Produção agrícola, indústria de ponta, comércio, turismo: no Centro-Oeste brasileiro, atividades de todo o tipo estão contribuindo para o crescimento sustentável. O caminho para atingir esse objetivo tem sido o de aproveitar as vocações locais. Como resultado, dos 44 municípios com mais de 50 mil habitantes da região, 43 conseguiram ampliar o emprego em microempresas na última década.
Os dados são de um levantamento exclusivo da Gazeta do Povo com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), considerando os postos de trabalho com carteira assinada em microempresas – estabelecimentos de comércio ou serviços com até nove empregados ou indústrias de até 19 funcionários. As boas práticas implantadas nos locais que conseguiram alavancar o emprego fazem parte da série "Onde empreender tem vez", que a Gazeta do Povo publica ao longo desta semana.
No geral, cidades de médio porte, de 50 mil a 100 mil habitantes, tiveram mais facilidade em ampliar as vagas em microempresas. Em cidades maiores e mais desenvolvidas, principalmente do Sul e Sudeste, a tendência foi de redução no número de vínculos nas microempresas. Mas, no Centro-Oeste, a ampliação se deu de forma generalizada.
Em Primavera do Leste (MT), município que tem apenas 37 anos de existência, a articulação em torno do agronegócio fez prosperar diversas atividades de comércio e serviços.
“O agro é o grande motor do Mato Grosso, e Primavera do Leste também tem essa vocação e a faz com eficiência. Os agricultores começaram a se organizar mais em sindicatos e isso fortaleceu toda a cidade. Agora a cidade está avançando, com a chegada de grandes indústrias e investimentos. Para tudo isso precisa de mão de obra especializada e todo um suporte a essa cadeia produtiva. Por isso tem trabalho para todos, pequena, média e grande empresa”, relata o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Primavera do Leste (Aciple), Jocelino Godoi.
Apesar da vocação agrícola, 64% do PIB da cidade vem do comércio, diz Godoi, com base em dados do Observatório de Primavera do Leste. “A gente tem a vantagem de não estar tão perto da capital, a uma distância boa, ao mesmo tempo em que estamos em um entroncamento rodoviário que favorece o escoamento e logística”, diz. Um ponto importante na história da cidade, diz ele, foi a diversificação da lavoura nos anos 1990, quando a queda no preço da soja levou agricultores ao cultivo do milho, feijão e algodão. “A diversificação trouxe necessidade de mais trabalho e mais conhecimento, e com isso começou a ficar mais sólida a economia local”, acrescenta.
Onde o emprego em microempresas mais cresceu no Centro-Oeste (cidades com mais de 50 mil habitantes; fonte: Rais/MTE e IBGE) :
Município | População | Empregados em 2011 | Empregados em 2021 | Variação (%) |
Senador Canedo (GO) | 121.447 | 1.911 | 3.618 | 89,3 |
Águas Lindas de Goiás (GO) | 222.850 | 1.826 | 3.226 | 76,7 |
Primavera do Leste (MT) | 63.876 | 3.842 | 6.391 | 66,3 |
Lucas do Rio Verde (MT) | 69.671 | 3.201 | 5.252 | 64,1 |
Cidade Ocidental (GO) | 74.370 | 730 | 1.194 | 63,6 |
Sorriso (MT) | 94.941 | 4.831 | 7.728 | 60,0 |
Sinop (MT) | 148.960 | 8.285 | 13.157 | 58,8 |
Goianésia (GO) | 72.045 | 2.498 | 3.903 | 56,2 |
Cristalina (GO) | 61.385 | 1.492 | 2.299 | 54,1 |
Trindade (GO) | 132.006 | 2.578 | 3.856 | 49,6 |
Incubadora “protege” e dá fôlego para empreendimento inovador
A combinação de uma cidade com um grande polo farmacêutico, pessoal especializado na área, conhecimento científico e uma incubadora resultou na microempresa Brizze Kombucha, que atua no segmento de bebidas probióticas e foi a primeira empresa de produção de kombucha em Goiás a receber o registro do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, em junho de 2021.
A façanha só foi possível pelo ambiente de apoio ao empreendedorismo e à inovação: para conseguir participar do edital de fomento da incubadora da Universidade Estadual de Goiás (UEG), a Brizze precisou desenvolver produtos inovadores com base em ingredientes típicos do Cerrado.
A microindústria, que já ganhou três prêmios de inovação e tem hoje dois funcionários, fica em Anápolis (GO). A cidade foi a sexta que mais ampliou o emprego em microempresas dentre as 72 cidades brasileiras com mais de 350 mil habitantes: a quantidade de ocupados aumentou 24%, passando de 16.230 em 2011 para 20.174 em 2021.
