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Maria Eduarda Xavier Silva (camiseta preta, à esquerda) participou de um curso de formação voltado ao empreendedorismo. Aos 21 anos, tem um negócio próprio, faz faculdade de Publicidade e estágio na área.
Maria Eduarda Xavier Silva (camiseta preta, à esquerda) participou de um curso de formação voltado ao empreendedorismo. Aos 21 anos, tem um negócio próprio, faz faculdade de Publicidade e estágio na área.| Foto: Divulgação

Quando terminou o ensino médio, em 2018, Maria Eduarda Xavier Silva estava cheia de dúvidas sobre o que fazer dali em diante em termos de trabalho e carreira. Hoje, aos 21 anos, tem um negócio próprio, faz faculdade de Publicidade e Propaganda e estágio na área. O divisor de águas para ela, que mora em Belo Horizonte, foi o curso de formação do Núcleo de Empreendedorismo Juvenil (NEJ) do Sebrae Minas, um projeto voltado a estudantes da rede pública realizado em parceria com prefeituras e gestores locais.

Ofertado em 14 núcleos em Minas Gerais e um no Distrito Federal, o NEJ é uma das iniciativas presentes em municípios que se destacaram no fomento ao empreendedorismo na última década.

Um levantamento exclusivo da Gazeta do Povo, feito a partir da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), indica onde o emprego em pequenos negócios mais cresceu entre 2011 e 2021 em cada uma das cinco grandes regiões do país. O ranking considera vagas com carteira assinada em microempresas – estabelecimentos com até nove empregados, nas áreas de comércio e serviços, ou até 19 funcionários, no caso da indústria.

As boas práticas adotadas pelos municípios que se destacaram na geração de empregos serão contadas a partir de hoje na série "Onde empreender tem vez".

Na Região Sudeste, tema desta primeira reportagem, o município que mais ampliou o emprego – dentre aqueles com pelo menos 50 mil moradores – foi Nova Lima (MG), com 97 mil habitantes, onde número de empregados formais em microempresas aumentou 59%, passando de 4.822 em 2011 para 7.661 em 2021, segundo a Rais.

Em seguida aparece Lagoa Santa (MG), com 66 mil moradores, onde o total de ocupados formais aumentou 53%, de 2.295 para 3.503. As duas líderes do ranking fazem parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, distantes cerca de 60 quilômetros uma da outra, e se beneficiam do ambiente favorável às pequenas empresas na região.

Onde o emprego em microempresas mais cresceu no Sudeste (cidades com mais de 50 mil habitantes; fonte: Rais/MTE e IBGE) :

MunicípioPopulaçãoEmpregados em 2011Empregados em 2021Variação (%)
Nova Lima (MG)97.3784.8227.66158,9
Lagoa Santa (MG)66.7442.2953.50352,6
Boituva (SP)63.3102.5043.77750,8
Cajamar (SP)79.0342.7413.92343,1
Caieiras (SP)104.0442.5313.53139,5
Lagoa da Prata (MG)53.2362.5223.49038,4
Itupeva (SP)64.3302.7703.81937,9
São Roque (SP)93.0763.3944.63336,5
São Pedro da Aldeia (RJ)107.5562.0122.74336,3
Vargem Grande Paulista (SP)54.3151.7912.44136,3

Entre as ações de fomento ao empreendedorismo, o NEJ é um projeto que depende diretamente do interesse das prefeituras ou lideranças locais. “O investimento é do município ou outras entidades que precisam disponibilizar professores, local para o curso. O Sebrae Minas licencia o curso, que é um projeto social voltado para estudantes da rede pública”, explica Karinne Mendes, diretora da Escola Gerencial do Sebrae Minas. Em Nova Lima, por exemplo, prefeitura, Senai e Federação da Indústria de Minas Gerais (Fiemg) se uniram para lançar o NEJ em 2019.

Karinne ressalta que o NEJ não se resume a um curso para abrir negócio. “É algo muito mais amplo, que vai ajudar o jovem a empreender em todos os campos de sua vida. A ideia é que forme um cidadão empreendedor que se transforma, que é preparado para os desafios do mercado de trabalho”, diz.

Trata-se de um curso técnico gratuito em Administração com ênfase em Gestão de Negócios, com 800 horas de duração ao longo de um ano. Para ingressar, é preciso ter entre 16 e 24 anos, estar cursando ou ter concluído o terceiro ano na rede pública e passar por um processo seletivo. Por meio da metodologia de projetos, os jovens selecionados colocam em prática toda a teoria: conhecem e acompanham a rotina das empresas e de empresários, simulam o funcionamento de um estabelecimento com estoque e fluxo de caixa e montam um modelo de negócios.

