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O presidente Lula e ministros em balanço dos 100 primeiros dias de mandato, em abril: governo se limita a relançar ideias velhas e não inova na área social, dizem especialistas.
O presidente Lula e ministros em balanço dos 100 primeiros dias de mandato, em abril: governo se limita a relançar ideias velhas e não inova na área social, dizem especialistas.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se limitado a relançar velhas ideias na área social. Especialistas defendem, no entanto, que é preciso repaginar as iniciativas destinadas à população de baixa renda.

“Com toda a inovação que o mundo está passando, precisamos trazer nossas políticas sociais para o século 21”, diz o diretor-executivo do Instituto Millenium, Diogo Costa.

O diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), Marcelo Neri, avalia que não adianta reapresentar velhas ideias; é preciso reformulá-las para atender às novas demandas. “A solução padrão tem sido dada. Parece que estamos voltando ao antigo normal”, diz.

Para ele, falta o atual governo precisa fazer uma autocrítica em relação às versões anteriores dos programas e conferir acertos e erros. “É necessário pensar em alternativas 2.0 às atuais.”

O executivo do Millenium aponta que, de um lado, o governo deveria reformar a rede de proteção social brasileira, simplificando e dando maior autonomia à população de baixa renda, como o Bolsa Família e o ProUni faziam. De outro lado, é fundamental remover gargalos na oferta de bens e serviços, como habitação, saúde e educação.

“A remoção de gargalos regulatórios e a ampliação da oferta de serviços e moradias e serviços podem tornar esses setores mais produtivos e reduzir os custos para a população. A introdução de instrumentos de competitividade, tecnologias e práticas inovadoras, como inteligência artificial, pode suprir a carência de mão de obra e melhorar a eficiência do atendimento”, diz Costa.

Soluções de baixo custo podem ser uma importante fonte para ajudar na tentativa de buscar respostas aos problemas na saúde, educação e habitação. O momento é favorável, comenta o especialista da FGV.

“A pandemia nos obrigou a inovar mais. Houve uma digitalização forçada da sociedade. Resta saber se não estamos em uma onda de saltos de digitalização. Temos muito a aprender em relação às agendas digitais, como, por exemplo, a telemedicina e o ensino híbrido”, diz Neri.

Mas de nada adianta pensar em novas estratégias se não há recursos disponíveis no Orçamento. Segundo o diretor do FGV Social, para 2023, as verbas estão garantidas. As fontes foram estabelecidas pela PEC Fura-teto, também conhecida como PEC da transição.

A grande questão é encontrar fontes de recursos para financiar esses programas sociais nos próximos anos. “Falta sustentabilidade para garantir resultados futuros”, diz Neri.

A situação das contas públicas está longe de ser confortável. A expectativa mediana dos economistas consultados pelo Banco Central é de déficit primário equivalente a 1% do PIB neste ano. E, apesar de o arcabouço fiscal elaborado pelo governo projetar resultado neutro em 2024 e superávits nos anos seguintes, as projeções do mercado supõem rombos até 2026 – ou seja, durante todo o governo Lula.

O especialista da FGV Social acredita que, apesar deste cenário adverso das contas públicas, existe uma vontade política para encontrar soluções para as questões sociais.

Saúde enfrenta falta de profissionais no Norte e no Nordeste

Um dos problemas enfrentados por sucessivas gestões é a demora no atendimento e a insuficiência de profissionais, especialmente em lugares mais remotos do Norte e Nordeste. Mesmo com a oferta de salários mais elevados, é difícil preencher essas vagas.

“Temos uma média de médicos por habitante que não é distante de economias mais avançadas”, diz Neri. Um estudo feita pela Associação Médica Brasileira (AMB) em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) aponta que em janeiro de 2023 eram 2,6 médicos por grupo de mil habitantes.

Apesar de ser uma taxa inferior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as principais economias desenvolvidas, que é de 3,36 por mil habitantes, o Brasil apresenta uma densidade próxima à de países como Japão (2,6), Coreia do Sul (2,51), Estados Unidos (2,64) e Canadá (2,77).

