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Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República: promessa de elevar faixa de isenção do IRPF depende de tributação de offshores
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República: promessa de elevar faixa de isenção do IRPF depende de tributação de offshores| Foto: André Borges/EFE

Para além de aumentar a arrecadação visando cumprir as metas de resultado primário, o governo federal precisa que seja aprovada pelo Congresso a tributação de offshores para quitar as contas de uma promessa de campanha que já foi executada, a ampliação da isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Uma série de deslizes, no entanto, tem dificultado os planos da equipe econômica, que agora tenta encontrar caminhos alternativos para fazer a medida prosperar.

A incidência de imposto sobre rendimentos recebidos por brasileiros no exterior foi instituída em maio na mesma medida provisória (MP) que aumentou a faixa de isenção do IRPF de R$ 1,9 mil para R$ 2,64 mil. A nova tributação foi a forma encontrada pelo governo de neutralizar a perda de arrecadação com a mudança no IR e, ao mesmo tempo, cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que exige que se indique uma fonte de compensação financeira sempre que houver uma redução de receita.

Para ser convertida em lei, no entanto, uma MP precisa do aval do Congresso, o que não ocorreu para o ato em questão até agora. O prazo para a análise do texto em comissão mista e pelo plenário das duas Casas Legislativas, já com uma prorrogação de 60 dias, expira na próxima segunda-feira (28), sem que a comissão tenha sequer sido instalada.

O texto prevê a incidência de IR sobre rendimentos recebidos no exterior por meio de aplicações financeiras, entidades controladas e bens e direitos nos chamados trusts – modalidade utilizada para administrar quantias de terceiros, normalmente em paraísos fiscais.

O recolhimento começa a partir de 1.º de janeiro de 2024, mas a MP também prevê um desconto caso pessoas físicas residentes no país atualizem ainda em 2023 o valor dos bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022.

A taxação teria o potencial de arrecadação da ordem de R$ 3,25 bilhões para 2023, próximo a R$ 3,59 bilhões para 2024, e de R$ 6,75 bilhões para 2025, nas projeções do governo.

Mal-estar com Legislativo tornou tramitação de MP ainda mais difícil

Capitaneadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lideranças do Congresso já eram contra a votação do texto por considerar que a medida deveria ter sido proposta por meio de projeto de lei, e não via MP.

Sem poder contar com a arrecadação que a tributação de offshores geraria, no entanto, o governo poderia ter até mesmo de recuar no aumento da isenção do IRPF - sob pena de infringir a LRF. Nesse cenário, a partir de setembro voltariam a valer os patamares antigos do imposto, o que geraria um desconto maior nos salários dos trabalhadores.

Em uma tentativa de “cortar caminho” para a efetivação da medida, o deputado federal Merlong Solano (PT-PI) incluiu a tributação sobre rendimentos em offshores no relatório de outra MP – a que reajusta, com aumento real, o valor do salário mínimo e que enfrenta menos resistências na Casa. O parecer, pelo qual Solano era responsável, acabou aprovado em comissão no último dia 8, com a presença de uma maioria de parlamentares da base governista.

A manobra irritou Lira, que passou a defender a retirada do trecho referente a tributação de offshores da MP do salário mínimo. Um parecer técnico encomendado à consultoria da Câmara e que classificou o enxerto como “jabuti” embasaria a decisão.

No dia 11, em uma conversa telefônica, o presidente da Câmara teria dito ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que resistia ao avanço da proposta, segundo relatou o jornal “Folha de S.Paulo”. Na noite da mesma data, o ministro concedeu entrevista ao podcast Reconversa, conduzido pelo jornalista Reinaldo Azevedo e pelo advogado Walfrido Warde, na qual disse que a Câmara não poderia utilizar seu poder para “humilhar o Executivo e o Senado”.

As falas fizeram eclodir uma crise entre Lira e Haddad, adiando reuniões e a votação de pautas de interesse do governo, como o projeto que institui o novo marco fiscal, e tornando o avanço da tributação de offshores no Legislativo ainda mais distante de se concretizar.

Às vésperas do vencimento da MP, na tentativa de convencer a opinião pública a apoiar a nova tributação, o governo colocou o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, para defender a medida em um vídeo publicado nas redes sociais.

