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Proposta será apresentada ao Banco Central em novembro, durante seminário de Cidadania Financeira, em Brasília | Banco Central/Divulgação
Proposta será apresentada ao Banco Central em novembro, durante seminário de Cidadania Financeira, em Brasília| Foto: Banco Central/Divulgação

Bancos públicos e privados estão se articulando para ampliar o escopo do microcrédito no Brasil. A proposta que vem sendo elaborada pelas instituições financeiras e será apresentada ao Banco Central em novembro visa a ampliar o volume de recursos direcionados ao segmento e o tamanho dos empreendimentos que podem ser beneficiados.

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Essa modalidade de empréstimo, com juros regulados por lei (no máximo 4% ao mês), é concedido a microempreendedores de baixa renda e, em muitos casos, na informalidade. A iniciativa surge em momento de crescimento da inadimplência e de perda de fôlego do microcrédito, após anos de expansão no governo da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Uma das demandas do setor é que o Banco Central eleve o limite dos empréstimos, hoje em R$ 15 mil ao ano, para algo em torno de R$ 60 mil. Os bancos querem que a fonte dos recursos aumente. Hoje, o BC determina que ao menos 2% dos depósitos compulsórios à vista (que precisam ser recolhidos pelos bancos ao BC) sejam destinados ao segmento; a proposta é que o percentual seja elevado para 3%.

Outra demanda é a elevação, de R$ 120 mil para R$ 360 mil, do teto de faturamento anual para empreendedores que podem ser beneficiados pelo microcrédito. Ao menos 15 executivos de bancos que atuam no segmento já se reuniram duas vezes este ano para elaborar a proposta (uma vez na sede da Caixa e outra, na do Santander, em São Paulo), que será apresentada ao BC em novembro durante seminário de Cidadania Financeira, em Brasília.

“O mercado de microcrédito tem uma carteira de R$ 5,3 bilhões ao ano. Dentro do cenário de melhoria de condições operacionais, de aumento do funding, esse mercado pode chegar a R$ 20 bilhões daqui a cinco anos”, afirmou Jerônimo Ramos, superintendente de Microcrédito do Santander. Procurado, o BC afirmou que não comenta movimentações de instituições que supervisiona.

Correção

Segundo executivos do setor, um dos motivos para o pleito por um aumento dos valores é o fato de não terem sido corrigidos pela inflação desde que foram instituídos, em meados da década passada. Apesar disso, os bancos que atuam no segmento admitem que o empréstimo médio hoje é bem menor que o limite de R$ 15 mil.No Banco do Nordeste, o tíquete de médio é de R$ 1.900; no Banco do Brasil, de R$ 2.000, e no Santander, de de R$ 2.900.

“O teto atual impõe limitações de atividades empreendedoras. Com o aumento do desemprego, as pessoas tentam montar o próprio negócio. Mas, hoje, com R$ 15 mil, o cliente não consegue comprar um food truck. Isso é algo que deveríamos ser capazes de financiar”, ponderou o superintendente de Microfinança do Banco do Nordeste, Stélio Gama Lyra Junior,

Segundo números do Banco Central, o saldo da carteira de microcrédito (o estoque de empréstimos que ainda precisam ser quitados pelos clientes) fechou o primeiro semestre do ano em R$ 5,3 bilhões, 0,4% menor que no mesmo período de 2015.

Programa Crescer

Embora o governo já tivesse um projeto de apoio ao microcrédito orientado desde meados dos anos 2000, o segmento ganhou impulso a partir de 2011, quando foi lançado o Programa Crescer, que estimulou a concessão de empréstimos a pequenos empreendedores por meio dos bancos públicos.

O saldo da carteira deu um saltou naquele ano, avançando quase 22% entre o primeiro semestre de 2011 e o mesmo período do ano seguinte, para R$ 2,95 bilhões. O montante seguiria subindo até se aproximar de R$ 5,5 bilhões em 2014. Desde então, o segmento está praticamente estagnado, afetado pela desaceleração econômica e pelo aumento da inadimplência, de acordo com especialistas.

