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Hanson é candidato a ter a cabeça congelada após a morte: "não quero morrer" | Arquivo Pessoal
Hanson é candidato a ter a cabeça congelada após a morte: "não quero morrer"| Foto: Arquivo Pessoal
  • Robôs da Nasa, construídos para usar ferramentas utilizadas por humanos
  • Robô japonês auxilia consumidores durante a compra, carregando produtos

Até a invenção da agricultura, a economia mundial dobrava de tamanho a cada 250 mil anos. Com a possibilidade de fixar moradia num único lugar e acumular bens – antes inviável porque a mobilidade constante não permitia que muito fosse carregado –, os humanos passaram a observar uma taxa de crescimento sem precedentes, ficando duas vezes mais ricos a cada mil anos. Essa taxa se manteve mais ou menos inalterada até a Revolução Industrial. Hoje, o mundo dobra sua riqueza a cada 15 anos. Sob nenhum aspecto, portanto, a velocidade em que as mudanças ocorrem hoje é natural ou única. A conclusão seguinte é óbvia: o futuro também pode ser muito diferente. Tão diferente que a economia mundial poderá dobrar de tamanho em questão de semanas. A tese é do professor de Economia Robin Hanson, da George Mason University, em Fairfax, nos EUA. Para chegarmos a esse nível, diz ele, o mundo precisará passar por uma nova revolução – a singularidade, o momento em que a inteligência das máquinas será equivalente à do cérebro humano. Num mundo desses, pelo menos em teoria, boa parte dos trabalhos realizados hoje por humanos poderá ser substituído por máquinas. A população de robôs em pouco tempo suplantaria a de humanos, e o mundo tal como o conhecemos se tornará irreconhecível. Nessa conversa, Hanson, que é formado em Física e possui diversos estudos sobre o impacto da inteligência artificial na economia, explica a abordagem que ele considera a mais rápida para atingir a singularidade e fala do impacto da chegada dos robôs inteligentes para o crescimento econômico. A conversa foi feita por telefone, na última semana. Veja os principais trechos:

Em 1998, o senhor escreveu um artigo intitulado "A singularidade está próxima?". De lá pra cá, avançamos muito?

Não acho que muito do que aconteceu nos últimos 10 anos tem a ver com singularidade. Nós continuamos a observar um crescimento econômico da mesma forma que vimos no último século. A principal informação é que continuamos a crescer.

A IBM desenvolveu um robô chamado Watson, que joga Jeopardy (programa de televisão de perguntas e respostas) de maneira extraordinária, compreende ironias e responde perguntas de conhecimento geral tão bem quanto humanos. Não sei quão familiar o senhor está com a maneira como o computador foi projetado e "ensinado" – por meio de algoritmos –, mas eles estão no caminho certo para construir uma máquina com poder de processamento igual ao de um cérebro?

Se eles estão no caminho certo, então é um caminho bem errado. Eles ainda têm um longo caminho pela frente. Existe uma outra abordagem que acho que pode ser bem sucedida, embora eu não esteja muito confiante sobre isso.

Qual?

A emulação completa do cérebro. É uma ideia que parte da premissa de que não precisamos entender a organização em grande escala do cérebro, mas só como as células individuais funcionam. Se pudermos entender isso, então será possível pegar um cérebro humano real e escaneá-lo com detalhamento suficiente para ver exatamente que tipo de célula cada uma delas é, onde estão e como estão conectadas. Teremos então uma cópia de todo esse diagrama. Com isso, é possível fazer um modelo de computador que contenha cada uma dessas informações. Se o modelo das células for preciso o suficiente, então a emulação do cérebro deve ser similar o suficiente para produzir o mesmo comportamento de um cérebro. Dessa forma, o computador se transformaria num substituto econômico. Você poderia tratá-lo como um empregado. Assim como você dá uma tarefa a um humano, você a daria a um robô. Se ele tem o mesmo comportamento de um humano, responderia da mesma forma. É a minha melhor aposta do que vai funcionar primeiro. Acho que todas as abordagens podem funcionar eventualmente, mas eventualmente pode ser um período bastante longo. A pergunta é: qual vai funcionar primeiro? Por funcionar eu quero dizer atingir o ponto de se tornar um substituto econômico para os humanos.

Então, uma vez que cheguemos a esse ponto, o senhor alega que a economia passaria por uma revolução. A riqueza do mundo dobraria em questão de semanas. É um cenário difícil de imaginar quando olhamos para o mundo hoje, com taxas de crescimento anual de 3% a 4%. Como o senhor explica esse cenário em que as mudanças acontecerão tão rápido?

