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O ministro das Finanças da Grécia, George Papaconstantinou, anuncia o pacote de ajuda e as medidas de austeridade fiscal do governo | Aris Messinis/AFP
O ministro das Finanças da Grécia, George Papaconstantinou, anuncia o pacote de ajuda e as medidas de austeridade fiscal do governo| Foto: Aris Messinis/AFP

Entrevista

Heiner Flassbeck, diretor do Departamento de Estratégias de Globalização e Desenvolvimento da Unctad, órgão da ONU para comércio e desenvolvimento.

A crise grega gerou um efeito dominó, que já começou a atacar outros países. Quais serão as consequências para a união monetária?

Se a crise não servir de lição para que compreendamos o que aconteceu de errado na união monetária, os efeitos serão catastróficos, quer dizer, a união monetária deixaria de existir e o euro deixaria de circular ou ficaria apenas em poucos países. Veja que o problema não é mais só na Grécia. Trata-se de um problema entre nações como a Alemanha, de um lado, e as do sul da Europa, inclusive a França. Nos últimos dez anos, surgiu um grande desequilíbrio na competividade desses países, com o dumping de salários na Alemanha e aumento nos outros países, que, ao adotarem a mesma moeda, passaram a ter custos de produção muito mais altos do que antes do euro.

Ainda é possível salvar o euro?

Só se esse desequilíbrio, que vem se acumulando há dez anos, for resolvido. Os salários devem aumentar mais na Alemanha e menos nos países em crise, para que estes tenham mais competividade de exportação no bloco. O que está acontecendo na Grécia é um absurdo. Antes da crise, o país tinha uma economia bem-sucedida, tendo investido bastante no seu parque industrial. A crise foi agravada pelo mercado financeiro internacional, mas ela é também sintomática de que a situação nos países da união monetária não pode continuar assim. Atualmente, as condições favorecem o superávit da balança comercial alemã, enquanto os países do sul da Europa têm déficits.

O que seria então a União Europeia (UE) sem o euro?

O fim do euro seria, de qualquer forma, o fim do projeto da União Europeia, que passaria a ser mais um clube de subsídios. Pela sua hesitação em apoiar a ajuda à Grécia, a Alemanha cometeu um erro. O resultado foi a redução da bondade pelas agências de rating também para Portugal e Espanha. A situação está ficando mais difícil a cada dia.

A solução seria então a ajuda financeira a todos os países em crise?

O certo seria uma ajuda rápida à Grécia. Mas um outro passo importante seria deixar claro que são os países da UE que decidem o que acontece com os outros países, e não os mercados de capital. Precisamos criar regras para que as economias não fiquem vulneráveis às agências de rating, que fazem o que querem, reagem em pânico, sem que sejam controladas.

O ideal seria a criação de um sistema de bônus do euro, que poderia a qualquer momento financiar quem estivesse em dificuldade, sem pagar uma taxa de juros mais alta. Precisamos evitar que os mercados de capitais decidam sobre o futuro de nações.

Contrapartidas

FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu acertam resgate à Grécia no valor de 110 bilhões de euros, aproximadamente R$ 253,33 bilhões. Veja alguma das contrapartidas exigidas dos gregos:

Políticas fiscais

O déficit público do país (ou seja, o quanto as despesas do governo são maiores do que as receitas) deverá ficar abaixo de 3% até 2014. No ano passado, o déficit público do país foi de 13,6%.

Gastos do governo

O país terá que economizar cerca de 5% do PIB até 2013. Deverá congelar salários e pensões por três anos. Alguns bônus concedidos a trabalhadores serão abolidos, mas os mais pobres serão protegidos.

Receitas do governo

Terão que subir o equivalente a 4% do PIB até 2013. Impostos aumentarão, principalmente sobre artigos de luxo, tabaco e álcool, entre outros itens.

Modernização

O governo terá de modernizar a administração pública e melhorar o ambiente de negócios.

