“Revisão da vida toda” no Supremo Tribunal Federal (STF): partes apresentam estimativas divergentes na tentantiva de sensibilizar ministros| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
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O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para esta quarta-feira (28) a retomada do julgamento da chamada “revisão da vida toda”, em meio a estimativas bastante divergentes em relação ao impacto fiscal que a ação pode gerar. Os ministros analisarão recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) contra acórdão que permitiu a um grupo de aposentados recalcular o benefício a partir de antigas contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

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Enquanto a União estima um custo de até R$ 480 bilhões caso a tese seja mantida, entidades que representam os segurados calculam valores entre R$ 1,5 bilhão e R$ 5,5 bilhões. O montante final dependerá do limite temporal estabelecido pelo Supremo para a revisão das aposentadorias, do indicador de inflação utilizado e da expectativa de vida média dos beneficiários.

A divergência entre os números resulta também da tentativa, de um lado e de outro, de sensibilizar os ministros da Corte. Durante o curso do processo, a União já apresentou diferentes projeções, sempre revisando o valor para cima.

Em 2019, uma nota técnica apresentada pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia apontava um impacto financeiro de R$ 46,4 bilhões em dez anos, além de um custo operacional de R$ 1,6 bilhão. O montante incluía pagamentos retroativos para um período de até cinco anos.

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Em março de 2022, no entanto, o INSS divulgou uma nota técnica que estima em R$ 360 bilhões o custo para os cofres da Previdência com a possível vitória dos aposentados na ação. O estudo foi criticado por especialistas em direito previdenciário.

“Poucas vezes presenciei uma manobra tão rasteira na manipulação da opinião pública, que busca reverter votos contrários em processo que a autarquia é parte”, escreveu João Badari, do Instituto de Estudos Previdenciários, Trabalhistas e Tributários (Ieprev).

“O réu junta no processo uma prova de que a ação não se aplica para todos, atesta a decadência para quem se aposentou há mais de dez anos, entende que não cabe para quem se aposentou pós-reforma da Previdência e nesta nota levada ao presidente da República ele afirma que ela vai ser aplicada para um número maior do que todos os benefícios pagos pelo INSS”, prosseguiu.

À época, o então presidente Jair Bolsonaro (PL), informado da nota técnica, disse à imprensa que “a revisão [da vida toda] vai quebrar o Brasil”. Especialistas que acompanham o processo acreditam que a nova estimativa pode ter motivado o pedido de destaque apresentado pelo ministro Nunes Marques, que acabou remetendo o processo a uma sessão presencial e adiando sua conclusão para dezembro de 2022.

Um grupo de aposentados intitulado “Lesados pelo INSS Revisão da Vida Toda” contesta os dados e chegou a encaminhar um ofício ao então presidente do STF, Luiz Fux, defendendo que o julgamento não deveria ser levado ao plenário físico com o argumento de que haveria interferência do Executivo no Judiciário.

Especialistas contratados pela associação calcularam que o impacto econômico aos cofres da União seria de R$ 2,7 bilhões a R$ 5,5 bilhões nos gastos federais com Previdência, a depender do indicador inflacionário.

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A controversa nota técnica, que não constava dos autos, é citada nos embargos de declaração opostos pelo INSS por meio da AGU à decisão do STF favorável aos aposentados. Apesar disso, nenhum valor é mencionado na petição, que afirma apenas que “a revisão de todos os benefícios concedidos e o pagamento de atrasados, estimado em bilhões de reais, configura um ônus excessivo e desproporcional com prejuízo aos interesses gerais”.

Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, no entanto, o governo informa que a revisão da vida toda tem um risco fiscal de R$ 480 bilhões. A ação judicial consta de tabela de riscos classificados como “prováveis”. A lista foi elaborada pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, a partir de dados da AGU.

O valor considera cenário em que todas as aposentadorias e pensões seriam corrigidas para todos os beneficiários elegíveis e inclui pagamentos retroativos e futuros, além de projetar uma expectativa de vida média de mais 15 anos para cada segurado.

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) estima que o impacto seria de R$ 1,5 bilhão. Ao jornal “Valor Econômico”, Carlos Vinicius Ferreira, membro da diretoria científica da entidade explica que entre 2009 e 2019 – período alcançado pela decisão mais recente – foram concedidos 2,5 milhões de benefícios, mas apenas uma parcela disso é passível de revisão.

