• Carregando...
Repair Café na Alemanha: movimento completa sete anos e governos já pensam em incentivar consertos para evitar acúmulo de lixo. | RaMa2016/Wikimedia Commons
Repair Café na Alemanha: movimento completa sete anos e governos já pensam em incentivar consertos para evitar acúmulo de lixo.| Foto: RaMa2016/Wikimedia Commons

Ideia surgida há sete anos na Holanda, o movimento do repair café (café de consertos) se espalhou rapidamente pelo mundo. Nesses 1.150 cafés, presentes em 29 países, mecânicos aposentados ou amadores dedicam parte do tempo a consertar de graça itens que vão da cafeteira à luminária com o objetivo de evitar o esbanjamento.

Durante a “Semana Internacional”, realizada recentemente em Berlim para celebrar o aniversário de sete anos, a jornalista holandesa Martine Postma, que abriu o primeiro Repair Café em Amsterdã, no dia 18 de outubro de 2009, afirmou que a política de “menos lixo e mais contato pessoal” é uma contribuição importante para a sustentabilidade. A ideia de consertar, em vez de pôr no lixo, já começa a ser descoberta pelos políticos como um mecanismo importante da política de meio ambiente.

Segundo Harald Marpe, da associação dos residentes no núcleo da Praça Clausener, o repair café reforça a ideia contra a sociedade de consumo. “Na Europa, ninguém manda mais consertar os aparelhos que quebram porque muitas vezes os custos do conserto superam o da aquisição do produto novo”, lembra Marpe, 60 anos.

Na Praça Clausener, perto do Castelo de Charlottenburg, em Berlim, o repair café reforça a ideia de núcleo comunitário, embora o aspecto mais importante sejam as montanhas de lixo provocadas pelos aparelhos “descartáveis”. O que não era consertado acabava aumentando o lixo poluidor do meio ambiente ou era exportado para a África, como pneus velhos, o que contribui para elevar os problemas ecológicos desses países.

A reação ao repair café de Amsterdã foi explosiva. Em pouco tempo, cidades de Bélgica, Estados Unidos e Alemanha endossaram a ideia de que consertar é criativo e sobrevive à moda. Na Alemanha, o primeiro repair café foi aberto em 2012, em Colônia. Hoje, já existem unidades em países como Turquia e Gana.

Incentivo ao conserto

Sinal de que a cultura do combate ao desperdício se espalha pela Europa foi a decisão do governo da Suécia de tentar estimular o conserto de objetos como sapatos e eletrodomésticos. O país planeja oferecer incentivos fiscais para o reparo de calçados, roupas, artigos de couro, têxteis e bicicletas. O imposto para o conserto destes itens deve ser reduzido de 25% para 12%, de acordo com um plano apresentado em setembro ao Parlamento.

A proposta é ainda mais abrangente. O governo sugere que os contribuintes possam ser restituídos por metade dos custos de mão de obra com o reparo de produtos como máquinas de lavar, geladeiras e fogões. A estimativa é de que a mudança custe ao governo US$ 86,4 milhões. A interpretação do governo é que a população está disposta a consumir de forma mais sustentável e que o incentivo é bem-vindo.

Em práticas colaborativas, como o repair café, nada funciona comercialmente. O imóvel usado para o encontro de mecânicos e proprietários de aparelhos quebrados em busca de ajuda é emprestado por instituições municipais. Também a xícara de café tomada durante o encontro de conserto ou as peças usadas vêm de doações.

Segundo o engenheiro Birger Prüter, encarregado de técnica do meio ambiente e energia renovável da repartição distrital de Charlottenburg-Wilmersdorf, bairro central na antiga Berlim Ocidental, as prefeituras apoiaram imediatamente a ideia. “Nada pode ser melhor para o meio ambiente do que o conserto e reaproveitamento de aparelhos”, diz Prüter.

As reuniões em Charlottenburg-Wilmersdorf ocorrem na primeira quinta-feira de cada mês no salão de uma escola de alemão para estrangeiros, quase todos refugiados. Igor, um aposentado que sempre teve talento para consertar tudo, frequenta as reuniões regularmente. Em troca do contato social e da sensação de se sentir útil, ele dedica quatro horas por mês ao conserto dos aparelhos quebrados dos habitantes do distrito.

Satisfação garantida

Gisela M., que vive num prédio vizinho, aproveitou para trazer a luminária que herdou da mãe e que havia deixado de funcionar. “Confesso que não teria coragem de pôr essa peça de valor real e afetivo no lixo, mas as oficinas tradicionais de consertos, como ainda existem no caso dos sapateiros, desapareceram porque os custos quase sempre superavam o valor da aquisição”, diz Gisela, feliz em ver que, depois de apenas 20 minutos de ação, Igor fez a luminária voltar a funcionar.