Fonte: FMI

Veja também

Na tentativa de salvar a economia da Grécia – e o euro – do colapso, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia anunciaram ontem o maior pacote de resgate já concedido a um país. Os 110 bilhões de euros (R$ 253 bilhões) prometidos equivalem à quase metade do PIB grego e terão como contrapartida um novo e rígido arrocho de Atenas.O plano prevê 30 bilhões em crédito do FMI e mais 80 bilhões dos demais países da zona do euro (só a Alemanha pingará ao menos 16 bilhões). Precisa ainda do aval dos parlamentos nacionais, em uma corrida para conter a escalada de juros até o vencimento de 20 bilhões em títulos da dívida grega neste mês.

Outros 30 bilhões de euros vencem até o fim do ano, de 180 bilhões que a Grécia deve a bancos estrangeiros (metade dos quais a franceses e alemães).

O anúncio vem após semanas de negociações e de seis meses de convulsão econômica no país europeu sacudirem o mercado e mandarem o euro para baixas históricas.

O movimento e a ameaça de a crise se espalhar para outros endividados do bloco fizeram muitos analistas questionarem a viabilidade da moeda comum, que implica em uma política econômica única para países de perfil distinto.

Vem acompanhado também de nova promessa de Atenas de que colocará sua economia nos trilhos após duas décadas de lambança fiscal resultarem em um déficit público de 13,6% e uma dívida equivalente a 115% de seu PIB em 2009. Até 2013, a Grécia terá de trazer o déficit orçamentário para baixo do teto de 3% fixado pela UE.

Ao anunciar o pacote de austeridade ontem para uma população que já experimenta cortes severos desde o início do ano, o primeiro-ministro George Papandreou chamou o drama do país de "crise política, institucional e de valores a culminar em uma enorme crise econômica’’.

E, ante protestos nas ruas e queda de popularidade, tentou descolar sua imagem da do governo anterior – o socialista assumiu em outubro e descobriu uma dívida muito maior do que relatava seu antecessor conservador, mas o acúmulo vem de sucessivos governos.

Com o novo arrocho, os impostos subirão mais (sobretudo o equivalente ao ICMS); os pensionistas terão seus benefícios cortados e o funcionalismo público terá as contratações congeladas. O sistema de pensões será revisto, e os gastos militares do país – um dos mais altos do continente –, "significativamente reduzidos’’.

Como o plano de resgate, o pacote de austeridade terá vigência de três anos, durante os quais Atenas se compromete a economizar 24 bilhões de euros (10% do PIB) entre os cortes no orçamento e o aumento na arrecadação. Essa última se ampara tanto na elevação dos impostos quanto em reformas estruturais visando conter a evasão fiscal endêmica. Estima-se que um terço da economia grega esteja no mercado negro.

Análise

A crise grega, tanto do ponto de vista político quanto do econômico, não é só da Grécia. Ao afundar, o país não apenas testa os limites do maior projeto econômico da história da União Européia (UE) — a união de 16 países em torno de uma única moeda, o euro — como está deixando nervosos os que apostaram que a Grécia era um bom negócio: bancos e também os governos de França, Alemanha e Itália, os grandes credores estrangeiros do país.

Os bancos franceses encabeçam a lista dos credores estrangeiros, com 50 bilhões de euros dos cerca de 300 bilhões de euros da dívida grega, segundo um relatório da Barclays Capital. Só o Banco Central da França teria 7 bilhões de euros em papéis do governo grego. A crise grega pega os bancos europeus justo quando começavam a ensaiar uma recuperação da maior crise financeira mundial.

"A crise grega chega num mo­­mento em que não saímos da crise (global)", diz Jean-Paul Fitoussi, presidente do Observató­rio Fran­­cês da Conjuntura Eco­nômica (OFCE), em Paris.

Na quinta-feira, as ações do Crédit Agricole, um dos maiores bancos da França, despencaram: o grupo está presente na Grécia através do Emporiki, o quinto maior banco grego. Segundo analistas, o Crédit Agricole é o banco no mundo mais exposto à Grécia. Não se sabe o montante de dívida que ele detém. Outro banco francês exposto é o Société Générale.

Bancos alemães vêm em segundo lugar na lista dos credores: detêm cerca de 28 bilhões de euros em títulos do governo grego, segundo a Barclays Capital. Analistas estimam que metade destes títulos estaria com as instituições controladas pelo governo alemão.Bancos da Itália teriam 20 bilhões de euros em dívida grega, seguidos de Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

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