Segundo a empresária Ana Paula Montandon, 50 anos, cofundadora da Brizze Kombucha, o funcionamento da empresa envolve hoje um total de 15 pessoas, entre produção, comercial, transporte e logística, que atuam para levar a bebida a 500 pontos de venda no Brasil. Mas antes de estrear no mercado, outras pessoas contribuíram para a Brizze se tornar realidade: ela ficou dois anos e meio na incubadora. “Durante um ano inteiro ficamos só planejando. Fizemos o planejamento financeiro, de marketing, de produção e de produto. Foi muito bom”, relembra.
Ana Paula e o marido, Gustavo Siqueira, seu sócio na empreitada, se mudaram de Minas para Anápolis há 20 anos para trabalhar no setor farmacêutico, área em que se formaram. Quatro anos atrás, Siqueira estava disposto a mudar de atividade e realizar algum investimento. Ana Paula, que também é professora universitária, teve contato com a bebida kombucha, que é um chá fermentado, e ficou interessada, principalmente pelas propriedades probióticas, benéficas à saúde.
“Falei para ele que tinha coragem de participar de um projeto assim, mas que precisava de respaldo, pois nunca tinha aberto negócio, achava muito difícil. Surgiu a oportunidade quando vi o edital da incubadora de empresas da UEG, mas uma das exigências era que as empresas deveriam trabalhar com inovação. Por isso, apresentei a bebida com base em vegetais e frutos do nosso bioma, como a baunilha do cerrado e maracujá-pérola do cerrado. Assim o projeto foi aprovado”, conta.
Mesmo fora da incubadora, a empresa continua investindo em pesquisa e inovação. Um dos projetos é a análise das propriedades antioxidantes da kombucha, que ajudam no combate ao envelhecimento.
Outros municípios de Goiás com vocações distintas que registraram forte crescimento no emprego em microempresas foram Senador Canedo e Águas Lindas de Goiás. O primeiro, contíguo à capital Goiânia, passou de 1.911 vagas formais em 2011 para 3.618 em 2021, crescimento de 89%. Além de se beneficiar da conurbação urbana, o município conta com uma indústria alimentícia forte.
Em Águas Lindas de Goiás, fronteiriço ao Distrito Federal, há uma rota de cachoeiras e atividades ligadas ao turismo. O total de empregados em microempresas subiu 77% em dez anos, de 1.826 para 3.226.
Cidade que dá atenção a pequenas empresas avança sem depender de tantos recursos
“Quando as prefeituras olham para a importância da geração de emprego e renda por meio das pequenas empresas, conseguem fazer grandes coisas sem a dependência de muitos recursos financeiros”, diz Elaine Moura, analista de Políticas Públicas do Sebrae Goiás.
Segundo ela, dos 246 municípios goianos, 100 fazem parte do projeto Cidade Empreendedora, em que um consultor do Sebrae faz visita regular e dá suporte remoto aos interessados. “O que nos leva a disponibilizar esse consultor é o nível de interesse dos municípios. Depende de uma articulação prévia, de um amadurecimento dos projetos que serão realizados”, explica.
Uma das exigências para ingressar no projeto é abrir uma Sala do Empreendedor e nomear um Agente de Desenvolvimento Local, para atendimento em tempo integral. A partir disso o Sebrae consegue difundir todo o know-how para o empreendedor, desde as ferramentas básicas até projetos de inovação e como se beneficiar de linhas de fomento.
Elaine destaca que essas ações fazem parte de um planejamento municipal de longo prazo. “O desenvolvimento tem a ver com projetos, ações e decisões que não sofrem descontinuidade, que estejam bem engrenados. A própria Lei Geral da Micro e Pequena Empresa é um mecanismo que garante a permanência dos projetos desenvolvidos pelo Sebrae. É preciso que as prefeituras também trabalhem assim, dando preferência, por exemplo, a nomear funcionários públicos como Agente de Desenvolvimento, e não comissionados”, orienta.
A analista do Sebrae conta que muitos prefeitos ainda desconhecem o potencial das micro e pequenas empresas. “No Brasil, 98% das empresas formais são de pequenos negócios e 54% da massa salarial é oriunda dos pequenos negócios. Quando vou às prefeituras, gosto de chamar esse dado e perguntar aos prefeitos se sabem. Quando arriscam responder, dizem bem menos. Então é um dado que precisa ser massificado, para melhorarmos ainda mais as práticas de apoio aos pequenos empresários”, sustenta Elaine.
Esta é a terceira reportagem da série "Onde empreender tem vez", que mostra as boas práticas dos municípios onde o emprego em microempresas mais cresceu na última década. Clique aqui para ler a série completa.
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