Esse tipo de formação é pouco comum no país. De uma lista de 54 países, o Brasil é apenas o 50.º no quesito presença do ensino de empreendedorismo nas escolas, segundo o Global Entrepreneurship Monitor (GEM). Isso porque o primeiro contato com o empreendedorismo ocorre principalmente em escolas particulares, onde estão apenas 15% das crianças e jovens brasileiros. O desafio é levá-lo aos 85% restantes, que estão na rede pública.

"Com administração e empreendedorismo a gente consegue criar e reinventar", diz estudante e empreendedora

Para a estudante e empreendedora Maria Eduarda, o curso técnico do NEJ permitiu uma transição planejada até a faculdade. “No meu terceiro ano do ensino médio eu não sabia que carreira seguir, não conseguia me identificar com nada da grade curricular. O NEJ foi um divisor de águas. Tive disciplinas como Direito e Marketing e hoje faço faculdade de Publicidade. Muitas dessas escolhas foram por causa do NEJ. A gente aprende que com administração e empreendedorismo consegue criar e reinventar muita coisa”, conta.

A jovem se inscreveu no curso pelo incentivo da mãe e de um tio, que lecionava no núcleo e elogiava a metodologia. Logo que se formou, em 2020, ela teve que encarar desafios profissionais: durante os primeiros meses da pandemia de coronavírus, eram raras as oportunidades para conseguir o primeiro emprego. Maria Eduarda então se dedicou a colocar em prática os aprendizados e lançou sua marca própria: É de Preto.

“É também um movimento social em que trabalhamos com roupas e acessórios para movimentar a renda de jovens de Belo Horizonte. Fazemos blusas, ecobags, canecas, com o objetivo de fazer resgate da moda e cultura preta”, diz.

A diretora da Escola do Sebrae afirma que a formação empreendedora gera muitas histórias de desenvolvimento pessoal. “O que a gente percebe é que esses estudantes do NEJ, que antes não viam possibilidade de fazer curso superior, mudaram o mindset [mentalidade] e passaram a planejar isso", conta Karinne.

"Dentro de um município essa mudança de paradigma tem um impacto muito importante, pois haverá profissionais mais bem preparados para o mercado de trabalho, que conseguem vagas mais robustas”, diz.

Segundo ela, o conceito original da escola, idealizada por Stefan Salej, era de formar “apreendedores”, com a cabeça aberta para o mundo. “Isso levanta a autoestima do jovem, que muitas vezes vem de uma situação mais complicada e percebe que pode crescer, que pode mudar a realidade da família dele”, observa.

Mesmo os jovens que não têm perfil empreendedor encontram nas microempresas oportunidades de prosperar. Segundo relatório técnico divulgado pelo Sebrae em abril de 2023, as micro e pequenas empresas (MPEs) absorvem mais a mão de obra até 24 anos. No Sudeste, por exemplo, os jovens dessa faixa etária são 17,9% dos ocupados em MPEs. Entre médias e grandes empresas (MGEs), a proporção cai a 15,7%.

Perfil do prefeito afeta o crescimento econômico de um município

“Quando o prefeito já tem viés empreendedor, é mais fácil combater o desemprego dentro do município. Ele tem uma visão da geração de renda e como a economia pode girar”, observa o consultor empresarial Neto de Paula, que atua como mentor do Inovativa, hub de aceleração, conexão e capacitação de startups brasileiras, entre outras ações voltadas ao empreendedorismo.

Segundo ele, quando o prefeito tem esse perfil, acaba nomeando pessoas empreendedoras para postos-chave da administração municipal, o que gera um círculo virtuoso de parcerias e iniciativas que favorecem o crescimento econômico, mesmo em cidades pequenas.

“Nos municípios em que há uma mobilização das secretarias de Emprego e Renda, por exemplo, junto com assistência social, a empregabilidade é mais alta”, diz De Paula, que tem 20 anos de experiência na consultoria de municípios.

Ele reconhece que em muitos casos a prefeitura não tem estrutura para tocar os projetos, mas lembra que é possível se juntar com Sebrae, com Sesi ou outras entidades do Sistema S para conseguir fomentar empresas de sucesso.

Nos municípios maiores, a possibilidade de conceder isenções fiscais, a localização e a oferta de infraestrutura adequada são trunfos para ampliar o número de vagas. Entre as cidades mais populosas do Sudeste, Itaquaquecetuba (SP), com 379 mil habitantes, foi destaque na geração de empregos em microempresas, com crescimento de 31% no número de postos formais, passando de 6.390 para 8.372. Contíguo à cidade de São Paulo, o município tem crescimento orgânico gerado pela conurbação da metrópole.

Esta é a primeira reportagem da série "Onde empreender tem vez", que mostra as boas práticas dos municípios onde o emprego em microempresas mais cresceu na última década. Clique aqui para ler a série completa.

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