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Instalação de mídia e vedação de urnas eletrônicas em Brasília: mais tenso por causa do cenário externo, mercado financeiro brasileiro sofreu pouco abalo por causa das eleições presidenciais.
Instalação de mídia e vedação de urnas eletrônicas em Brasília: mais tenso por causa do cenário externo, mercado financeiro brasileiro sofreu pouco abalo por causa das eleições presidenciais.| Foto: Joédson Alves/EFE

Um movimento de aversão global ao risco trouxe tensão ao mercado financeiro brasileiro, que até semana passada vinha exibindo tranquilidade surpreendente às vésperas das eleições presidenciais.

Apenas nas duas últimas sessões de negócios, na última sexta-feira (23) e nesta segunda (26), o Ibovespa (principal termômetro da B3, a bolsa brasileira) caiu 4,3%. No mesmo período, o dólar comercial ficou 5,2% mais caro, chegando a R$ 5,38 na cotação de fechamento – nesta segunda, o real foi quem mais perdeu valor em relação ao dólar dentre as principais moedas. Os movimentos levaram o Banco Central a anunciar um leilão de US$ 1 bilhão para esta terça (27).

Há alguns dias os mercados vêm reagindo à possibilidade de uma recessão nas principais economias do mundo, causada por aumentos das taxas de juros. Em vários países, os índices de preços atingiram os maiores patamares em décadas, o que leva bancos centrais a subir os juros para esfriar a economia.

No Reino Unido, a inflação em 12 meses é a maior em 40 anos. Nos Estados Unidos, fechou agosto em 8,3%, com os preços da comida aumentando 11,4% em relação ao ano passado, a maior alta desde maio de 1979. Na zona do euro, a inflação anual foi de 9,1% em agosto. Um ano antes era de 3,1%.

O novo gatilho para as vendas de ações e a saída de dólares do Brasil – e de outras economias emergentes – foi o anúncio de um plano fiscal no Reino Unido que aumentou a percepção de que os juros vão subir com força por lá.

Anunciado pelo novo ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, o pacote tem o maior corte de impostos em meio século e busca aquecer a economia, o que pode levar o Banco da Inglaterra a forçar a mão na direção contrária. Em resposta, neste início de semana a libra esterlina caiu ao menor nível da história ante o dólar.

Com investidores buscando se antecipar a novas altas de juros em outros mercados, as moedas emergentes não conseguiram manter o bom desempenho que vinham exibindo até então. Como sempre, um dos principais destino do dinheiro que sai desses mercados são os títulos do Tesouro norte-americano.

Além de serem considerados os mais seguros do mundo, os Treasuries estão ainda mais atraentes. O Fed, banco central norte-americano, já deu início a um intenso movimento de alta de juros, elevando a rentabilidade dessa aplicação.

"O atraso em tomar decisões difíceis de política monetária [nas economias desenvolvidas] alimentou a dificuldade em combater a escalada de preços, e tudo em nome da errônea percepção de que derramar rios de dinheiro na economia não traria inflação. Trouxe inflação e trará recessão", escreveu o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, em relatório enviado mais cedo a clientes.

Adicionalmente, a escalada das tensões na guerra da Rússia contra a Ucrânia – com o presidente russo, Vladimir Putin, ameaçando usar armas nucleares – não colabora em nada para tranquilizar os mercados.

Os riscos cada vez maiores de recessão global levaram a fortes quedas nos preços das commodities, o que afeta em cheio grandes produtores como o Brasil e colaborou para o recuo do Ibovespa e a alta mais forte do real por aqui. O petróleo chegou a cair abaixo dos US$ 85 por barril.

"À exceção das commodities agrícolas, a maioria dos mercados voltou aos níveis de preços observados em 2021. A alta relacionada com a guerra da Ucrânia desapareceu", cita Norbert Rücker, chefe de pesquisa econômica do banco suíço Julius Baer.

O movimento tão forte dos mercados na segunda-feira, porém, pode levar a um movimento de recomposição nesta terça. Nos primeiros negócios do dia, o dólar recuava em relação à maioria das principais moedas, incluindo o próprio real, e commodities como minério de ferro, cobre e petróleo subiam.

No momento da publicação desta reportagem, por volta de 11h50, o dólar recuava 0,4%, em R$ 5,35, e o Ibovespa subia 0,25%.

Em meio ao nervosismo global, mercado "lembrou" das eleições presidenciais

Além dos já citados, existe outro fator importantíssimo que até então praticamente não havia dado as caras no mercado financeiro: a eleição para presidente da República.

Em outros tempos, a proximidade da votação costumava provocar fortes turbulências na bolsa e no mercado de câmbio. Não foi o que se viu por aqui durante toda a atual corrida eleitoral – nem mesmo com pesquisas colocando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na liderança das intenções de voto (leia mais abaixo sobre pesquisas). Um dos picos históricos do dólar frente ao real, vale lembrar, ocorreu às vésperas da primeira eleição do petista, em 2002.

Nesta segunda, o tema eleição ficou mais presente nos comentários do mercado. Não como assunto principal, mas como um fator a mais no caldeirão de tensões: a avaliação é de que, a poucos dias do pleito e com tanto nervosismo nos mercados globais, investidores optaram pela cautela, se desfazendo de aplicações vistas como mais sensíveis.

