Em março, a Copel já havia entrado em acordo com a Petrobrás. Após articulações de Dilma Roussef – que era ministra de Minas e Energia no início da crise e depois assumiu a Casa Civil –, simpatizante do discurso nacionalista de Requião, a petroleira estatal perdoou uma dívida de R$ 750 milhões. Trata-se, segundo a Copel, do valor atualizado do gás não pago entre maio de 2003 e março de 2006 – gás que a Copel não usou, mas tinha a obrigação de pagar, pois o contrato também funcionava sob a forma do "take or pay".

Entre setembro de 2002 e abril de 2003, a empresa havia pago aproximadamente R$ 80 milhões pelo gás. O balanço de 2005 da Copel mostra que a inadimplência gerou uma dívida superior aos R$ 750 milhões anunciados em março passado. Seriam, na verdade, R$ 778,3 milhões. Desse total, R$ 283,2 milhões somente em multas.

De todo modo, a contrapartida para o perdão da dívida milionária foi que a empresa paranaense pagaria R$ 150 milhões, "o equivalente à participação assumida pela Copel nos custos de construção do ramal paranaense do gasoduto Bolívia-Brasil". Isso será pago em 60 parcelas mensais, somente a partir de 2010, quando, segundo a empresa, "as projeções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicam haver mercado para absorver a energia produzida pela UEG".

O detalhe é que, até pouco tempo atrás, a Copel jamais declarou ter qualquer participação nos custos de construção do gasoduto. Até porque ela nem sequer é acionista da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), grupo de empresas comandado pela Petrobrás que construiu e administra o gasoduto. Questionada na última quarta-feira, a companhia paranaense informou que essa participação deve ser interpretada como o "pedágio" que a companhia pagaria ao usar o gasoduto para receber o gás natural que moveria as turbinas da UEG. Trata-se do custo de transporte do gás, que era incluído na conta mensal de gás por meio da cláusula "ship or pay" (algo como "transporte ou pague").

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