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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad: depois dos “bons ventos” do primeiro semestre, ele deve ter mais dificuldades para aprovar aumentos de imposto de agora em diante.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad: depois dos “bons ventos” do primeiro semestre, ele deve ter mais dificuldades para aprovar aumentos de imposto de agora em diante.| Foto: André Borges/EFE

Embora tenha experimentado um período de bons ventos com o Legislativo e o mercado financeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não deve ter vida tão fácil daqui em diante. Em especial no que se refere a elevar a carga tributária sobre a classe média e os mais ricos.

Além de lidar com uma desaceleração do crescimento econômico que pode prejudicar a arrecadação, Haddad depende do Congresso para aprovar novos impostos capazes de levantar ao menos R$ 100 bilhões ao ano. E há dúvidas sobre sua capacidade de convencer o Parlamento a autorizar tamanho aumento da carga tributária – o valor equivale a 1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Esse é o valor mínimo necessário, segundo especialistas em contas públicas, para cumprir a meta prevista de zerar o déficit primário em 2024, prevista no arcabouço fiscal criado por Haddad e sua equipe. Conforme alertado por economistas desde a época da apresentação do arcabouço, o governo busca esse objetivo por meio de aumento de arrecadação, e não corte de despesas públicas.

Haddad tem uma pauta econômica longa e intrincada a ser enfrentada no Congresso. Inclui desde a aprovação da aprovação do Marco de Garantias, para reduzir juros de financiamentos, e da reforma tributária sobre o consumo, ambos em tramitação no Senado, até projetos com novas iniciativas de arrecadação. A agenda inclui o envio ao Congresso e as negociações para a segunda fase da reforma tributária, focada na renda do contribuinte.

Ciente das dificuldades, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu (PR), disse nesta semana que o partido pode abrir mão – momentaneamente – de medidas específicas para taxar os mais ricos, de forma a facilitar a aprovação de outros itens da agenda arrecadatória.

"A gente até abre mão, agora, de taxar os milionários. O que não dá para um país com tanta desigualdade não taxar, sequer, os bilionários. Haverá medidas nesse sentido. A Câmara vai cumprir o seu papel”, disse o petista ao jornal "O Globo".

Reforma ministerial atrasa pauta econômica

A agenda está atrasada. A demora das definições da reforma ministerial, com a nomeação de cargos de deputados do "Centrão" para o Executivo visando reforçar a base de apoio do governo no Congresso, emperrou o avanço das discussões.

Nem o arcabouço fiscal, modificado no Senado no primeiro semestre, tem data marcada para ser analisado novamente pelos deputados. "Isso mostra como o governo pôs a carroça na frente dos bois", avalia o deputado Gilson Marques (Novo-SC).

Para Marques, além do erro de "timing", o cenário desafiador para Haddad mostra o equívoco da estratégia do governo de buscar o ajuste fiscal pelo aumento da arrecadação e não pelo corte de gastos.

"O governo age como alguém que gastou e agora precisa correr atrás do dinheiro para pagar as contas. Não acredito que as coisas vão ocorrer no ritmo desejado", diz.

Haddad tenta limitar exceções na reforma tributária sobre o consumo

O primeiro desafio de Haddad será tentar "despiorar" a reforma tributária, em tramitação no Senado. Aprovado na Câmara em tempo recorde, o texto tratou dos impostos sobre o consumo e criou um IVA dual (Imposto sobre Valor Agregado), separando impostos federais dos estaduais e municipais.

Alguns setores, no entanto, conseguiram regimes específicos de tributação, com isenção total ou parcial. Com isso, a alíquota-padrão tende a ser maior que a esperada. Críticos da proposta sugerem que ela pode chegar aos 30%; um estudo do Ipea falou em até 28,4%; e um cálculo da própria Fazenda apontou para um imposto de até 27%.

"Apesar da facilidade da aprovação [na Câmara], não se pode dizer que a reforma tenha sido um sucesso, com tantas exceções", avalia a consultora econômica Zeina Latif.

Haddad disse na semana passada esperar que o Senado faça um "trabalho de edição", selecionando os segmentos da economia que devem ser exceção ao imposto base.

Para Zeina, no entanto, o ministro terá muita dificuldade para obter essa calibragem de exceções – até porque quem ainda não foi beneficiado por alíquotas mais suaves retomará a carga sobre o Senado. "Haverá lobbies poderosos de setores não contemplados pelas isenções", avalia.

A preocupação é compartilhada pela economista Vanessa Canado, coordenadora do núcleo de tributação do Insper, que no governo Bolsonaro foi assessora especial para reforma tributária do então ministro da Economia Paulo Guedes. "Corremos o risco de a lista de exceções ser ampliada no Senado", diz.

Reforma do Imposto de Renda vai enfrentar mais resistência

Mesmo sem garantias de melhorar o texto da reforma tributária sobre o consumo, Haddad promete enviar à Câmara ainda em agosto a segunda fase da proposta, que vai tratar dos tributos sobre a renda e patrimônio.

O aumento da arrecadação com a segunda etapa precisa ser remetido ao Congresso junto com o projeto do Orçamento de 2024. Só assim poderá entrar em vigor no ano que vem.

Haddad havia dito, a princípio, que não contava com a reforma do Imposto de Renda para cumprir as metas do arcabouço em 2024, mas recuou.

Entre os congressistas é consenso que os obstáculos serão maiores na tentativa de mudar a tributação da renda. "Embora não tenha sido aprovada como desejada, todos concordavam que precisávamos de uma reforma tributária [sobre o consumo]. Não é o caso agora", avalia o deputado Gilson Marques.