Na fila de espera, vizinhos aguardam com aparelhos de toda sorte, desde cafeteiras até rádios, CD players e até vitrolas antigas que já não são mais encontradas no comércio. Na entrada da sala, Prüter registra todos os visitantes com nomes, endereços e objetos trazidos para o conserto. Quase todos são moradores do mesmo bairro, mas qualquer um pode levar algo para consertar.

De acordo com Marpe, a febre do repair café não é um fenômeno isolado, porque faz parte de um processo antiglobalização, no qual as pessoas cultivam pequenos núcleos comunitários, onde se sentem mais protegidas do que no anonimato das grandes cidades. Mesmo com seus 3,7 milhões de habitantes, parte dos moradores de Berlim ainda restringe seus hábitos a regiões menores. Alguns deles vivem, se divertem, fazem compras ou vão ao médico nos seus próprios bairros.

O conserto de produtos não é a única forma de consumo sustentável a ganhar espaço. A reutilização de sobras, resíduos ou produtos inutilizados para criar novas peças de maior valor, o chamado upcycling, também conquista novas fãs. A butique de “luxo do lixo” de Eric Pieper adota a prática e vende cintos feitos de pneus velhos. Segundo Pieper, o consumidor leva, junto com o produto, a história do material. O upcycling é usado não somente na moda. Esculturas e outras obras de arte expressam também a ideia de que nada se perde, tudo se transforma, mesmo que com aparência e funções diferentes.

Brasil também tem redes de conserto e upcycling

  • Rio de Janeiro

As mudanças na forma de consumir desembarcaram no Brasil, com iniciativas para facilitar a vida de quem precisa consertar um aparelho, ou de projetos de upcycling, que reutilizam sobras, resíduos e produtos inutilizados para criar novas peças. Uma das que tentam mudar o modo de fazer moda é Gabriela Mazepa, fundadora do Re-Roupa, que mistura loja com oficinas e palestras de upcycling, e tem um lado social, ao empregar costureiras de comunidades de baixa renda.

A criação no upcycling, conta a estilista, é um desafio a mais. Isso porque os tecidos usados são retalhos que fábricas e confecções jogariam no lixo: “Não posso definir que vou fazer uma coleção toda amarela, por exemplo, porque não escolho os tecidos que vou pegar. É um processo criativo muito intenso, porque você não sabe o que vai aparecer”.

E a ideia de não comprar à toa vai além das roupas, segundo Gabriela, que diz procurar quem conserte seus aparelhos quando eles quebram: “Meu pai é engenheiro e consertava as coisas na nossa casa. Para mim, isso é natural, sempre que posso, tento estender a vida das coisas. Mas não sou radical, se for preciso, compro”.

O upcycling virou curso do IED, na Urca. E, em breve, voltará a ser tema de aulas, mas com foco na aplicação da técnica ao design, transformando um objeto em outro, conta Fabio Palma, diretor do IED do Rio. “A economia hoje é linear: produzida num canto, vendida em outro e consumida na ponta. No upcycling, você fecha um ciclo, usa matéria-prima que era descarte e volta a ser matéria-prima”, diz Palma. “A economia circular é mais sustentável e respeitosa ao meio ambiente.”

Fruto do Re-Roupa, o Roupa Livre mistura eventos de troca de roupas, produção de conteúdo, um site que mapeia iniciativas de consumo consciente e um aplicativo para celular em fase de gestação, mas que promete promover essa forma de olhar para as coisas. Para Mari Pelli, fundadora do Roupa Livre, a troca de peças já era feita dentro das famílias, mas ganhou nova cara: “O que anos atrás não parecia interessante hoje chega a ser uma alternativa viável para substituir a necessidade de compra. Não compro nada novo há três anos. Só renovo meu guarda-roupa com troca, reforma, transformação, consertos e roupas de segunda mão”.

E, para ajudar quem acredita que o que quebrou deve ser consertado e não trocado, surgiu o Consertaê, um “Uber dos reparos”. O site cadastra técnicos, checando antes habilidades, referências e antecedentes criminais. Do outro lado, o cliente agenda o atendimento, preenchendo um formulário no site, no qual indica o problema e o melhor dia e horário para o serviço, que pode ser pago com cartão de crédito. “Com a crise, o número de pessoas que preferem consertar aumentou bastante. Porém, acho que, mesmo após o Brasil se recuperar, o comportamento continuará”, diz Marcílio Quintino, fundador do Consertaê. Uma das usuárias da plataforma é a empresária Jessica Paula, que procurou um técnico para reparar seu celular: “Poder consertar é uma opção melhor que comprar outro”.

Outra iniciativa que recicla dando novo valor ao produto é a Retalhar. Ela tem parceria com 20 empresas e transforma resíduos têxteis, como uniformes antigos, em brindes, cobertores para doação ou mantas acústicas, usadas em construção. A prática é vantajosa para o meio ambiente e para empresas, que garantem o descarte correto dos uniformes.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]