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É fim de tarde no Nammos, um badalado complexo que reúne praia, restaurantes, bares, lojas e um spa na orla de Psarou, em Mykonos. O DJ aumenta o som, as meninas sobem na mesa e os rapazes estouram uns nos outros garrafas de champanhe que chegam a custar € 120 mil, enquanto o fotógrafo peruano Mario Testino aproveita o clima para clicar um editorial de moda. O mar azul-escuro do Mediterrâneo não protege as ilhas gregas da crise que abala o país, mas serve de cenário para uma realidade bem diferente da odisseia econômica que marca o verão em Atenas. Parece um retrato do número que surpreendeu o mercado esta semana: apesar de toda a turbulência política e da ameaça — agora contornada — de saída da zona do euro, a economia grega cresceu 0,8% no trimestre entre abril e junho.

Enquanto o resto do país sofre a pior depressão desde a Segunda Guerra, o dinheiro circula com fartura em Mykonos, que concorre em popularidade e glamour com destinos de férias como Ibiza, na Espanha, e Saint Tropez, na França. Os hotéis estão lotados, só se consegue lugar nas praias da moda ou nos restaurantes estrelados reservando com muita antecedência, e o aeroporto virou um dos mais sobrecarregados da Europa durante a alta estação. Não por acaso, a Ilha dos Ventos passou a ser apelidada de Principado de Mykonos.

— Não se vê adversidade por aqui, mas também não se veem gregos, só os que estão trabalhando — ressalta o bonachão Vassilis, dono de uma tradicional taverna na praia de Agios Sostis, desdenhando da necessidade de divulgar seu sobrenome.

Há 13 anos no comando da Kiki’s Tavern, que segue sem letreiro ou eletricidade, atraindo filas gigantes atrás de seus grelhados com saladas elaboradas de acordo com o que há de mais fresco no mercado, Vassilis reclama da escalada de preços que encurtou o poder aquisitivo dos gregos e afundou o país em dívidas desde a adoção do euro. O cinzeiro de barro que custava 30 dracmas, ele aponta, passou a valer € 1,50 da noite para o dia.

— O mais triste é que somos muito orgulhosos como nação. Temos uma história, uma cultura, e estão tentando destruir tudo — ele lamenta. — Mas aqui em Mykonos podemos produzir a nossa própria riqueza. Basta trazer turistas e vender-lhes os produtos locais, o que pode ser mais simples? Quem tem alguma coisa para vender faz dinheiro para comer. Meu pai era fazendeiro, cresci num trator vendendo tomate para sustentar a família.

Debut com Onassis, Jackie Kennedy, Callas e Elizabeth Taylor

Diferença mais notada pelos frequentadores assíduos de Mykonos do ano passado para cá, o sumiço dos gregos gerou um boom no mercado imobiliário local: nunca tantas casas foram vendidas para estrangeiros, por valores que, na contramão da crise, não raro ultrapassam € 5 milhões. Dona de uma vila na ilha há décadas, uma estilista de bolsas, casada com um famoso arquiteto de Atenas, conta, numa mesa do Nammos, que só pôde confirmar sua temporada de verão na praia — que este ano começou mais tarde que de costume — quando os bancos finalmente reabriram, no fim de julho, após três semanas de suspense.

— Estou sem pagar nem a conta de luz — diz ela, enquanto mostra no celular fotos da rainha da Inglaterra usando uma de suas criações nas revistas da semana.

O limite de saque estipulado pelo governo também afeta quem nunca teve mais de € 60 por dia. Praticamente invisível na festa que toma conta de Mykonos, um jardineiro albanês comenta que não recebe um tostão dos patrões gregos. “Só dos europeus”, frisa.

Quase dois meses depois de um referendo no qual a maioria da população “votou” não à austeridade frente aos credores europeus, os ministros da zona do euro aprovaram na última sexta-feira um programa de assistência financeira que vai garantir ao país até € 86 bilhões em três anos — mais uma tentativa de aliviar uma dívida que chega a US$ 345 bilhões. O acordo, aprovado com dificuldade pelo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, foi logo aprovado, também, pelos ministros das Finanças da zona do euro, o chamado Eurogrupo. E afastou-se, por ora, o risco de um país deixar a moeda única.

Mykonos entrou para o mapa do turismo nos anos 1960, quando o armador grego Aristóteles Onassis atracou na ilha com seu iate Christina, trazendo com ele figuras como Jacqueline Kennedy, Maria Callas e Elizabeth Taylor e transformando um pedaço de paraíso empobrecido em meca da sofisticação festeira. A era de ouro chegou ao fim há cerca de cinco anos, junto com a crise da dívida no país. Ironicamente, a ilha parece muito bem assim.

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