Ele alerta para a enxurrada de propostas – dentro ou fora de uma reforma "formal" – já anunciada ou esperada para este segundo semestre: mudança na tributação sobre heranças, sobre investimentos no exterior, sobre apostas esportivas e outras. Em paralelo, PT e esquerda fazem pressão para a criação de um imposto sobre grandes fortunas.

Fim das deduções afetaria diretamente a classe média

Independentemente da composição de forças da reforma ministerial, que pode reforçar a base de apoio do governo no Congresso, a maioria conservadora do Parlamento não vai ter boa vontade para aprovar alterações de interesse de Haddad e da esquerda.

Para Marques, as discussões sobre a faixa de isenção e as deduções do Imposto de Renda vão envolver muito mais a sociedade – e, por consequência, resultar em maior pressão sobre os deputados – que as alterações nos impostos sobre o consumo, que são indiretos.

Lula prometeu em campanha zerar o IRPF para todos os que ganham até R$ 5 mil, mas o próprio governo descarta alcançar esse valor, pelo menos por ora. Para reforma que promete enviar neste semestre, Haddad acenou com uma isenção na faixa dos R$ 4 mil.

Para compensar essa renúncia de receita, no entanto, podem entrar no jogo o fim ou a redução das deduções hoje permitidas para gastos com saúde e parte das despesas com educação.

Isso atingiria duramente a classe média, diz Thiago Buschinelli Sorrentino, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Faculdade de Direito da FGV-SP. Com menos deduções, o contribuinte fatalmente pagaria mais IR. "Não é razoável retirar deduções quando o Estado arrecada e não oferece a contrapartida em serviços", diz.

"A sociedade não vai concordar com o fim das deduções", prevê o deputado do Novo.

Tributação de dividendos volta à pauta

Em outra frente, Haddad mexerá com os interesses da classe média que é dona de pequenas ou médias empresas e com faixas de renda mais altas: o ministro já reiterou a intenção de tributar lucros e dividendos recebidos por sócios de empresas.

Esse imposto existia até 1995, mas foi extinto e substituído por uma alíquota maior do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), de forma a concentrar toda a tributação na empresa, antecipando a arrecadação pela Receita Federal.

Hoje a tributação da pessoa jurídica via IRPJ e CSLL chega a 34%, uma das maiores do mundo, segundo levantamento anual da organização Tax Foundation.

A ideia do governo é dividir a arrecadação entre as pessoas jurídica e física, equilibrando as alíquotas. A tributação, assim, ocorreria em duas fases. Especialistas se dividem sobre a validade da iniciativa para as contas públicas.

Vanessa Canado, por exemplo, diz que estudos confirmam que "a arrecadação concentrada na pessoa jurídica [como é hoje] é mais simples e eficiente".

Offshores e "super-ricos" na mira

Haddad também já revelou planos para a tributação das offshores, empresas de brasileiros mantidas no exterior para gerir o patrimônio aplicado fora do país.

Nessa terça-feira (8), regras para tributação dos investimentos dos brasileiros no exterior foram incluídas na Medida Provisória 1172/23, a mesma que reajustou o salario mínimo para para R$ 1.320 e aumentou a isenção na tabela do Imposto de Renda para R$ 2.640 mensais. A inclusão foi feita pelo relator, o deputado Merlong Solano (PT-PI) e aprovadas em comissão da Câmara. O texto ainda precisa passar pelo Plenário da Casa e depois pelo Senado.

Mas a principal aposta de Haddad é na tributação dos fundos exclusivos fechados, destinados a famílias com patrimônio acima de R$ 10 milhões. Hoje esses fundos só são tributados com o Imposto de Renda (IR) no resgate do dinheiro aplicado ou no fim do prazo de aplicação. Mas a maioria destes investidores, ditos "super-ricos", deixa o dinheiro rendendo por longos períodos, sem resgatá-lo, o que não gera arrecadação no curto prazo para a Receita.

Para Vanessa Candado, este é um dos pontos que tem mais potencial para alavancar a arrecadação. A aprovação, porém, não deve ser fácil. Ela lembra que houve uma tentativa no governo passado. O então ministro Paulo Guedes tentou alterar a tributação da renda, mexendo em vários pontos que Haddad agora também quer alterar, mas setores da sociedade e do Congresso reagiram. O texto chegou a passar na Câmara, mas foi barrado no Senado.

Haddad conta com crescimento incerto para arrecadar mais

Mesmo que consiga vencer todas as batalhas no Legislativo, não há garantias êxito de Haddad nas contas públicas. Para os próximos anos, o novo arcabouço fiscal prevê resultados crescentes até chegar a um superávit de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026, último ano de mandato.

Haddad já declarou que, além da arrecadação, conta com o reaquecimento da economia para "arrecadar mais". Por isso, o início da trajetória de queda dos juros pelo Copom, que há duas semanas cortou a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, foi festejado.

Zeina Latif, no entanto, observa que o mercado tem noção de quão ambiciosas são as metas. Segundo o Boletim Focus, do Banco Central, a mediana das expectativas de bancos e consultorias aponta para um déficit de 0,8% do PIB em 2024 – resultado bem pior que a meta de Haddad, de déficit zero, com tolerância de 0,25 ponto porcentual.

Latif pondera que, se o governo revisar as projeções de déficit, haverá consequências para a trajetória de queda da taxa de juros, impedindo a retomada econômica. "Futuras revisões ainda não estão precificadas", alerta.

Isso sem contar os imprevistos no meio do caminho. A economia pode não ter as benesses do agronegócio, que engordaram o PIB no primeiro semestre.

Pelo lado da inflação, por ora mais comportada, há risco de pressão vinda dos combustíveis. Apesar da valorização do petróleo lá fora, a Petrobras tem segurado reajustes por aqui, mas em algum momento pode repassar ao menos parte da alta ao consumidor.

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