"Após dias performando melhor que o exterior, o mercado local não resistiu e sucumbiu à aversão a risco global e às fortes quedas nas commodities, em meio à cautela com a eleição do fim de semana", escreveu a clientes o economista-chefe da corretora Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi.

Ele e outros analistas acrescentaram ao cenário as expectativas em torno da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), programada para esta terça-feira, que explicou a decisão de manter a taxa básica de juros do Brasil em 13,75% ao ano, interrompendo um ciclo de alta iniciado ainda em março de 2021. O comunicado indicou que a Selic tende a continuar elevada por um longo período.

Que fatores explicam a tranquilidade do mercado com as eleições

Levantamento feito pelos professores da Fundação Getulio Vargas (FGV) Claudia Yoshinaga (FGV-EAESP) e Henrique Castro, donos do perfil Finance_Br no Instagram, mostrou que as eleições não têm sido um fator de estresse para o mercado neste ano, diferentemente do que ocorreu em ocasiões anteriores. Os dados que eles coletaram, a pedido da BBC News Brasil, mostram que a eleição mais conturbada para o mercado foi mesmo a de 2002.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, pelo menos, três fatores colaboravam para a calmaria vista até dias atrás no mercado em relação à campanha eleitoral brasileira:

  1. a economia brasileira vem apresentando bons resultados ao longo do ano;
  2. os principais concorrentes brasileiros na disputa por investimentos estrangeiros estão em situação delicada; e
  3. a situação geopolítica mundial tem algumas consequências positivas para o Brasil.

“O mercado poderia estar mais sensível se não fosse o bom momento da economia”, diz a diretora de macroeconomia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro.

O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,5% do PIB no primeiro semestre deste ano, em relação a igual período de 2021. E a economia começou bem a segunda metade do ano: o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) avançou 1,17% na passagem de junho para julho, superando as expectativas do mercado.

A inflação também está colaborando, principalmente por causa dos cortes de tributos sobre combustíveis e energia e da redução dos preços cobrados pela Petrobras. Foram duas deflações consecutivas, em julho e agosto. As expectativas para setembro são para uma nova deflação, segundo o relatório Focus do Banco Central. Outro indicativo disso é que o IPCA-15, prévia do índice "cheio", apontou deflação de 0,37% entre meados de agosto e meados de setembro.

A alta do IPCA acumulada em 12 meses está em 8,73%, o menor nível desde junho de 2021, segundo o IBGE, e o ponto médio das projeções para o indicador ao fim do ano, em queda há 13 semanas, chegou a 5,88%.

Outro fator interno que contribui para esse cenário menos tenso tem relação com a taxa básica de juros brasileira, a Selic. De um lado, a taxa em níveis elevados contribui para evitar uma fuga massiva de dólares do país. A remuneração de quem aplica em títulos brasileiros, afinal, está bem acima da inflação projetada para os próximos 12 meses.

De outro lado, o fato de o juro básico ter parado de subir indica uma contenção dos prejuízos causados pelo juro alto na atividade econômica. “O Brasil foi o país que mais se adiantou nesse processo [de aperto monetário]”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

Mas também há questões externas favorecendo um cenário menos tenso no mercado doméstico. Uma delas é a guerra da Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro. Por mais que ela traga nervosismo em momentos de acirramento, como nos últimos dias, ela acabou contribuindo para uma reorganização da lógica do comércio internacional que favoreceu o Brasil. “O Brasil está distante fisicamente”, destaca Alessandra Ribeiro.

O país também está melhor que alguns de seus principais concorrentes por investimentos estrangeiros, como a Rússia, a Turquia e a Argentina. Os russos estão praticamente isolados do mercado financeiro mundial, por causa do conflito militar. A Turquia tem uma política econômica errática. E a Argentina está em crise.

O economista Samuel Pessôa, sócio do Julius Baer Family Office (JBFO) e pesquisador da Fundação Getulio Vargas, sinaliza para um quarto fator – este doméstico – que pode ter influenciado na relativa calmaria do mercado em relação às eleições. “O mercado entendeu que os dois candidatos com chances reais e mesmo os da terceira via, estão dispostos a trabalhar na continuidade de um ajuste fiscal estrutural”, diz.

Pesquisa BTG/FSB divulgada nesta segunda-feira (26) mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 45% das intenções de voto e o presidente Jair Bolsonaro (PL), com 35%. Ciro Gomes (PDT) tem 7% e Simone Tebet (MDB), 4% (veja metodologia desse levantamento ao fim deste texto e confira aqui outras pesquisas eleitorais).

Segundo Pessôa, é um caminho que foi afetado pela pandemia da Covid-19, o que dificultou a tomada de medidas em direção a um ajuste fiscal. “A sociedade brasileira não tolera mais a inflação”, diz.

Metodologia da pesquisa citada

O Instituto FSB Pesquisa ouviu, por telefone, 2 mil eleitores entre os dias 23 e 25 de setembro de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pelo banco BTG Pactual e está registrada no TSE com o protocolo BR-08123/2022.

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