Recomendação é dar prioridade para mensagens e deixar o celular mais longe do rosto| Foto: Hugo Harada/ Gazeta do Povo

Estudos

Pesquisadores têm certeza do efeito

A epidemiologista americana Devra Davis, criadora do grupo Environmental Health Trust, que passou quatro anos estudando a relação da radiação do celular com o câncer cerebral, é enfática: "Eu acredito que os celulares realmente causam câncer. Acho que, se esperarmos pela prova absoluta para agirmos, eu estarei morta e o mundo estará enfrentando uma epidemia global. Temos três ou quatro anos para agir e alertar as pessoas."

Para Adilza Dode, engenheira da Universidade Federal de Minas Gerais, não é preciso esperar mais para perceber os efeitos da radiação na saúde humana: "A saúde pública já foi afetada e estamos vivendo uma pandemia de câncer há pelo menos dois anos."

E outros problemas podem estar relacionados à longa exposição a campos eletromagnéticos: enfraquecimento do esperma no caso de homens que levam o aparelho no bolso da calça, alteração do líquido amniótico em mulheres grávidas, quebra ou mutação da molécula de DNA, surgimento de tumores benignos em nervos cranianos no canal auditivo e alteração da barreira hematoencefálica, uma membrana que protege os neurônios.

O neurocirurgião Paulo Issamu Sanematsu, do Hospital do Câncer, em São Paulo, discorda. Segundo ele, não há provas científicas conclusivas que relacionem radiação e câncer. Nem mesmo pessoas que apresentam tumores recebem a recomendação de evitar falar ao celular ou frequentar ambientes urbanos com grande concentração de antenas transmissoras. Segundo Devra, o problema todo é a distância – entre o celular e o cérebro do usuário e entre as antenas e os locais onde as pessoas passam grande parte do seu dia.

Om Gandhi, presidente do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Utah, estuda a relação entre a força do campo elétrico e a distância entre a fonte e o receptor. De acordo com seus estudos, a cada centímetro que o celular é afastado da cabeça, a absorção de radiação diminui entre 10% e 12%. Assim, apenas usando um fone de ouvido ou a função viva-voz, o risco de desenvolver doenças relacionadas à exposição ao campo magnético cai para patamares mínimos.

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"Cinco bilhões de celulares no mun­­do é a maior experiência biológica já feita na humanidade", diz o professor Leif Salford, presidente do departamento de neurocirurgia da Universidade de Lund, na Suécia. Como muitos outros cientistas, ele estuda há décadas os efeitos da radiação eletromagnética no corpo humano e se preocupa com o fato de o mundo usar cada vez mais tecnologias baseadas em ondas eletromagnéticas – rádio, tevês, celulares, wi-fi – sem saber que efeitos elas podem ter na saúde.

A Organização Mundial de Saú­­de (OMS) deu um alerta em maio: pode causar câncer. O anún­­cio da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc, na sigla em inglês), braço da entidade, classificou a radiação emitida pela antena do telefone celular como "possivelmente cancerígena para humanos", o mesmo grupo de perigo em que gases emitidos por automóveis, chumbo e clorofórmio estão incluídos.

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O estudo que motivou o anúncio relaciona o uso do celular ao aumento de tumores malignos e benignos no cérebro. Segundo a pesquisa, quem usou o aparelho por 30 minutos por dia durante 10 anos, apresentou 40% mais chances de desenvolver gliomas, um tu­­mor encefálico maligno e muito pe­­rigoso. Mas a divulgação veio com uma ressalva: os resultados não são definitivos. Ainda não há nenhum caso de câncer comprovadamente causado por celular e faltam estudos epidemiológicos para comprovar a ligação da doen­­ça com o uso do aparelho.

Para Adilza Condessa Dode, dou­­tora em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Mi­­nas Gerais, a classificação "possi­vel­­mente cancerígena" basta para a adoção do chamado Princípio da Precaução, que diz que, se ainda não há certeza sobre danos que uma tecnologia causa à saúde, é me­­lhor adotar medidas restritivas do que esperar até que aconteça o pior.

Em sua tese de doutorado, de­­fen­­dida no ano passado, Adilza re­­lacionou as mortes por câncer acontecidas em Belo Horizonte entre 1996 e 2006 com a proximidade da residência dos doentes a antenas de telefonia móvel: 93% dos casos das mortes ocorreram a até 500 metros de alguma antena. Foram analisados só casos de câncer que a literatura médica já sabe estarem relacionados à ação do campo elétrico gerado pela radiação, como de mama, pele, próstata, pulmão e fígado. Para a engenheira, a poluição eletromagnética é o maior problema ambiental do século 21, principalmente porque ainda não se tem certeza dos efeitos que ela pode causar.

No Brasil, quem determina e fiscaliza os níveis de exposição a campos eletromagnéticos é a Agência Nacional de Telecomuni­ca­­ções (Anatel). Ela define tanto a radiação máxima que um celular pode emitir quanto o valor máximo de campo eletromagnético que um conjunto de antenas pode gerar em área habitada.

Os valores adotados pela Anatel, em regulação de 2002, são os mesmos definidos pela Comis­são Internacional de Proteção Contra Radiações Não Ionizantes (Icnirp) e ainda indicados pela OMS. Segundo Agostinho Linha­res de Souza, gerente especialista em regulação da agência, todos os pontos de medição do país estão com os níveis de campo elétrico abaixo dos recomendados pela legislação.

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Parâmetros

A questão levantada pela OMS é se esses padrões são de fato seguros. Países como Suíça, Itália, Rússia e China já adotam parâmetros mais restritivos tanto para a emissão de radiação por aparelhos como celulares e roteadores, como para antenas de telefonia e radiodifusão. A cidade de Porto Alegre, por decreto municipal, também op­­tou pela cautela e adotou padrões 100 vezes mais baixos que os recomendados pela lei federal – e os serviços mantiveram o padrão de qualidade

Segundo Leeann Brown, porta-voz do Environmental Working Group, associação de pesquisadores sem fins lucrativos, a classe científica ainda não consegue determinar quais os padrões seguros de exposição a radiação, mas já é possível afirmar que os parâmetros atuais são altos demais e precisam ser revistos com urgência. Leeann acredita que apenas uma mobilização da população pode acelerar a mudança da legislação em cada país, já que as em­­presas de telecomunicações já sa­­bem dos perigos, mas evitam falar sobre isso para não assustar os consumidores.