O movimento gerou o efeito contrário e aprofundou ainda mais a crise da equipe econômica com o presidente da Câmara, que, na segunda-feira (21), durante jantar em Brasília, não mediu palavras para criticar a postagem.

“Houve um tuíte desastroso do secretário da Receita. Um tuíte de mau gosto, com vídeo, com tudo, depois saiu do ar. A fala do Barreirinhas tocou fogo, ele joga rico contra pobre, depois disse que é o Congresso e faz essa confusão toda”, disse. O vídeo acabou apagado dos perfis da Receita.

O governo acabou enfim aceitando a ideia de enviar um projeto de lei para tratar da tributação de rendimentos no exterior. Na terça-feira (22), Lira veio a público para dizer que a MP que trata do aumento do salário mínimo será votada sem a parte que trata de offshores.

“Houve um acordo para que nós votássemos a medida provisória do salário mínimo e houvesse uma alteração no texto para a retirada da parte que trata das offshores, com o compromisso do governo em mandar nova medida provisória dos fundos com shores e com fundos de capital privado exclusivos”, afirmou Lira durante coletiva.

“E um projeto de lei tratando dos fundos offshore, para que a gente, em duas ou três semanas, possa dar o mesmo tom, o mesmo tratamento, o mesmo ritmo para esses fundos, que devem ter sua taxação de maneira programada, de maneira organizada”, acrescentou.

Governo quer aumentar muito a arrecadação sem reduzir despesas, dizem especialistas

A tributação de ativos no exterior é adotada amplamente em outros países e recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Não há nenhuma razoabilidade para que o país tribute seu cidadão residente nos ativos no Brasil e não tribute os ativos que estão fora do país”, diz Gabriel Quintanilha, advogado tributarista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Essa ausência de regras claras que existe no Brasil hoje certamente gera uma quebra de isonomia”, afirma Quintanilha. “O grande problema é a forma com a qual houve essa criação, por meio de medida provisória, sem que as Casas Legislativas fossem chamadas a se manifestar”, comenta. “Creio que, caso o governo conduza um projeto de lei, tenha chances, sim, de aprovação”.

Desde a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete que vai elevar ainda mais a faixa de isenção do IRPF, para até R$ 5 mil. Para o advogado, a medida é inviável considerando os atuais gastos do governo e as metas estabelecidas no novo marco fiscal.

“Em nenhum momento fala-se em reforma administrativa, redução de despesas públicas, mas se fala em concessão de benefícios fiscais, fala-se em aumento de despesas. O governo federal precisa rever a gestão da coisa pública, caso contrário, se a isenção de Imposto de Renda na faixa de R$ 2,6 mil está difícil de ser implementada, com R$ 5 mil ela será praticamente impossível”, avalia.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o beco sem saída em que o governo se encontra decorre da forma como a proposta de novo arcabouço fiscal foi montada. “É muito claro que o governo não vai ter condições de colocar toda a arrecadação necessária para zerar o déficit no ano que vem”, diz.

Ele calcula que para chegar a um superávit primário equivalente a 1% do PIB em 2026, como prevê a meta estipulada pelo governo, a arrecadação vai ter de crescer em R$ 350 bilhões nos próximos três anos. “Foi uma opção do governo fazer um ajuste muito baseado na arrecadação. Isso dependeria de um Congresso com muita boa vontade e de um crescimento econômico muito forte”, explica.

No caso da taxação de offshores, a nova fonte de recursos nem sequer aumentaria as receitas, uma vez que serviria apenas para compensar uma renúncia, destaca Vale. “Você está tapando um buraco fazendo outro”, compara.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, argumenta que pressões políticas sempre existirão, e que, por isso, na proposta do novo marco fiscal, o governo deveria ter se preocupado em garantir um espaço orçamentário que servisse de margem para acomodar essas pressões. Para ele, o grande problema do orçamento da União hoje está na estrutura altamente engessada pelos gastos previdenciários, o que não muda com a reforma na regra fiscal.

“A questão é que o governo quer aumentar gastos e ao mesmo tempo dar uma demonstração de austeridade fiscal ao estabelecer a meta de zerar o déficit no ano que vem e obter superávit a partir de 2025, o que é muito difícil”, diz.

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