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Balcão da Gol: Anac não consegue evitar atrasos gerados por falha das empresas | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Balcão da Gol: Anac não consegue evitar atrasos gerados por falha das empresas| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

Estatais roubam espaço de regulação

As agências reguladoras perdem cada vez mais espaço para as novas estatais criadas pelo governo federal. No setor de telecomunicações, por exemplo, o governo recriou a Telebrás e anunciou que a estatal terá poder "regulador" no mercado de banda larga, oferecendo preços abaixo dos praticados pela iniciativa privada.

Os consumidores de telecomunicações têm sido constantemente afetados por apagões na rede de banda larga e celulares. Embora a receita da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) seja bilionária, o contingenciamento também é. Os R$ 3,8 bilhões de orçamento inicial se transformaram em R$ 302 milhões no ano passado.

Na avaliação da agência, um dos reflexos disso pode ser verificado no número de funcionários, que não tem sido suficiente para fazer todas as fiscalizações. "No momento, passamos por um crítico período de escassez de pessoal", disse a Anatel. A Anac também reclama do número de funcionários, que embora crescente, ainda está abaixo da demanda.

No setor de petróleo, com as novas reservas do pré-sal, será a estatal Pré-Sal Petróleo S.A. que cuidará dos contratos do novo modelo de exploração. "Esse tipo de medida enfraquece e reduz o poder de decisão das agências", avalia o professor de direito administrativo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Ari Sundfeld.

Opinião semelhante tem o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Para ele, houve uma piora significativa na atuação das agências reguladoras nos últimos anos. Pires lembra que, quando elas foram criadas, havia um modelo em que o Estado era responsável pela regulação e o setor privado teria um papel principal de investidor. Nesse cenário, as agências dariam garantia aos contratos que estavam sendo firmados. "No governo atual, as empresas estatais voltaram a ser as grandes investidoras do país. É natural perder status nesse ambiente."

Loteamento

Outra crítica do professor da FGV é o loteamento de cargos das agências para políticos. Enfraquecidas e esvaziadas, elas chegam ao ponto de virar objeto de desejo para alguns partidos. "As agências deixaram de ser órgãos de Estado para ser órgãos de governo."

O professor da FGV, do Rio, Sérgio Guerra, afirma que tem estudado de perto o assunto e verificou que quase 95% dos cargos das agências são por indicação política. O último nome que circulou no mercado foi o do novo diretor da Agência Nacional de Trans­­portes Terrestres (ANTT), Luiz Ma­­cedo Bastos. Ele era diretor do time de basquete Universo, do Distri­­to Federal, e assessor do ex-senador Wellington Salgado (PMDB).

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), Ricardo Pi­­nheiro, o resultado da falta de fiscalização é a piora na qualidade dos serviços públicos. Para ele, o consequente enfraquecimento das agências pode ser verificado no grau de judicialização do Brasil. "A sociedade tem buscado meios jurídicos para resolver a questão da qualidade dos serviços. É um sinal claro do descontentamento dos consumidores", afirma ele, que defende o fortalecimento das agências.

São Paulo - Sem prestígio na atual administração, as agências reguladoras amargaram no ano passado o maior corte no orçamento desde que foram criadas, em meados da década de 1990. O contingenciamento, que em 2002 era de 65,6%, cresceu tanto no governo Lula que alcançou 85,7% das receitas totais, segundo levantamento da As­­­socia­­­ção Brasileira de Infra­­­estrutura e Indústrias de Base (Abdib), com informações do Tesouro Nacional.

Entre 1998 e 2009, cerca de R$ 37 bilhões deixaram de entrar no caixa das agências para reforçar o superávit primário do governo federal. Só em 2009, foram R$ 8 bilhões, referentes a receitas diversas, como royalties, taxas de fiscalização cobradas das concessionárias e bônus. Normalmente, esses recursos não podem ser usados para outras finalidades, por isso entram no superávit.

Falta fiscalização

Um dos principais reflexos da asfixia das agências é a fiscalização dos serviços públicos, cuja qualidade tem se deteriorado nos últimos anos. Sem dinheiro suficiente e quadro de funcionários restrito, a capacidade para detectar falhas no mercado e exigir melhorias diminui sensivelmente. Isso dá margens para a piora na prestação de serviços ao consumidor.