É preciso entender que, no passado, a economia crescia bem mais devagar do que hoje. A nossa taxa de crescimento atual não é de maneira alguma uma taxa natural e única. Na era da agricultura, a economia dobrou de tamanho mais ou menos a cada mil anos. Antes da agricultura, dobrava a cada 250 mil anos. Então dobrar a cada 15 anos, como está acontecendo agora, é um choque enorme se comparado às taxas de crescimento anteriores. Nessa nova economia, a taxa poderia crescer ainda mais rápido por inúmeras razões. Uma delas é simplesmente porque será possível criar quantos robôs-cérebros for necessário, numa velocidade incrível. Na economia atual, nós somos bem limitados na velocidade em que podemos produzir humanos. Leva tempo para "fazer" um humano até que ele se torne produtivo. Mas, com fábricas que podem fazer essas máquinas, você terá uma explosão na população de robôs. E também se esses robôs serão feitos de tecnologia computacional, então a eficiência deles vai aumentar na mesma velocidade do avanço tecnológico, ou seja, muito mais rápido do que o crescimento da economia em geral.

O senhor alega que a renda dos humanos deixaria de vir do trabalho, que seria quase que inteiramente monopolizado pelos robôs. Como os humanos vão conseguir renda? Que tipo de trabalho será atraente para os humanos?

Nós teríamos um substituto para os humanos que receberia a maior parte do dinheiro. Nesse cenário, humanos simplesmente não ganhariam dinheiro com empregos. No momento, já há outras maneiras de ganhar dinheiro além de trabalhar. Por exemplo, se você tem ações de empresas ou possui imóveis. São tipos de recursos que continuarão a ser valiosos nesse novo mundo.

Mas haveria espaço para toda a população humana ganhar dinheiro com isso?

Nós estamos falando aqui de uma mudança brusca para um mundo muito mais rico. Estamos falando de um mundo que vai se tornar mais rico a uma velocidade impressionante. Então uma pequena fração dessa riqueza é o suficiente para tornar qualquer um numa pessoa rica. Nós somos agora quase 7 bilhões de pessoas. Nós podemos muito bem acabar com trilhões desses robôs. Então os humanos seriam apenas uma pequena fração da população em geral.. O que temos de fazer é garantir que cada humano tenha uma pequena fração dessas coisas que vão ser valiosas neste novo mundo, um mundo que vai demandar imóveis, energia, propriedade intelectual, entre várias outras coisas.

O senhor diz que essa taxa de crescimento sem precedentes vai desencorajar o transporte de longa distância e encorajar a produção local. Como isso vai funcionar?

Transporte leva tempo. Hoje, se você leva duas semanas para enviar bens de um lado do Atlântico para o outro, não parece uma demora muito grande. Isso porque seus bens continuam valendo a mesma coisa duas semanas depois. Mas, se a economia está dobrando de tamanho a cada duas semanas, e se o envio dos bens até o destino levar o mesmo tempo, o valor deles será de apenas um quarto se comparado ao momento em que foram enviados. Quanto mais rápido a economia crescer, maior o prêmio para enviar as coisas de maneira rápida. Haverá um incentivo muito grande para que as coisas sejam produzidas localmente.

Se os computadores vão analisar dados e informações melhor do que os humanos, eles serão úteis para resolver muitos dos problemas que nós enfrentamos hoje. Na saúde, por exemplo, ou no combate à criminalidade. Em que áreas o senhor acredita que os robôs serão mais importantes para melhorar a vida humana?

Para um economista, a resposta óbvia é: em qualquer área que os humanos estejam dispostos a pagar por um serviço ou produto. A indústria devota sua atenção mais para as coisas que as pessoas estão dispostas a comprar. Nessa nova economia, isso não mudaria. A maneira como as coisas avançam dependem muito do consumidor e do que eles querem. Mas nesse novo mundo haverá muitos consumidores robôs, também. Então as coisas que vão avançar, do nosso ponto de vista, serão as coisas que outros consumidores [os robôs] também vão querer. Se há algo que só interessa aos consumidores humanos, então essas coisas serão menos elaboradas e vão melhorar em menor velocidade. O avanço médico dos humanos seria bem menos interessante para os robôs. Então os humanos terão de pagar por isso para haver avanço. Você está inscrito num projeto para ter a cabeça congelada após a morte. Por quê?

A resposta simples é: para que eu não morra. A alternativa é os vermes me comerem. Prefiro apostar que a emulação completa do cérebro pode funcionar. Essa é a ideia. É um evento que tem muita pouca chance de acontecer pela metade. Ou não vai acontecer, ou vai trazer à vida quase tudo que é humano. Estou apostando que vai acontecer.

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