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| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo/Arquivo

A indefinição que cerca o setor de transmissão de energia paralisou investimentos e pegou no contrapé as empresas que fornecem equipamentos para projetos de linhas e subestações que ligam a produção de energia ao consumo.

Com o avanço das eólicas no Nordeste e as grandes usinas hidrelétricas longe dos centros de carga, o setor tinha tudo para viver um ótimo momento – só o escoamento e integração da energia de Belo Monte demanda 4,5 mil quilômetros de novas linhas. Mas a falência da espanhola Abengoa e o atraso no pagamento das indenizações que o governo deve às transmissoras, além da dificuldade em se fechar um novo grande leilão de linhas, deixaram fabricantes de equipamentos como transformadores, torres e cabos sem perspectivas.

O pedido de recuperação judicial da Abengoa, no início deste ano, paralisou vários projetos da companhia, afetando, sobretudo, as grandes fornecedoras como Siemens, ABB e Alstom Grid (atual GE Grid Solutions), entre outras. Os equipamentos customizados especialmente para os projetos da Abengoa estão parados no pátio das fabricantes, que podem ter de assumir um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão, segundo Humberto Barbato, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).

Linhas viram pré-requisito para novos investimentos em geração

Para driblar o apagão de linhas de transmissão no país, agravado pela falta de novos investimentos, o leilão de geração de energia a partir de fontes alternativas, como eólica e solar, previsto para dezembro deste ano, vai licitar apenas os empreendimentos que já dispõem de linhas de transmissão para escoar a eletricidade nova ou, então, cuja estrutura está em fase final de instalação, ou seja, a existência ou não de linhas de transmissão será um dos componentes de viabilidade do empreendimento. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a medida tenta evitar que obras de geração prontas fiquem paradas por falta de linhas de transmissão, como o caso emblemático de parques eólicos no Nordeste.

“Temos razões para estar muito preocupados. Se a chinesa State Grid levar as linhas da Abengoa, e ela é a maior interessada, é muito provável que ela importe todos os equipamentos”, afirma Barbato.

Sinal de problema

O principal sinal de que as coisas realmente não vão bem no setor são os leilões mal sucedidos, problema que preocupa tanto as grandes fabricantes como as empresas de menor porte. Em 2015, mais da metade dos lotes ofertados não tiveram empresas interessadas. Neste ano, dos 24 lotes ofertados na primeira etapa do leilão de transmissão realizada em abril, 10 tiveram salas vazias. Com investimentos estimados em R$ 12,6 bilhões, a segunda etapa foi adiada de 2 setembro para 28 de outubro.

“Temos expectativa de que esse leilão de outubro vai trazer novas receitas”, afirma Paulo de Almeida Junior, gerente-executivo de Marketing e Inteligência de Mercado da Romagnole Produtos Elétricos, de Mandaguari, no Norte do Paraná. A entrada da empresa no mercado de transmissão – com o fornecimento de torres, postes de concreto e estruturas para subestações – praticamente coincidiu com o início da retração do setor, segundo Almeida Junior. “Todo o investimento feito foi frustrado, não virou negócios e faturamento”, diz.

A empresa sentiu as dificuldades aumentarem há cerca de um ano, a partir do leilão de agosto de 2015, quando dois terços dos lotes ofertados não tiveram interessados. Para não ficar no prejuízo, a Romagnole fez um rearranjo e as máquinas adquiridas para fabricar torres de transmissão foram usadas na fabricação de produtos para a área de distribuição, que é o carro-chefe da empresa.

A expectativa dos fornecedores é pela retomada dos investimentos. Para isso, contudo, as empresas dependem do pagamento de cerca de R$ 25 bilhões em indenizações decorrentes ainda da renovação das concessões, segundo o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Mário Miranda. Esse dinheiro, segundo ele, é crucial para dar fôlego a um novo ciclo de investimentos no setor que prevê, até 2024, cerca de R$ 108 bilhões em investimentos na área de transmissão.

“A saúde financeira das concessionárias de transmissão está prejudicada em função do atraso das indenizações. Tirando a saúde do nosso cliente, tira a nossa saúde também”, afirma Barbato, que também destaca a dificuldade do setor em exportar os produtos em função da oscilação do câmbio.

10 mil quilômetros de linhas...

... no Brasil são de propriedade da espanhola Abengoa, incluindo trechos em construção para escoar a energia de Belo Monte. Seus ativos de transmissão deverão ser relicitados até dezembro deste ano, mas o novo vencedor não é obrigado a honrar os contratos firmados pela empresa. No total, a conclusão das linhas da companhia devem demandar R$ 7,25 bilhões em investimentos, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Tarifas baixas demais comprometem saúde das empresas

Com a saída da espanhola Abengoa do mercado de transmissão, as linhas que pertenciam à companhia serão relicitadas, mas será difícil encontrar empresas que queiram dar continuidade aos projetos pela mesma tarifa acertada pela Abengoa. “O preço de deságio que ela vinha oferecendo nos leilões era impraticável”, afirma Humberto Barbato, da Abinee.

As baixas tarifas – sobretudo após renovação antecipada das concessões, por meio da MP 579 – são hoje um dos grandes motivos do insucesso dos leilões de transmissão, acredita Barbato.

Ao seguir a lógica do menor preço, as empresas que levam as licitações não estão conseguindo manter os investimentos previstos, o que afeta diretamente os fornecedores dessa cadeia.

Segundo Paulo de Almeida Junior, gerente-executivo de Marketing e Inteligência de Mercado da Romagnole Produtos Elétricos, o mercado considera o retorno muito baixo. “É menor, inclusive, do que os investidores têm que desembolsar para captar recursos, via uma debênture, por exemplo. Hoje, O retorno do investimento com uma linha de transmissão também é menor do que se conseguiria com aplicações até com títulos do próprio governo”, detalha ele.

Além disso, Almeida Junior destaca que há um enorme risco envolvido. O mais importante deles é o licenciamento ambiental, que não é considerado nos pré-projetos e a aprovação é muito difícil e morosa. Há também o risco cambial e o risco de mudança das regras do jogo, como aconteceu com a MP 579, que trouxe problemas sérios de caixa paras as empresas do setor.

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