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Andreas Pavel, pesquisador e inventor do walkman | Divulgação
Andreas Pavel, pesquisador e inventor do walkman| Foto: Divulgação

"É quase uma alucinação." Assim Andreas Pavel define sua nova invenção, batizada de "telefonia integral". Sem revelar muitos detalhe, ele explica que se trata de um pequeno acessório para celulares que, via bluetooth ou porta USB, vai permitir que um interlocutor ouça o que se passa no ambiente onde a outra pessoa está. Em resumo, ele quer transformar o que hoje é ruído da ligação em emoção para quem ouve.

"Parte disso é útil, parte é pura diversão. O acessório vai fazer com que alguns telefones possam transferir as situações vividas. É como ouvir com os ouvidos de outra pessoa, em tempo real. O interlocutor passa a viver o meu momento. Em outra parte do planeta, onde estiver, a ouvir com os meus ouvidos", explica Pavel. A fabricação e comercialização do acessório devem começar em um ano, capitaneadas por uma empresa que ele mesmo está criando – e deve ter um braço brasileiro. Pavel não quer ter o mesmo problema que teve há quase 40 anos, quando criou o walkman. Ele precisou brigar na Justiça por muitos anos para ter o reconhecimento da autoria e receber os royalties da venda dos aparelhos – os valores foram pagos embora a Sony sempre tenha discordado da reivindicação do inventor. Pavel chegou a pensar em fazer pedido semelhante à Apple – exigindo royalties pela comercialização do iPod –, mas desistiu. "Não vale a pena."

Agora ele quer ter o controle de tudo. "Não quero saber da indústria de celulares. Ela é minha concorrente. Não adianta tentar vender uma ideia porque ela vai ser roubada", diz. "Você tem que ter a iniciativa e, quando ela estiver no mercado, os outros virão. Aí, é claro, você precisa ter uma proteção de patente. E isso não basta. É preciso ganhar escala rapidamente."

Esses "roubos" parecem ser o único assunto que tira o bom hu­­mor desse filósofo "alemão de passaporte" e brasileiro por opção. Ele faz questão de dizer que é do hu­­mor que nascem as inovações. "O humor é o primeiro instrumento que temos. O segundo é o coração. Depois vem o senso estético e o existencial", diz. "O senso estético está em ver a beleza em todos os momentos e lugares. E isso tem a ver com a invenção, que é ver de maneira diferente o que está na sua frente, coberto pela rotina."

Stereobelt

Foi desse olhar diferente, lembra Pavel, que nasceu o walkman. O "stereobelt" foi criado em uma madrugada de 1972, quando ele morava com a família em São Paulo -- ele viveu no Brasil durante muitos anos. O que ele queria, na época, parece hoje muito óbvio e simples: adicionar trilha sonora à vida real. "Eu tinha em casa um som espetacular. De noite e nos fins de semana, ela ficava cheia de gente para ouvir música. Mas quando fui viajar com a minha namorada para a Europa pensei: e agora?"

O que Pavel fez foi combinar tecnologias que já existiam, mas que ninguém havia pensando em juntar: fones de ouvido e gravadores. "A invenção está justamente em descobrir os pressupostos invisíveis." Por que a Sony não chegou a essa ideia antes? "Porque ela tinha um departamento de gravadores e um de fones que não ti­­nham nada a ver um com o outro. Na época, gravadores eram para profissionais e o fones, para monitorar gravação ou ouvir coisas em casa, para não fazer barulho en­­quanto a mulher estava dormindo."

Assim como naquela época, Pa­­vel diz que a indústria no mundo todo é, de um modo geral, estruturalmente incapaz de aproveitar to­­da a tecnologia disponível. "Não é que as pessoas sejam incapazes. A indústria não está preparada pa­­ra pensar mudanças de paradigma."

Quando criou o walkman, o filósofo procurou várias empresas, que consideravam a ideia interessante, mas inviável – "é caro, não grava e ainda tem que sair por aí de fone". "A ideia era completamente fora do que a indústria está organizada para pensar. Ela vê o futuro do ponto de vista do passado. Os departamentos de marketing não se arriscam a ousar, a propor." O aparelho só chegou ao mercado, lembra Pavel, por uma iniciativa do então presidente da Sony, Akio Morita. "Ele mandou fazer e assumiu a responsabilidade. Ainda assim, foram apenas 30 mil unidades e sem verbas para marketing. O aparelho era tão novo que ficou por um mês nas vitrines de Tóquio e ninguém mexeu."

Rotina criativa

Hoje o filósofo mora em Milão. Segundo ele mesmo, sua melhor e mais bem feita invenção são as duas filhas (uma de 6 meses e outra de 3 anos), conta, mostrando as fotos das meninas no seu iPhone. A elas, dedica boa parte dos seus dias – que ele faz questão de que tenham longas manhãs. "Não almoço porque eu acho que o al­­moço vai me fazer passar da ma­­nhã para a tarde e eu quero continuar a manhã. Só faço um lanche no meio da tarde. A alimentação fica para o jantar", destaca, ao detalhar seu dia.

Antes disso, Pavel já tomou um café – "com chantilly, como só tem em Milão" – para dar um impulso ao dia, comprou os jornais, leu seus e-mails e tomou um copo de suco de grapefruits (laranjas vermelhas) "es­­premidas na hora". "As ideias po­­dem surgir a qualquer mo­­mento ao longo do dia se a pessoa estiver sempre pensando, questionando, vendo as coisas pelo contrário."

Ele mesmo se define como um "cara pouco convencional". "Gos­­to de pensar ao contrário, provocar e brincar. Tem a ver com humor também, com ambiguidade. Com poder mudar a definição de uma situação. Isso é característica de um cara inventivo", diz. "Mas um cara inventivo tem que ter um certo repertório e alguma inteligência para selecionar as coisas e rapidez para recombiná-las."

A mais recente ideia é colocar o Brasil novamente nesta rotina. Por isso está no país e negocia com a consultoria curitibana Gestão Inteligente, que será responsável pela execução do plano de negócios da nova empresa. "Quero voltar para cá e trazer minha família", conta.

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