Mais um rombo assombra o setor elétrico, resultado da crise hídrica e das mudanças de regras nos últimos anos. Com poucas chuvas desde o ano passado e o baixo nível dos reservatórios, as geradoras das hidrelétricas já projetam prejuízos de R$ 13 bilhões a R$ 20 bilhões neste ano. Essas usinas são obrigadas a reduzir sua geração de energia para preservar o nível dos reservatórios, cumprindo determinações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Com isso, precisam recorrer ao mercado livre, usado por grandes consumidores do setor e no qual a energia está mais cara, para honrar todos os contratos de fornecimento com as distribuidoras.

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Isso tem criado uma guerra de liminares na Justiça — já são 22 até o momento. A maior parte das geradoras, com exceção das empresas do grupo Eletrobras, obteve o direito na Justiça de pagar apenas 5% dessa energia extra adquirida no mercado. Isso porque esses 5% são o chamado risco de racionamento (ou hidrológico) do setor. O restante (acima desses 5%) não está sendo pago pelas geradoras graças a liminares.

Assim, com esse respaldo judicial, as empresas não vêm liquidando todos seus contratos na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Em junho, o nível de inadimplência chegou ao recorde de 47,28%. Ou seja, deixou de ser honrado R$ 1,4 bilhão dos R$ 2,99 bilhões. E há o risco, apontam especialistas do setor, de mais esse descompasso no setor elétrico ser repassado ao consumidor final, que já vem sofrendo com o aumento médio de 50% nas tarifas somente neste ano.

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Solução

As geradoras argumentam que a garantia do abastecimento não é risco hidrológico e, por isso, não têm obrigação de bancar esses custos adicionais com geração a partir de fontes mais caras (térmicas a óleo e a gás). O presidente da Abrage, associação das geradoras, Flavio Neiva, disse que as perdas das usinas estavam estimadas em R$ 20 bilhões neste ano. Mas, por causa da redução do uso das térmicas mais caras (movidas a óleo diesel), anunciada na semana passada pelo governo, esse prejuízo pode cair para R$ 13 bilhões. Neiva tem esperanças que, em breve, o governo apresente uma solução.

“Está se caminhando para encontrar uma solução para essa questão. Em 2012 (quando houve uma renegociação dos contratos de concessão por pressão da União), para conseguir promover redução nas tarifas de energia elétrica, o governo ordenou a geração máxima das hidrelétricas, que fez com que os reservatórios caíssem de quase 80% para 28% em 2012. Os reservatórios não se recuperaram, e as geradoras estão sendo obrigadas a pagar essa conta. As geradoras não podem pagar sozinhas por isso. Esses custos com outras fontes de geração são para garantir o abastecimento, não é risco hidrológico. Por isso, as liminares”, disse Neiva.

Segundo especialistas, é vital resolver o impasse com as geradoras. Sem isso, arriscam eles, o sistema elétrico pode ter uma crise sistêmica e a inadimplência chegar a 100%. Consultorias como a Safira e a Thymos acreditam que o volume de contratos não liquidados deve aumentar. Todo setor espera para esta semana que um acordo seja costurado entre os agentes do setor e o governo. Segundo, uma proposta em análise é o aumento do prazo de concessão das usinas hidrelétricas e até mesmo retirar o chamado risco hidrológico das usinas e repassar para todo o sistema.

“Aumentar o período de concessões não é o essencial, porque não resolve o problema de caixa a curto prazo das geradoras. Outra alternativa em estudo é repartir esse custo entre todos os agentes após ultrapassar o limite de 5%”, disse essa fonte.

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As tarifas para o consumidor, que já sofreram um aumento médio de 50% neste ano, terão mais reajustes em 2016. A estimativa dos especialistas aponta para uma alta entre 8% e 10% no próximo ano, apenas como resultado do uso intenso das usinas térmicas, do sistema de bandeiras tarifárias — atualmente na cor vermelha, a mais cara — e dos empréstimos concedidos às distribuidoras no ano passado. João Carlos Mello, presidente da Thymos, destaca que as geradoras deverão ter uma perda de cerca de R$ 20 bilhões neste ano com o custo extra da energia comprada no mercado de curto prazo:

“É uma equação complicada para ser resolvida. Existe a possibilidade de isso ser repassado ao consumidor. A estimativa é que, hoje, 20% dos contratos não estão lastreados. Como as usinas só estão pagando 5%, quem vai arcar com os 15% restantes? É preciso uma solução. O que não pode é o mercado ficar parado”.

Repasse para o consumidor

Paulo Cunha, consultor da FGV Energia, diz que esse impasse precisa ser resolvido imediatamente, diante do grande volume de calote:

“O setor vive uma crise aguda. Essa inadimplência já era esperada e precisa ser resolvida. A questão é o governo fechar um acordo para evitar o repasse ao consumidor. Nos anos anteriores, houve aporte do Tesouro, mas hoje não é possível com o ajuste fiscal. Os bancos já estão muito expostos no setor com os empréstimos feitos às distribuidoras no ano passado, e a renda do brasileiro não suporta mais aumentos na luz. Por isso, há uma dificuldade maior hoje para resolver isso. E o risco real é chegar ao consumidor.

O gerente de regulação do Grupo Safira Energia, Fábio Cuberos, ressalta que o nível de inadimplência em junho (último dado disponível) é o maior da história do setor. Em maio, o calote havia sido de 18,17%, cerca de R$ 460 milhões. Segundo ele, há riscos de os números chegarem a 100%, se não houver uma solução. Ele lembra que, até então, o maior nível de calote havia sido registrado em agosto de 2012, com 21,9% dos contratos não honrados, no valor de R$ 134 milhões.

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“As geradoras estão obtendo liminares para não pagarem esses custos extras de energia. Quando uma geradora deixa de pagar, o restante desse custo é dividido entre as outras geradoras. E, para evitar esse valor adicional que não estava previsto em seu fluxo de caixa, outras geradoras entraram na Justiça. Por isso, há tantas ações”, disse Cuberos.

O Ministério de Minas e Energia disse que vem trabalhando com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e agentes do setor para equacionar o problema. “A apresentação de uma solução condensada deve ocorrer em breve, o que fará com que as liminares percam sua razão de ser e o mercado volte à normalidade”. A CCEE e a Aneel não responderam.

Charles Lezi, presidente da Abragel, que reúne as pequenas centrais hidrelétricas, argumenta que a culpa dos preços altos no mercado livre não são causados só pela falta de chuvas, mas também pelo custo das térmicas. Assim, explica, as geradoras não podem arcar com essas despesas.

“Por isso, o nosso argumento é que nessa conta não há apenas o risco de não ter chuvas. E resolver esse impasse é um desafio”, admitiu Lezi