“A inadimplência cresceu por razões conjunturais, como aumento do desemprego, mas a principal razão é o avanço das operações de crédito pelos bancos públicos. Houve um crescimento muito rápido das carteiras dessas instituições”, observou Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças (Cemf) da FGV/EAESP.

Os calotes, que haviam se reduzido em 2015, subiram de 4,1% de junho daquele ano para 7% no mesmo mês de 2016. Em comparação, a inadimplência da carteira total de crédito direcionado, que inclui crédito rural e empréstimos do BNDES ao capital de giro, é de apenas 1,4%.

Parcela pequena

A perda de fôlego manteve o microcrédito no mesmo patamar de insignificância quando comparado com o mercado brasileiro como um todo. Ele não chega a 0,4% do R$ 1,5 trilhão da carteira de crédito direcionado. Embora 28,2 milhões de pessoas já tenham sido beneficiadas com o empréstimo de R$ 64,3 bilhões entre 2008 e 2015, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, 70% do público que necessita desses empréstimos não são atendidos.

“Em geral, os bancos não veem vantagem em atuar no microcrédito quando olham para outros segmentos. O setor privado sempre participou muito pouco, enquanto o poder público, invariavelmente, atua por meio do crédito (convencional)”, diz Gonzalez.

Por isso, o professor acredita que o aumento da destinação do compulsório não promoveria aumento substancial na concessão do microcrédito. Ele afirma que, embora uma resolução de 2005 do Conselho Monetário Nacional (CMN) determine que bancos comerciais e a Caixa Econômica Federal devam destinar ao microcrédito ao menos 2% dos depósitos à vista compulsórios, nem todos o fazem.

Segundo o diretor do BB Asclepius Soares, a destinação do banco está na faixa de 1,5% dos compulsórios. O Santander, por sua vez, diz usar 90% do montante exigido. Os bancos que não fazem isso podem repassar cotas a outras instituições. O Banco do Nordeste, líder disparado do segmento, tem carteira de R$ 2,95 bilhões, ou mais de metade do mercado. Ele usa, porém, não só o seu compulsório, como o de outras instituições. Os valores que não são usados dessa forma são depositados pelo BC numa conta sem remuneração.

“O que me parece uma luz no fim do túnel é o fenômeno das Fintechs (empresas que oferecem serviços financeiros digitais). Se conseguirem se comunicar facilmente com a população de baixa renda, poderão aumentar a presença, já que há um mercado preponderantemente não atendido “, afirma o professor.

Jerônimo Ramos, do Santander, avalia que o suporte à carreira dos agentes de crédito poderá democratizar o microcrédito. Os agentes são responsáveis por ir a campo avaliar a capacidade dos empreendedores de aplicar os recursos em seus negócios e quitar dívidas. São essenciais para as operações porque, na maioria das vezes, os tomadores não têm relacionamento prévio com o sistema financeiro e, logo, têm perfil de crédito desconhecido. A ideia é criar certificação oficial para esses profissionais, a exemplo das do mercado financeiro, para garantir que tenham noções de contabilidade e da metodologia de microcrédito.

Benefícios

Nos últimos anos, o microcrédito tem sido essencial para a Manancial Bolsas, loja de bolsas e assessórios no centro de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Ao lado de favelas como o Complexo do Alemão, a região é a principal base de atuação no Rio do microcrédito do Santander, do qual o dono da loja é cliente.

“Meu primeiro empréstimo foi há sete anos, R$ 400 que vieram com gosto de R$ 20 mil. Na época, não tinha cartão, conta em banco nem loja. Comprava os produtos na 25 de Março e na Saara para vender a camelôs. Só não procurava agiotas porque cobram muito caro, mas sempre precisava pedir à minha mãe e a um tio para pegar empréstimo para mim”, contou Tiago José da Silva, de 33 anos, dono da loja.

Ele acaba de renovar empréstimo de R$ 15 mil, parcelado em seis vezes, para aproveitar os descontos de até 40% que o atacado paulista está oferecendo nesses tempos de crise.

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