A professora Clarice: compras mais frequentes para evitar o desperdício do produto, que subiu três vezes neste ano| Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo

Dica

Quer pagar 60% a mais pelo pãozinho?

Mais do que em época de preços estáveis, pesquisar vale a pena. O preço do pão francês varia 60% em Curitiba, conforme o serviço Disque Economia, mantido pela prefeitura e disponível em www.curitiba.pr.gov.br. O consumidor encontra o pãozinho – que não deveria variar tanto de preço, pois tem receita à base de farinha, água e sal – por valores que vão de R$ 4,99 a R$ 7,99 por quilo nos 11 supermercados listados. Numa cesta de dez produtos com custos ligados ao trigo, observa-se variação de R$ 20 para R$ 30 no preço final nessas lojas (50%).

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Gilmar Veronese, da panificadora Viana: compras de farinha para formar estoque sempre que o preço baixa
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Os rabiscos de correção nas tabelas de preços das panificadoras de Curitiba estão diretamente ligados ao excesso de chuva registrado nos últimos meses nos Estados Unidos. Os cartazes borrados descarregam a revolta dos agricultores argentinos contra a política tributária da presidente Cristina Kirchner. E esse aparente caos reflete o mercado globalizado. A produção mundial de trigo caiu no último ano por fatores climáticos e pelo recuo dos triticultores (incluindo os brasileiros). Justamente nesse período, o Brasil se tornou mais dependente das importações. Resultado: o pão, o biscoito e o bolo subiram 14% em 12 meses, o dobro da inflação, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O pão francês, alimento que segue mais de perto o preço da farinha, subiu 18% no Paraná, o estado que mais produz trigo no Brasil. E isso não surpreende o mercado. O Brasil está importando em 2012/13 volume recorde de trigo: 7,2 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Trata-se de 1,2 milhão de toneladas a mais do que em 2011/12 (6 MT), que também quebrou as marcas históricas. Na prática, para cada 10 quilos de farinha necessários ao abastecimento, o país compra 6,8 quilos no exterior.

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De janeiro a maio, importamos 3 milhões de toneladas de trigo. Isso a cerca de US$ 350 por tonelada – US$ 100 a mais do que se pagava um ano atrás, conforme a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). Não à toa, os preços são o assunto principal nas filas de consumidores, principalmente na fila do pão. "O pãozinho que eu compro subiu três vezes neste ano e, se for somar, isso passa de 30% de aumento. Para o nosso salário [dos servidores públicos do Paraná], a proposta é de reajuste de 6,39%. Por isso que o preço pesa", disse a professora Clarice Guedert, segundos antes de uma nova fornada. Além de fazer pesquisa de preço para economizar, ela conta que evita qualquer descarte fazendo compras mais frequentes.

As panificadoras também tentam suavizar o impacto dos reajustes para não assustar os clientes. O empresário Gilmar Veronese, dono da panificadora Viana, no Centro de Curitiba, usa a estratégia de formar estoques sempre que a matéria-prima baixa um pouco. Como consegue estocar até mil sacas de 50 quilos de trigo, R$ 5 a menos por saca representam uma diferença de R$ 5 mil, que não pode ser dispensada. Outra tática é manter a indústria de 25 funcionários trabalhando continuamente. "Com preço competitivo e pão fresco a toda hora, vendemos um volume maior. Vendendo mais, podemos trabalhar com uma margem competitiva", relata Veronese. Ele é dono de uma empresa familiar de 107 anos que uma década e meia atrás ampliou sua estrutura e deu um salto de produção.

Principal fornecedor, Argentina promete retomada

O Brasil costuma comprar mais de 80% do trigo importado da Argentina. No último ano, a produção do país vizinho caiu de 15,5 para 11 e as exportações de 13 para 5 (milhões de toneladas). Com redução tamanha na disponibilidade do cereal, os moinhos brasileiros estão tendo importar trigo do Hemisfério Norte. Uma janela de quatro meses foi aberta em abril para compras isentas da Tarifa Externa Comum (TEC) – 10%, aplicados sobre compras de fora do Mercosul. A meta é importar 1 milhão de toneladas de fornecedores eventuais, incluindo os Estados Unidos, que enfrentam embargo do Japão pela descoberta de trigo transgênico não autorizado no mercado internacional. Diante de um quadro de aperto e que exige ressalvas sanitárias, os preços no Brasil só devem baixar se houver aumento na produção em 2013/14, principalmente na Argentina.

A produção brasileira, que chega a 5,8 milhões de toneladas em anos bons, ficou em 4,3 milhões (t) em 2012/13, para um consumo crescente de 10,6 milhões (t). Principal produtor, o Paraná colheu apenas 2,1 milhões de toneladas, dois terços do que alcança nas melhores safras. A área foi reduzida por três anos seguidos no estado, onde os triticultores descontentes ainda reclamam da lucratividade e da falta de liquidez na hora da colheita. Na safra 2013/14, que está sendo plantada, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) observa aumento de 9,4% no cultivo, que deve atingir 2,1 milhões de hectares. A colheita, que ocorre no segundo semestre, pode crescer 27%, para 5,5 milhões de toneladas. Mesmo assim, os estoques devem continuar apertados.

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O estoque final, que um ano atrás era suficiente para 42 dias de consumo, caiu para 21 dias na última temporada. No final de 2013/14, considerando a previsão de aumento na produção interna, deve cobrir apenas 24 dias. Não à toa, a expectativa do mercado é maior em relação à previsão de aumento na produção externa, embora ainda não haja consenso sobre qual será o incremento na oferta na Argentina. O país sustenta projeções de 13 milhões de toneladas por enquanto.

Os produtores argentinos explicam essa indefinição. Com 600 hectares de grãos no verão, Juan José Delfabro, de Rafaela (província de Santa Fé) semeia apenas coberturas no inverno. Ele afirma que o trigo não vale mais a pena porque as taxas de retenções que o governo cobra nas exportações (um quarto do volume exportado, no caso do trigo) consomem as margens de lucro. "Produzir para este governo, nem pensar." Depois que as retenções foram impostas, há cinco anos, a área do trigo caiu de 6,5 milhões para 3,7 milhões de hectares. Num momento em que o país cogita até importar trigo na entressafra, Buenos Aires anunciou que vai devolver perto de US$ 30 por tonelada para quem continuar plantando trigo.