No setor aéreo, o aumento da demanda provocou o caos nos aeroportos e testou a paciência dos passageiros. O último episódio, ocorrido no início do mês, escancarou as fragilidades da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que não conseguiu evitar o colapso provocado pela Gol ao mudar seu sistema de dados. No fim do ano passado, o mesmo havia ocorrido com a TAM, que mudou o sistema de check-in.

Um dos fatores por trás dessa dificuldade para detectar problemas futuros é exatamente a falta de recursos. No ano passado, a área de fiscalização e regulação da Anac contava só com R$ 20 milhões para garantir o funcionamento da aviação civil dentro de padrões internacionais de qualidade e segurança, conforme dados da ONG Contas Abertas. Neste ano, dos R$ 34 milhões autorizados para a área, R$ 10 milhões foram contingenciados.

Sem luz

O setor de energia, embora mais evoluído, também padece da mesma deterioração nos serviços, cuja demanda tem crescido de forma expressiva. Em 2006, por exemplo, o tempo que o brasileiro ficou sem luz foi o mais longo desde a privatização, com uma se­­quên­cia de apagões que se estendeu até este ano.

Embora a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) afirme que realizou fiscalizações acima da meta física do Projeto de Lei Orçamentária Anual, o volume caiu em relação a 2008. O planejamento inicial era fazer 2.017 fiscalizações, mas foram realizadas só 1.866 por causa do corte de verbas, conforme Relatório de Gestão referente a 2009.

Vagas viram moeda de troca por apoio político

Até o fim de seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá indicar mais sete dirigentes de agências reguladoras. A simples existência dessas vagas já mobiliza aliados governistas interessados em ocupá-las, especialmente dentro do PMDB, PT, PR e PP, justamente os principais partidos de sustentação do governo dentro do Congresso.

Dependendo do resultado das urnas, esses postos poderão ser utilizados como moeda de troca na formação da base de apoio no próximo governo. No momento, há duas vagas abertas, uma na Agência Nacional de Petróleo (ANP) e outra na Agência Nacio­­­nal de Vigilância Sanitária (An­­visa). Nos próximos meses, haverá mais cinco cargos a ocupar.

Nos últimos meses, Lula tem preenchido as diretorias de agências reguladoras com um mix entre técnicos da área e pessoas que claramente só chegaram ao posto por razões políticas. Mesmo a indicação dos especialistas acabam por atender a algum aliado do governo.

Hoje, toma posse na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o diretor André Pepitone da Nóbrega. Funcionário de carreira da agência desde 2000, ele atuou nas negociações entre governo e empresas após o apagão de 2001 e ocupava o posto de assessor da diretoria. O currículo é sólido, mas a indicação foi bancada politicamente pelo ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão, senador pelo PMDB do Maranhão. O próprio Lobão foi relator do processo de avaliação de Nóbrega no Senado.

Caminho tortuoso

Há outros casos emblemáticos de indicação política. O atual diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Vieira trilhou um dos caminhos mais conturbados que se tem notícia até chegar a um posto em agência reguladora. Sua indicação é atribuída ao ex-ministro José Dirceu e à secretária da Presidência da República em São Paulo, Rose­­­mary Noronha.

Num primeiro momento, Vieira foi rejeitado pelo Senado para ocupar o posto. Não satisfeitos, seus padrinhos tentaram emplacá-lo na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Nessa segunda tentativa, ele disputou a indicação com o almirante Murilo Barbosa, que já era diretor da agência e tentava a renovação de seu mandato. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, entrou na briga a pedido da Marinha e ganhou a parada.

Nem por isso Vieira ficou sem seu posto no governo. Foi novamente indicado para a ANA. Apesar do esperneio da oposição no Senado, dessa vez ele foi aprovado. Ele não é um especialista em água ou saneamento, como seus colegas de diretoria. É funcionário de carreira da Controla­­doria-Geral da União (CGU), o órgão do Executivo federal que fiscaliza o uso do dinheiro público.

A dupla José Dirceu e Rosemary Noronha não se contentou com um só posto. O irmão de Paulo Vieira, Rubens Vieira, foi indicado para diretor da Agência Nacional de Aviação (Anac). Advogado, Rubens Vieira era corregedor da Anac desde 2006.

Outros postos

Até o fim do ano, serão mais cinco vagas a ocupar. Em no­­vembro, por exemplo, termina o mandato de Ronaldo Sardenberg como presidente da Agência Nacional de Te­lecomunicações (Anatel) e de Antônio Bedran como diretor.

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