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A decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de manter a taxa de juros dos EUA em até 0,25% ao ano, tomada nesta terça-feira (10), corrobora um consenso entre economistas de que os juros ficarão baixos por muito tempo no país já que os sinais mais recentes de retomada do crescimento da economia foram desapontadores.

Mesmo assim, para o economista Luis Augusto Candiota, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil, mais importante do que o anúncio dos juros foi a decisão de reinvestir os recursos dos títulos lastreados em hipotecas que estão vencendo em treasuries (títulos do Tesouro dos EUA) de longo prazo. "Foi muito mais um ato simbólico do que propriamente um estímulo que vai gerar retomada econômica. Mas é também uma sinalização de que o FED não tem pressa em desfazer o programa dos benefícios feitos para salvar o mercado financeiro americano", diz ele

Para o economista, a manutenção da taxa de juros sinaliza que as autoridades monetárias dos EUA querem de fato comprovar a retomada da economia com mais clareza do que se viu até agora. "O comunicado do Fed não sugere que ele está preocupado com uma nova recessão. O que está implícito, na minha visão, é que eles estão administrando de perto os indicadores, querendo evitar de todas as maneiras que BC seja responsável por uma queda da atividade econômica por causa dos juros".

Incertezas

O universo de probabilidades sobre os rumos que vão tomar as economias da Europa e dos Estados Unidos ainda mantém um cenário de muita incerteza sobre o futuro, segundo Candiota, hoje sócio do Grupo Lacan. "O remédio para a cura da crise que abalou o mundo há dois anos foi inteiramente novo e seus efeitos colaterais são desconhecidos. Qualquer um que se atrever a definir um cenário futuro não sabe para onde está olhando. E, se acertar, será por pura sorte."

O grau de incerteza do cenário externo intriga grandes economistas do mundo, criando um debate bastante dividido de hipóteses. "De um lado da mesa, gente muita séria corrobora a tese de que poderemos sim entrar num período recessivo", segundo Candiota. O economista cita algumas justificativas apontadas para este cenário, como a baixa concessão de crédito, o alto desemprego, o temor dos consumidores europeus e americanos de voltarem a se endividar e o esgotamento da capacidade dos governos em injetar mais recursos no mercado.

Do outro lado da mesa, segundo o economista, estão aqueles que acreditam que a recessão conseguiu ser contida mesmo com o baixo crescimento despontando em algumas economias e também com a ajuda da demanda crescente dos mercados emergentes. Mas isso não significa alívio ou fim dos riscos. "Neste caso, muitos vêem perigo numa volta da busca por ativos de alto risco, já que as taxas de juros nas economias em geral estão muito baixas. Aqui, o risco está no surgimento de novas bolhas especulativas."

Se os diagnósticos são diferentes, as perspectivas são ainda mais distantes. Candiota aponta um "desencontro muito grande" no preço dos principais ativos disponíveis no mercado: "antes da crise de 2008, os preços das ações em bolsa, do ouro, das moedas, das taxas de juros e de mercadorias de comércio exterior tinham uma correlação maior. Agora, cada um vai para um lado pelo mesmo motivo. Os grandes detentores de capital estão muito divididos na escolha de seus investimentos, o que é normal, mas não ameniza a situação."

O economista alerta para outra incógnita preocupante: "o sistema financeiro mundial praticamente faliu - só não quebrou porque os maiores bancos do mundo tiveram ajuda maciça dos governos. Ainda não sabemos qual será a velocidade nem a intensidade com que o sistema vai conseguir dar crédito a pequenas e médias empresas dos Estados Unidos e da Europa, que são grandes alavancas da economia, geradoras de emprego".

Candiota acredita que ainda vai levar algum tempo para que seja possível fazer um prognóstico mais seguro sobre as consequências e soluções para a crise nas economias da Europa e Estados Unidos. "Trabalhamos com estímulos de governos como nunca vimos, com metas muito ousadas de redução do endividamento. Parte da retomada de confiança tem a ver com uma percepção clara de que os governos vão ser capazes de administrar os seus déficits fiscais".

Doença e remédio

Para o economista, "a doença da ganância e dos riscos desmesurados nos já conhecemos. Mas para tratá-la aplicou-se uma dose muito alta de morfina e o 'doente' foi colocado em coma induzido. Agora estão tirando o sedativo e não se sabe como o doente vai voltar. Pode voltar mais forte ou com seqüelas".

E como isso afeta o Brasil? "Hoje, temos uma contaminação muito pequena porque o Brasil ainda tem uma baixa integração com as economias mundiais. Foi assim nos tempos da bonança, em que o mundo todo crescia a taxas elevadas - o país não cresceu no mesmo nível e não aproveitou o bom momento para fazer ajustes internos mais importantes, como na parte fiscal. Quando a crise veio, o Brasil, com uma pequena quantidade de remédios, conseguiu manter o seu rumo", esclarece Candiota. Ainda segundo ele, "apesar de muitos avanços na política econômica do país, grande parte das limitações para um crescimento robusto da economia brasileira continuam existindo".

Sobre a atuação do Banco Central no Brasil, Candiota acredita que os diretores da autoridade monetária "estão convencidos de que o cenário externo vai ajudar a empurrar a inflação para baixo e por isso pode colaborar com juros mais baixos." E aponta os desafios do BC num próximo governo. "No atual cenário, o desafio é ter a humildade de reconhecer que política monetária é uma conseqüência e não o ponto de partida da economia. Ela reflete essencialmente uma combinação de todas as outras políticas econômicas, principalmente a fiscal. O BC de um governo que começa no ano que vem deve, acima de tudo, encarar um cenário com todos esses graus de incerteza e olhar com mais carinho, mais atenção mesmo, quais são de fato as razões para que as taxas de inflação no Brasil ainda sejam tão resistentes a cair e a serem mais baixas por muito mais tempo".

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