Além de a maior parte dos casos não obter benefício mais favorável após revisão, há aposentadorias atingidas pela decadência revisional – prazo de dez anos para fazer o pedido.

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Há cerca de duas semanas, o aposentado Eduardo Corrêa, por meio da advogada Rosemira de Souza Lopes, requereu juntada ao processo de um estudo, no qual estima em R$ 4 bilhões o custo fiscal da “revisão da vida toda” em dez anos.

“Convém destacar que a projeção de custo da ‘revisão da vida toda’ em dez anos não tem razão de ser, e o único sentido que nos parece é que é um método utilizado para apresentar algum valor de interesse com maior grandeza e de maior impacto”, afirma.

Baseado em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele aponta que há apenas 61.411 ações ajuizadas em todo o país relacionados ao Tema 1.102 (“revisão da vida toda”). Cita ainda que, em razão da decadência, há uma diminuição substancial tanto do número de aposentados com direito à revisão, como do valor médio do reajuste dos benefícios.

O que é o julgamento da "revisão da vida toda"

O julgamento marcado para esta quarta remonta à entrada em vigor da Lei 9.876, de 1999, que alterou a forma de cálculo das aposentadorias. Até então, o benefício era definido considerando-se as 36 últimas contribuições, ou seja, a média dos três anos anteriores. A nova legislação dispôs que passaria a entrar na conta as contribuições recolhidas durante a vida toda, excluindo-se as 20% menores.

Para quem já estava no sistema antes da sanção da lei, no entanto, foi criada uma regra de transição: o cálculo começaria a partir de 1.º de julho de 1994, data do início do Plano Real. Algumas pessoas, no entanto, acabaram prejudicadas, por ter histórico salarial "invertido" – ou seja, por terem contribuído mais ao INSS no período anterior a julho de 1994 e terem essas contribuições desconsideradas.

Após uma série de adiamentos, por 6 votos a 5, o STF decidiu, em 1.º dezembro de 2022, reconhecer a possibilidade de esse grupo de segurados utilizar a regra definitiva, que considera o histórico integral de contribuições à Previdência – daí o nome “revisão da vida toda”. A tese vencedora referendou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2019.

O acórdão foi publicado apenas em 13 de abril de 2023. No dia 5 de maio, representando o INSS, a AGU apresentou os embargos de declaração, argumentando que não ficou definido se as revisões estariam sujeitas a prazos de prescrição e decadências, nem se a tese alcança pagamentos retroativos feitos sob outros parâmetros ou decisões transitadas em julgado que haviam negado o direito de recálculo.

A AGU defende no processo que os efeitos da decisão devem ser aplicados apenas para o futuro, excluindo a possibilidade de revisão de benefícios já extintos, de parcelas já quitadas e vedando, portanto, o pagamento de diferenças anteriores a 13 de abril de 2023.

Além disso, a União diz no recurso que não teria havido formação de maioria entre os ministros do STJ quando do julgamento naquela instância, uma vez que a decisão foi tomada por uma turma do tribunal, e não pelo colegiado completo. Por isso, pede que a decisão do STF seja anulada os autos sejam devolvidos à instância anterior para novo julgamento.

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Quatro ministros votaram por modulação da decisão; três querem que ação volte ao STJ

Até o momento, sete ministros já proferiram seus votos em relação ao recurso da AGU. Alexandre de Moraes, relator do caso, defende a fixação de um marco temporal, a partir de 1.º de dezembro de 2022, antes do qual o recálculo de aposentadorias não deve retroagir.

Antes de se aposentar, a então ministra Rosa Weber divergiu do relator e defendeu que os efeitos da decisão devem ter como marco o dia 17 de dezembro de 2019, quando o STJ reconheceu o direito à revisão da vida toda. Edson Fachin e Cármen Lúcia acompanharam esse entendimento.

Já Cristiano Zanin apontou que a modulação é necessária, mas acolheu o argumento de que o caso deve voltar ao STJ para ser julgado novamente. Acompanharam o entendimento de Zanin os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Dias Toffoli.

Em julho, Moraes atendeu a um pedido do INSS e suspendeu a tramitação de todos os processos que tratam da revisão da vida toda até que os embargos de declaração sejam analisados.

Com a ida do julgamento do recurso para o plenário físico, os ministros terão de se manifestar novamente, com a possibilidade de mudança de posicionamento dos que já votaram. Apenas o voto de Rosa Weber será preservado. Ela se aposentou em setembro de 2023 e foi substituída por Flávio Dino.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]