A taxa de médicos dobrou no Brasil desde 2000. Segundo o estudo da AMB e da FM-USP, a população médica ativa tem aumentado em consequência da abertura de novas vagas de graduação. “Mas a entrada de médicos estrangeiros, o prolongamento do tempo de atividade e o adiamento da aposentadoria também são fatores a serem considerados”, destaca o levantamento.

Os autores da pesquisa entretanto, destacam que o indicador possui limitações, pois não expressa a heterogeneidade da distribuição de médicos no território nacional. Norte (1,45 médico a cada mil habitantes) e Nordeste (1,93) têm médicos abaixo da média nacional, O Sudeste tem o melhor desempenho entre as regiões, com 3,39 médicos para mil habitantes.

Uma das alternativas apontadas por Neri para tentar minimizar o problema é o de reforçar a capilaridade de programas já existentes como o Sistema Único de Saúde e o de vacinação. “O Brasil já possui uma boa estrutura para atendimento. E conta com o trunfo de o direito à saúde estar previsto na Constituição.”

Outro desafio para o Brasil, segundo Neri, é o de resgatar a cobertura vacinal. “É algo que se perdeu muito na pandemia e que pode ser corrigido no curto prazo. Basta lembrar o que se fazia antes”, afirma.

Costa, do Instituto Millenium, aponta que a flexibilização do licenciamento profissional como uma das alternativas para ampliar a oferta de profissionais. Um dos caminhos, segundo ele, seria o de usar um modelo usado em países desenvolvidos, como o Reino Unido e os Estados Unidos, que é o de enfermeiros de prática avançada.

“Nele, os enfermeiros podem realizar alguns testes e exames e até, eventualmente, prescrever medicamentos. Hoje, no Brasil, estas funções são exclusivas de médicos. Então, poderíamos aumentar a produtividade e reduzir os custos no setor de saúde se adotássemos um modelo semelhante ao destes países”, afirma.

Investimentos em telemedicina e parcerias com organizações privadas também podem ampliar a disponibilidade de profissionais em áreas remotas, destaca Costa.

Outro obstáculo ao acesso à saúde, segundo ele, é o custo dos planos privados. No período de 12 meses até maio, eles tiveram reajuste médio de 17,5%, enquanto a inflação geral variou 3,9%, conforme a medição do IPCA.

“A insegurança jurídica gerada por decisões intervencionistas, embora possa beneficiar casos específicos, prejudica a sociedade em geral. Planos de saúde mais acessíveis poderiam aliviar a demanda no SUS”, conta Costa.

Ele aponta que decisões políticas têm caminhado na direção de dificultar o acesso da população de mais baixa renda à saúde. Um dos exemplos mais recentes nesse sentido é a aprovação do piso salarial da enfermagem.

“Apesar da nobre intenção de valorizar esses profissionais essenciais, acaba gerando demissões e reduções nas equipes, devido à inviabilidade causada pelo aumento nos custos”, enfatiza o diretor-executivo do Instituto Millenium.

Costa acredita que, mesmo diante de um governo que tem como uma das principais características a maior presença do Estado na economia, é possível aumentar a assistência pública sem aumentar o setor estatal.

Para isso, diz, é necessário promover maior abertura na área de saúde e reduzir as barreiras à entrada de novos prestadores de serviços por meio de programas de parcerias com outros setores da sociedade.

“Isso inclui incentivar a inovação, a concorrência e a cooperação entre os setores público e privado, buscando aumentar a eficiência, a qualidade e a acessibilidade dos serviços de saúde”, afirma.

Educação: reforma do ensino médio ameaçada

Outro ponto de atenção destacado pelos especialistas é a questão educacional. O Brasil é um dos países que mais tem investimento público em educação: ele foi de aproximadamente 5% do PIB em 2018, última informação disponível na base de dados da OCDE, índice próximo ao de países como Israel e Dinamarca. Quatro quintos do valor foram aplicados nos ensinos fundamental e médio.

O problema é que esse investimento não está se refletindo em qualidade, apontam dados do Programa para a Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). Os últimos disponíveis, para 2018, mostram que o Brasil tem o segundo pior desempenho entre as 20 maiores economias (G20) em matemática, ciências e leitura, à frente apenas da Indonésia.

O especialista da FGV Social aponta que um dos caminhos para a educação brasileira é avançar em medidas que já foram formuladas e começaram a ser implantadas, como é o caso da reforma do ensino médio, na qual adolescentes e jovens optam por trilhas de aprendizagem.

Mas, a implantação do novo ensino médio foi suspensa por 60 dias, por meio de portaria do Ministério da Educação, no início de abril. A suspensão atende à pressão de sindicatos de educação e movimentos de estudantes que pedem mudanças na proposta aprovada no Congresso em 2017, no governo Temer.

O presidente Lula disse em março, antes da suspensão, que o governo quer modificar os termos da reforma. Entre as mudanças em implantação estão o aumento na quantidade de aulas e a introdução dos itinerários formativos.

Diogo Costa, do Millenium, diz que é preciso ir além de políticas mais consensuais na sociedade, como avaliação e formação de professores. “Devemos oferecer aos nossos gestores um amplo portfólio de inovações em modelos de gestão”, cita o diretor.

Ele destaca que o mais importante é garantir o alinhamento de incentivos entre gestores públicos, alunos e famílias, bem como capacitar os gestores para administrar efetivamente as unidades de ensino, podendo ter mais autonomia para contratar, demitir, realizar mudanças na infraestrutura e ser responsabilizado por decisões tomadas.

É preciso também, segundo a avaliação de Costa, possibilitar que os gestores públicos experimentem diferentes abordagens e identifiquem as mais adequadas às necessidades locais.

Uma das referências vem do setor da saúde, como a participação de organizações sociais. Para isso, o gestor público pode se valer de um arcabouço legal já existente, como é o caso das Leis 9.637 (Programa Nacional de Publicização), 13.019 (parcerias com organizações da sociedade civil) e a nova Lei das Licitações.

Uma das estratégias defendidas pelo Instituto Millenium é o oferecimento de vagas com mensalidades mais baixas. A entidade não acredita que a lucratividade das instituições de ensino seja afetada, uma vez que muitas escolas particulares já oferecem mensalidades mais baixas do que o custo por aluno no ensino público.

“Possíveis ganhos de escala, especialmente com a adoção de novas tecnologias, poderiam diminuir ainda mais o custo de uma vaga escolar para o setor público”, afirma.

Costa avalia que este modelo pode ser implementado, mediante a possibilidade de que as famílias escolham, dentro de um leque de opções, a escola de sua preferência em vez de serem direcionadas por um órgão central. “Essa abordagem criaria incentivos para que as escolas competissem pelos alunos no mercado.”

O diretor do FGV Social, entretanto, não vê espaços para novas experimentações ao longo do governo Lula. “Práticas como, por exemplo, a implantação de um sistema de vouchers não são bem-vindas [pelo governo]", afirma Neri.

Habitação enfrenta desafio de falta de moradias

Um grande desafio para os governos federal, estaduais e municipais é o déficit habitacional. O último estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, órgão ligado ao governo de Minas Gerais, sinalizava para a falta de 5,8 milhões de moradias no país em 2019. A situação pode ter piorado depois da pandemia.

O caminho escolhido pelo governo federal passa pela reedição do programa Minha Casa, Minha Vida, programa criado em 2009 no segundo mandato do governo Lula, para facilitar a aquisição de moradias populares por meio de subsídios e taxa de juro abaixo do mercado.

Costa, do Millenium, avalia que o caminho para buscar soluções para o problema do déficit habitacional vai além desse programa. Segundo ele, é crucial adotar políticas públicas e estratégias eficientes que aumentem a oferta de moradias.

Uma delas seria reduzir burocracia e entraves regulatórios na construção civil, mediante a facilitação da obtenção de licenças na construção, o que baixaria o custo total dos projetos. Isso pode ser alcançado por meio da coordenação entre os governos federal, estadual e municipal.

Outra sugestão é promover a regularização fundiária e adotar políticas de aluguel social, oferecendo auxílio financeiro para pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, permitindo que elas possam pagar pelo aluguel de moradias adequadas.

Para Costa, essas iniciativas ajudariam a proporcionar moradia digna para as famílias mais carentes, estimularia o mercado imobiliário e contribuiria para a redução do déficit habitacional sem a segregação social causada por programas de habitação tradicionais.

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